Artigo de Pedro Adão e Silva.
As discussões sobre a ADSE variam muito em pouco tempo. Agora, o tema voltou à agenda pela mão do CDS. Desta feita, o objetivo já não é a extinção, mas o alargamento dos beneficiários. Para discutir a ADSE hoje, talvez valha a pena ter em conta o seu contexto de surgimento e o histórico recente.
Criada nos anos 60 para alargar a proteção na saúde de natureza ocupacional aos “servidores civis do Estado”, tratava-se de uma extensão de um Estado social incipiente, que replicava na administração pública benefícios ocupacionais, existentes em alguns grupos privados. Quase com um século de atraso, a ditadura compreendia a lição bismarckiana: sem funcionários públicos leais e com regalias sociais, a autoridade do Estado ficava em risco.
Com a democracia, Portugal criou um serviço nacional de saúde, universal e gratuito, financiado por impostos gerais. Pelo caminho, os subsistemas ocupacionais e de seguro social foram integrados. Mas, como acontece demasiadas vezes entre nós, a transição foi incompleta. Criou-se o SNS mas este continuou a coexistir com outros subsistemas e muitos portugueses passaram a beneficiar de duplas coberturas, geradoras de desigualdades no acesso. A ADSE foi-se transformando num sistema exclusivo e deficitário, financiado por cotizações dos beneficiários e contribuições do orçamento.
Após anos de défices acumulados, o memorando de entendimento obrigava à autossustentabilidade da ADSE. Mais, impunha também “o ajustamento do âmbito dos benefícios”. Como é sabido, a taxa de comparticipação aumentou a um ritmo galopante (de 1,5% para 3,5%) e o sistema passou a ser excedentário, enquanto, em mais um exemplo de incumprimento do memorando, os benefícios se mantiveram inalterados. A explicação é simples: a ADSE é uma forma eficaz de transferir recursos para os sistemas privados, que sem esse apoio não seriam sustentáveis. Hoje a ADSE aproxima-se de uma mutualidade que viabiliza negócios privados.
O que fazer agora?
Uma hipótese é não fazer nada: deixar a ADSE como está, mantendo os direitos adquiridos pelos funcionários públicos, até para compensar limitações salariais e de progressão na carreira; outra possibilidade é fazer evoluir a ADSE para uma mutualidade, gerida pelos próprios beneficiários (responsabilizando os sindicatos); alternativamente, ponderar encerrar a ADSE, não admitindo novos beneficiários e mantendo os direitos dos atuais. Finalmente, a ideia do CDS, alargar a lógica do seguro social complementar a todos. Além das dificuldades na operacionalização e de se estar a acrescentar incoerências ao sistema — com a coexistência problemática do SNS com seguros complementares públicos —, o mais provável é que tudo redundasse num acentuar da desigualdade na oferta (saúde pública para pobres e mais necessitados de cuidados e seguro social para os restantes). Mas uma coisa é certa: a sugestão do CDS obriga a que o tema seja debatido.
Artigo publicado no Expresso