Artigo de Ricardo Cabral.
O plano de recapitalização acordado entre o Governo português e o Banif no final de 2012, obrigou à submissão de um plano de reestruturação do banco junto da Direcção Geral da Concorrência (DG-Comp) da Comissão Europeia. O Banif submeteu o primeiro plano de reestruturação a 9 de Novembro de 2012. As linhas de orientação para tais planos de reestruturação tinham sido actualizadas em 2009 e, em 21 de Janeiro de 2013, a DG-Comp deu a sua aprovação temporária ao plano de recapitalização, indicando:
“(64) Considerando as necessidades de capital do Banif, e a necessidade de assegurar a estabilidade financeira em Portugal, a Comissão considera que as medidas são suficientes para minimizar as distorções à concorrência causadas pela ajuda pública durante o período de resgate, sem prejuízo de serem necessárias medidas adicionais para corrigir as distorções à concorrências de forma a que o plano de reestruturação do Banif possa ser aprovado.
Conclusão
(65) A Comissão assim conclui que (i) a subscrição de acções especiais emitidas pelo Banif no montante de EUR 700 milhões, bem como a subscrição de instrumentos híbridos no montante de EUR 400 milhões são meios adequados para satisfazer as necessidades de capital do Banif; (ii) a ajuda está limitada ao mínimo necessário; e (iii) os compromissos assumidos por Portugal asseguram que a ajuda é razoável.
…
(67) Por conseguinte, Portugal tem de submeter um plano de reestruturação para o Banif (até 31 de Março de 2013) […] que tem de prever uma alteração material do modelo de negócio do banco, implicando medidas de reestruturação profundas, uma diminuição considerável da sua dimensão e um foco geográfico reduzido […].” p.12.
Considerou ainda que as medidas de ajuda estatal eram temporariamente compatíveis com o mercado interno e estariam aprovadas até 31 de Março de 2013. Contudo, a Comissão nunca deu a sua aprovação definitiva ao plano de reestruturação: desde o início de 2013, tem estado envolvida em negociações com o Banif e o governo português não tendo concordado com nenhuma das alegadamente 8 propostas de reestruturação apresentadas.
O Banif aparenta ter cumprido o plano de recapitalização que foi aprovado temporariamente pela União Europeia de forma que se afigura satisfatória:
– Uma parte significativa dos compromissos assumidos pelo governo português face à DG-Comp (vide anexo deste documento) foi cumprida;
– Exigia-se uma injecção de capital por investidores privados de 450 milhões de euros até Junho de 2013, que foi concluída em Junho de 2014;
– Exigia-se a devolução de 400 milhões de euros de empréstimos de dívida subordinada concedida pelo Estado (“CoCos”) até ao final de 2014. Foram devolvidos 275 milhões de euros, mas o Banif não foi capaz de devolver a última tranche de 125 milhões de euros e a tranche anterior foi devolvida com atraso, o que deveria resultar em penalizações automáticas para o Banif, nomeadamente conversão da dívida subordinada em acções detidas pelo Estado. Ora o Estado não exerceu esse direito em violação do seu compromisso para a Comissão. A administração do banco alega que o Banif foi afectado pela crise no GES e no BES e que por isso não pôde devolver os últimos 125 milhões de euros.;
– Nas propostas de reestruturação apresentadas pelo Banif para o período 2012-2017, o banco propôs reduzir o número de balcões em 52% e o número de funcionários em 54%, tendo já “reduzido” muito significativamente o número de balcões e o número de funcionários;
– O Banif pagou antecipadamente a totalidade dos empréstimos contraídos com garantia pública (1175 milhões de euros);
– O Banif reduziu o financiamento do Eurosistema de 2400 milhões de euros em Dezembro de 2012, para 1400 milhões em Setembro de 2015 (e para 865 milhões de euros em Outubro de 2015);
– Exigia-se uma redução substancial do balanço do banco que em 2012 era de 15,4 mil milhões de euros. O Banif reduziu o seu balanço em 22% – em Setembro de 2015 era de cerca de 12 mil milhões de euros;
– Durante todo este período o Banif cumpriu os rácios de capital mínimos exigidos pelo regulador sectorial (Banco de Portugal).
– Não obstante todo esse esforço, a Comissão assumiu uma posição de intransigência crescente com a evolução do Banif, aparentando ter extremado a sua posição para conseguir um compromisso que lhe agradasse. O argumento fundamental é que o Banif não era suficientemente lucrativo e que portanto não seria capaz de atrair capitais privados.
Segundo a imprensa nacional, em meses e semanas recentes a DG-Comp defendeu a liquidação (encerramento), a resolução ou a venda do Banif (ao Santander) como soluções possíveis. É de notar que durante todo este processo a Comissão ainda não tinha publicado a sua decisão preliminar no Jornal Oficial da União Europeia para efeitos de audiência prévia do interessado (que só ocorreu a 18.12.2015).
Não se afigura que a DG-Comp tenha competência para:
– recomendar, exigir ou determinar a insolvência (e posterior) liquidação do Banif – aplica-se o regime geral da liquidação de entidades comerciais da competência de um juiz de um Tribunal Judicial da Comarca da Lisboa – Lisboa, Instância Central 1.ª Secção Cível – onde está localizada a sede do Banif;
– recomendar ou exigir a resolução do Banif – da exclusiva competência do Banco de Portugal até ao final de 2015 -;
– recomendar ou exigir a venda do Banif – da competência dos accionistas do Banif.
Mas talvez porque a DG-Comp é minúscula no contexto europeu (662 funcionários permanentes, dos quais só uma parte alocada a funções técnicas) com enormes responsabilidades, não só se arroga mais poderes do que já tem (numa espécie de “mission-creep”), como não aparenta dispor dos mecanismos de controlo interno suficientemente robustos para impedir o género de arbitrariedade e de abuso de poder que parecem evidentes no caso Banif, que ocorreram, note-se, mesmo antes da publicação da decisão final.
Porque, é importante salientar, até à publicação da decisão final pela Comissão não há decisão alguma. O contraditório por parte do interessado pode resultar no arquivo do processo de investigação, com a concomitante aceitação de que a ajuda estatal não é ilegal.
Em síntese, a DG-Comp:
– Aparenta ter adoptado uma posição negocial extremada, que defende posições e soluções que se afiguram fora da sua área de competência;
– Actuou antes do fim do prazo de audiência do interessado, período em que não existe decisão final;
– Actuou sabendo que algumas das posições por si defendidas ao longo de semanas e meses (nomeadamente a aplicação de uma medida de resolução bancária do Banif ou liquidação do Banif) provavelmente viriam a público e muito provavelmente causariam uma corrida ao banco, pondo em causa a sua estabilidade financeira;
– E actuou sabendo que seria pouco provável que a posição defendida pela Comissão Europeia viesse a vingar em sede do Tribunal Europeu, caso viesse a ser apreciada nesse fórum, porque:
– O desvio do Banif face ao plano de recapitalização aprovado temporariamente pela Comissão aparenta ser modesto;
– O Banif foi significativamente reestruturado no período em análise, mais do que outros bancos nacionais;
– A solução encontrada resulta numa diminuição da concorrência num mercado bancário já de si muito concentrado;
– Resulta em enormes prejuízos para o erário público português;
– Resulta em ajuda estatal para o Santander (e eventualmente para outros bancos presentes no mercado nacional), de dimensão muito superior à ajuda estatal que aparenta ser o principal “leitmotiv” do processo de investigação da DG-Comp (125 milhões de euros).
Em contraste com esta longa tramitação (preparação de planos de reestruturação e negociações com a DG-Comp), a 21 de Dezembro de 2015, apenas dois dias após a resolução bancária do Banif pelo Banco de Portugal, que injecta 3 mil milhões de euros no que era o antigo Banif e vende a maior parte dos seus activos ao Santander, a DG-Comp aceita resolução do Banif e acrescenta:
“A Comissão também determinou que não foi concedida qualquer ajuda (estatal) no processo de venda ao comprador Banco Santander Totta”, tradução e texto entre parênteses acrescentado pelo autor.
Deve ter sido um trabalho de análise muito profundo (e num futuro post abordarei essa questão). É surpreendente como a Comissão só levou 2 dias a chegar a essa determinação.
O que estará por detrás da recusa da Direcção Geral de Concorrência da Comissão Europeia em aprovar os sucessivos planos de reestruturação do Banif e da sua vontade em vender o Banif ao Santander?
Artigo publicado no blogue Tudo Menos Economia