Artigo de Mário Bairrada
Como sabemos existem três óticas de medir / analisar o Produto Interno Bruto (PIB).
Essas três óticas consagram o modo como é descrito o circuito (reforçamos: circuito) económico: Produção, Rendimento, Despesa.
No entanto, somos sistematicamente confrontados apenas com um dos pontos do circuito: despesa. Para além de ser conjunturalmente mais fácil medir (consumo, privado e público, investimento, saldo com o exterior) é ideologicamente atrativo apenas considerar a perspetiva da aplicação de recursos, permitindo enquadrar: “gastamos (despesa) acima das nossas possibilidades”, ou “excessivos gastos do Estado com os salários dos funcionários públicos” (neste caso omitindo que a respetiva diminuição representa igualmente a diminuição do PIB).
Ao analisarmos outro dos pontos do circuito, Rendimento, podemos retirar novas conclusões e colocar novas hipóteses sobre o ocorrido no período 2010-2014. Isto é, colocamos a pergunta sobre a relação entre a riqueza produzida em 2014 (173,044 mil milhões de euros: PIB a preços de mercado de 2014, estimativa INE) e a riqueza produzida em 2010, observando o rendimento dos dois fatores na origem dessa riqueza: trabalho e capital
A partir deste quadro concluímos:
• para além da crise (de natureza financeira), com impacte na diminuição da riqueza produzida, transparece um novo “paradigma económico” (designado de ajustamento) com a diminuição, em apenas 4 anos, de 3 pontos percentuais do peso do fator trabalho nessa riqueza;
• da combinação entre uma diminuição do emprego remunerado ( – 6,44%) inferior à diminuição das remunerações, resulta uma diminuição da remuneração média. Como a diminuição do emprego remunerado foi superior à diminuição do produto resultou a diminuição, há muito recomendada como fator de ajustamento, do custo unitário do trabalho (relação entre remunerações e produtividade);
• o excedente demonstrou elevada resiliência, para utilizar palavra muito apreciada atualmente, ou, em linguagem económica, fraca elasticidade à crise, tendo aumentado em valor absoluto.
A partir desta descrição colocamos como hipóteses:
A) O “novo paradigma económico”, numa situação em que é explícita a dificuldade do crescimento da produtividade, assenta nos seguintes pilares, complementares entre si, para fazer crescer de modo absoluto o excedente:
• transformação da força de trabalho de custo fixo em custo variável – aplicação à força de trabalho da considerada boa regra de gestão desenvolvida para os consumos intermédios: just in time. A precarização, os “recibos verdes”, constitui a sua expressão imediata e com dupla consequência: diminuição dos salários e dos gastos das empresas em contribuições para a segurança social. A segmentação do mercado de trabalho (teorias do dualismo) desenvolve-se através do setor alargado de trabalho contingente (teoria derivada do crescimento dos serviços)
• desqualificação do nível de habilitação escolar – a qual acontece através de um duplo processo: diminuição / anulação do parâmetro positivo da “equação de Mincer” que associa crescimento percentual dos salários ao crescimento percentual do nível de habilitação escolar e desenvolvimento dos designados cursos técnico-profissionais de modo a validar a tendência “tel père tel fills”.
• encurtamento da diferença entre tempo de trabalho e tempo de produção – definida esta diferença historicamente para o caso do sector agrícola, a gestão da força de trabalho através do “banco de horas” é atualmente a expressão mais evidente dessa procura de igualizar tempo de trabalho a tempo de produção. O prolongamento da “jornada de trabalho” (diminuição de feriados, férias, diminuição da remuneração afeta às horas extraordinárias) é o respetivo complementar deste processo.
B) O “novo paradigma económico” articula-se com o anunciado “modelo exportador” que tem como determinante a diminuição dos salários reais com o duplo propósito: diminuição da procura interna e aumento da procura externa garantida por vantagens competitivas associadas aos custos do fator trabalho.