A dança à volta das imparidades do Banif…

Artigo de Ricardo Cabral.


No meio das muitas notícias sobre o Banif, é difícil acompanhar as “pérolas” de informação que são divulgadas no âmbito da Comissão Parlamentar de Inquérito ao Banif, bem como na imprensa.

O Público aborda o conteúdo de uma carta de 9 de Dezembro de Jorge Tomé ao Banco de Portugal (BdP) em que, entre outros pontos, protesta contra a tentativa do BdP, a 17 de Novembro, de impor imparidades de 177 milhões de euros, que contrariavam as avaliações dos auditores escolhidos pelo BdP. Se essas imparidades fossem concretizadas, o rácio de capital CET1 do Banif cairia abaixo dos 8% (valor mínimo de referência, mas que pode ser temporariamente violado). Mas, mesmo nessa hipótese, tal não seria ainda suficiente para fundamentar uma medida de resolução bancária, uma vez que o valor mínimo legal do rácio de capital CET1 – que, a não serem cumpridos, obrigam à aplicação quase-automática de uma medida de resolução – é de 4,5%.

Ou seja, a ser verdadeira a referida imposição, dá a ideia que o Banco de Portugal já a 17 de Novembro (ou seja mais de um mês antes da aplicação da medida de resolução) procurava encontrar argumentos legais para fundamentar a aplicação de uma medida de resolução ao Banif. O objectivo não parecia ser a estabilidade do Banif, nem um plano de contingência, mas sim o de reduzir os riscos legais do Conselho de Administração do Banco de Portugal caso se viesse a optar por essa via (da resolução), i.e., criar o “casus belli” legal.

A carta do CEO do Banif, de 9 de Dezembro, identifica claramente a questão e coloca em cheque o Conselho de Administração do Banco de Portugal, acusando-o de promover a instabilidade no Banif. O BdP reage, no dia seguinte, implicitamente dando razão a Jorge Tomé, emitindo o registo de idoneidade dos gestores nomeados e, aparentemente, recuando na sua tentativa de determinar imparidades de 177 milhões de euros.

Quando o Conselho de Administração do Banco de Portugal decide aplicar a medida de resolução ao Banif, a 19 de Dezembro de 2015, aparentemente entra em contradição com o que havia determinado há apenas 9 dias. E, age sem que estejam preenchidos os critérios legais para a aplicação de uma medida de resolução – porque, a 19 de Dezembro de 2015, formalmente, o Banif era solvente e cumpria os rácios de capital mínimos.

Na realidade, as medidas adoptadas pelo Conselho de Administração do Banco de Portugal a 20 de Dezembro de 2015 são, na prática, equivalentes à imposição de imparidades, não de 177 milhões de euros, mas sim de cerca de 3570 milhões de euros[1]. Essa enorme reavaliação do valor dos activos do Banif foi efectuada não obstante e à revelia dos pareceres dos auditores do Banif sobre as contas dessa instituição.

Note-se que o Banco de Portugal continua sem apresentar as contas da resolução bancária do Banif…


Artigo publicado no blogue Tudo Menos Economia.

[1] Poder-se-ia obter um banco com um balanço equivalente se se tivessem imposto imparidades nesse montante e posteriormente realizado as injecções de capital. Saliente-se que foram injectados 3180 milhões de euros de dinheiros públicos no perímetro do antigo Banif: 1766 milhões de euros de aumento de capital, 489 milhões de euros do Fundo de resolução, 746 milhões de euros de dívida da Oitante contra-garantida pelo Estado, 179 milhões de euros de activos por impostos diferidos. Carlos Costa na sua intervenção perante a Comissão Parlamentar de Inquérito ao Banif só refere o “haircut” de 1400 milhões de euros no valor dos activos que passam para a Oitante e 1100 milhões de euros de provisionamento genérico. Por outro lado, o valor dos capitais próprios e da dívida subordinada do antigo Banif era de cerca de 1070 milhões de euros e cai, de acordo com o Governador do Banco de Portugal, para 680 milhões de euros. Ou seja, 3570=1766+489+746+179+(1070-680). Para o Banif mau passam, segundo Carlos Costa, cerca de 300 milhões de euros de activos residuais que, nos termos do estipulado na lei de resolução bancária, deveriam ter um valor contabilístico próximo de zero.