Artigo de Ricardo Cabral.
Qualquer um dos leitores é capaz de identificar um momento na sua vida pessoal ou profissional em que teve de fazer uma escolha difícil e em que soube caracterizar intuitivamente as opções que poderia tomar nesse momento:
– a escolha mais fácil, com menos custos no curto prazo, e que é com frequência a opção de menos resistência e menos “chatices”;
– no extremo oposto, a opção mais difícil, cheia de incertezas e cujos benefícios só se adivinham num futuro por vezes longínquo;
– e ainda um gradiente de escolhas de dificuldade entre os dois extremos.
Vêm estas reflexões a propósito da decisão do governo de apoiar a resolução do Banif proposta pelo Banco de Portugal, com um financiamento de, pelo menos, 2,3 mil milhões de euros de dinheiros públicos (e do Fundo de Resolução) no imediato, a que acrescem 746 milhões de euros de avales públicos. O “Público” estima que a factura total poderá subir até 3,8 mil milhões de euros.
A decisão do governo, e em particular do Ministro das Finanças e do Primeiro Ministro, foi certamente muito difícil. Recém-empossados, são confrontados com uma solução para o Banif já quase pré-determinada. Mas será que foi a melhor decisão que podiam tomar? E será que foi a opção mais fácil ou a mais difícil?
Enumero, de forma simplificada[1], as opções que considero seriam possíveis:
Opção A – Financiar a resolução do Banif com cerca de 3 mil milhões de euros de dinheiros públicos, com impacto no défice público. Promover a sua venda apressada a um dos bancos a operar no país, com despedimentos e redução da concorrência no sector bancário (em particular nas Regiões Autónomas), mas garantindo os depósitos. É certo que esta opção tem algumas vantagens: minimiza-se o risco de uma corrida à banca; faz-se a vontade à Direcção Geral da Concorrência (DG-COMP) da Comissão Europeia, ao BCE e ao Banco de Portugal; e o governo pode ainda, legitimamente, atribuir a responsabilidade do resgate do Banif ao anterior governo.
Opção B – Nacionalizar o Banif, injectando o capital necessário, provavelmente contra a vontade das autoridades europeias, mas com custos menores para o erário público que a opção A e mantendo (ou não) o Banif como banco independente. De acordo com o Ministro das Finanças, esta seria a variante preferida do Governo, mas enfrentava a oposição da Comissão Europeia. Teria como consequência provável uma investigação e um processo da DG-COMP contra o Governo. Contudo, qualquer Estado membro pode discordar e contestar as decisões da Comissão Europeia, embora essa solução pudesse criar (algum) atrito com a Comissão Europeia e BCE. À semelhança da opção A, teria impacto no défice público;
Opção C – Aceitar a resolução bancária defendida pelo Banco de Portugal, mas não a financiar com dinheiros públicos, obrigando na prática o Banco de Portugal a impor perdas a depósitos acima de 100.000€ e a credores. O Fundo de Garantia de Depósitos sofreria perdas significativas;
Opção D – Convencer o Banco de Portugal a não aplicar a resolução bancária ao Banif e a aguardar pela decisão do BCE que, a partir de Janeiro, já poderia aplicar uma medida de resolução ao Banif, nos termos da nova lei da União Bancária, impondo perdas a depositantes e credores (o “bail-in”)[2]. Corria o risco da corrida ao Banif continuar e o Banif poderia ser forçado a recorrer à Assistência de Liquidez de Emergência do Banco de Portugal;
Opção E – Favorecer o encerramento (a liquidação) do Banif, que se traduziria em enormes perdas para os depositantes, com prejuízos ainda para clientes e trabalhadores do banco.
Parece-me que o caminho escolhido pelo governo (a opção A) foi o caminho de menor resistência ou o mais fácil no curto prazo, com menores custos políticos e riscos operacionais.
E, com esta análise, afigura-se que o governo optou por uma das piores alternativas possíveis em relação a uma solução para o Banif.
“O euro não parou” no Ministro das Finanças nem no Primeiro-Ministro.
Na hora H o governo fraquejou. Perdeu a batalha mesmo antes de começar. Deixou que a decisão fosse tomada pelo Banco de Portugal e pela Comissão Europeia – por meros funcionários –. Deixou que Portugal fosse espoliado entre 2,2 a 3 mil milhões de euros.
Foi assim muitas vezes ao longo da História de Portugal, como ouvi dizer numa interessante e recente conferência. O país “rende-se antes da batalha”, perante forças incomensuravelmente mais fortes (pelo menos na mente de quem toma a decisão).
O governo merecerá o benefício da dúvida, teve muito pouco tempo para encontrar uma solução para o Banif e tem outros dossiers (e.g., Novo Banco e Orçamento de 2016, que certamente considerará mais estratégicos e mais importantes para o país) – e “um bom general sabe perder uma batalha para ganhar a guerra”.
Espero, contudo, que o governo não perca na secretaria mais nenhuma negociação que irá (necessariamente) ter de travar em nome do país e dos portugueses …
E que “o euro passe a parar” no Terreiro do Paço ou em São Bento!
Artigo publicado no blogue Tudo Menos Economia
Notas:
[1] Os detalhes ficarão para outro post.
[2] É interessante constatar que alguns responsáveis nacionais que apoiaram a aprovação legislação sobre a União Bancária a queiram evitar agora a todo o custo, aplicando a resolução ao Banif antes de Janeiro de 2016, data da entrada em vigor dessa lei.