Artigo de João Ramos de Almeida.
Ultimamente, tenho-me apanhado a pensar – até para reduzir a ansiedade – que não se pode responder com tanto ódio ao ódio que se sente em quem critica um governo de esquerda, ou um governo do PS apoiado pela esquerda, ou um parlamento com a maioria de esquerda. E o antídoto que encontro é perguntar-me: “Mas afinal o que propõem eles que se faça?”
Que política gostaria a direita que a esquerda no poder seguisse? Eu gostava de saber. É que não vejo nada de concreto em todas as críticas que surgem. Apenas vejo irritação por a “extrema-esquerda” poder chegar ao poder. Repito: poder chegar ao poder.
É voltar às políticas seguidas desde 2010 e aprofundadas desde 2011? Manter apertado o “enorme aumento de impostos” sobre o trabalho e pensões, as sobretaxas, a tributação verde, enquanto o Governo continua a esconder benefícios fiscais como detectou uma recente auditoria do Tribunal de Contas, que, aliás, repete o que, em 2014, outra já tinha detectado em cerca de mil milhões de euros? É manter todos os cortes nas prestações sociais? Cortar no CSI no RSI, no abono de família? É pugnar por uma “reforma de Estado” que nem a coligação de direita conseguiu fazer, nem mesmo o soundbyte Paulo Portas? É assistir ao agravamento das desigualdades sociais em que o decil mais pobre teve uma quebra de rendimento de 24% enquanto o decil mais rico teve de 8%?! É continuar a viver em estagnação económica continuada e assistir à quotidiana fuga dos mais capacitados para o países do centro europeu?
Mas se não é, o que é?
Ouça-se o grito de revolta de Francisco Assis, com aquela ideia tão mal construída que é a própria negação num só título. “A falsa tese da marginalização política da extrema-esquerda” é a expressão da clara marginalização de tudo o que não seja PS, pois a esquerda à esquerda do PS tem de ser apenas “extrema-esquerda” e, como tal, radical, e como tal, mantida fora do poder. Mas leia-se o artigo e o que se percebe da política a seguir? Nada. Apenas – espante-se! – um regresso ao PREC e ao pós-25 de Novembro… Agora, vai organizar um encontro com militantes que “discordam do rumo que está a ser seguido” para mostrar que “há uma corrente interna crítica e alternativa”.
Apenas irritação, medo que assume todas as formas possíveis. Primeiro, era porque se ganhava na secretaria o que se perdera nas eleições. Depois, porque se tornava óbvio que havia uma maioria PARLAMENTAR (ou seja, eleita pelo povo), então virou-se as baterias para o acordo. “Então não há acordo?” “Mas que acordo é esse que ninguém conhece?”. E esta vertente ainda corre até dia 9. Finalmente, quando conhecerem o acordo, vai ser: “Então o acordo é isto?” “Com isto, não vão longe!”. Até lá, vamos ter uma manifestação de direita, lado a lado com outra da CGTP no dia da apresentação do programa do Governo…
Todo o reboliço é útil para justificar que o país precisa da paz entre PS e o PSD. E tudo está a ser feito nesse sentido. O PR espera que haja deputados socialistas que votem com a direita. Mas se não for assim, vai ser o governo do PS torpedeado pelos próprios socialistas aliados da direita, com um acordo – esse secreto – para renovar o PSD, descartar o CDS e formar uma coligação que devolva a paz ao país.
Mas volto à mesma: Paz para quê? Para levar a cabo que política que não seja “negativa”? Alguém pergunta, alguém sabe?
Publicado no blogue Ladrões de Bicicletas.