Artigo de José Gusmão
Na sequência dos resultados das últimas eleições gregas, têm-se construído grandes narrativas sobre a tragédia que tem fustigado aquele país. Depois de várias discussões sobre este assunto, resolvi coligir alguns dos dados mais importantes sobre os impactos do programa de ajustamento da troika naquele país. Poderá não ser tão colorido como histórias sobre cabeleireiras e paralíticos, mas espero que seja mais informativo.
Uma das afirmações mais repetidas acerca da Grécia é que os Gregos não cumpriram com o programa de austeridade, nomeadamente no que diz respeito aos cortes no Estado. Na realidade, os gregos cortaram muito mais do que estava previsto. O Memorando do primeiro programa de ajustamento previa 1.700 milhões de euros de redução da despesa pública nominal até 2014 mas, à medida que a austeridade se foi revelando ineficaz no ajustamento orçamental, várias vagas de medidas adicionais foram sendo introduzidas. No final, os gregos cortaram quase 20.000 milhões. Cerca de 12 vezes mais.
Esses cortes tiveram consequências desastrosas no sistema de educação e no sistema nacional de saúde, bem como noutros serviços públicos.
O único ano de alívio neste processo foi o ano de 2014 (antes destas eleições), em que o governo da direita grega parou a austeridade. Curiosamente, e como se verá à frente, essa suspensão da austeridade em 2014 produziu resultados positivos imediatos em todos os indicadores.
Esses cortes em salários e investimento público, associados à precarização do mercado de trabalho, que forçou à baixa dos salários, provocaram uma quebra sem precedentes da procura interna na Grécia. O Estado paga e investe menos e as pessoas consomem menos e, em consequência de tudo isso, o investimento privado também colapsou.
Entre os cortes no investimento público e a quebra do investimento privado, o investimento total desceu para metade do seu valor em 2009. Uma redução de 50% em 5 anos. De acordo, com os dados da AMECO (mais recentes), essa quebra ascende a 58% (43% no público, 65% no privado). As reformas estruturais que a Troika impôs para estimular o investimento privado falharam por completo.
O resultado destes desenvolvimentos foi uma recessão assustadora. O PIB real da Grécia caiu mais de 20% e só ensaiou uma ligeira recuperação em 2014, quando o governo de Samaras suspendeu a austeridade.
O desemprego na Grécia subiu para níveis nunca antes vistos, com o desemprego jovem a aproximar-se dos 60%. A previsão da Troika era muito mais optimista. Os peritos da troika asseguravam que as reformas no sentido da “flexibilização” do mercado de trabalho contribuiriam para a criação de emprego.
A quebra na actividade económica, rendimentos e consumo provocou uma redução a pique na receita pública, nomeadamente na receita fiscal, que comprometeu o esforço de ajustamento orçamental. Esta evolução ilustra bem porque é que uma recessão é sempre a pior forma de equilibrar as contas públicas.
A troika argumenta que, tendo falhado noutros indicadores, foi bem sucedida na “competitividade”, prevendo que a balança comercial da Grécia se torne excedentária em 2014. Isso é verdade, mas convém perceber porquê.
A retoma do comércio internacional a seguir à crise financeira significou um aumento generalizado das exportações e das importações em toda a zona Euro. No entanto, na Grécia, as exportações estão a crescer bem abaixo do ritmo médio da Zona Euro. Ou seja, o argumento de que as reformas estruturais tornaram a Grécia mais “competitiva” é falso.
A verdadeira explicação para o equilíbrio da balança comercial da Grécia está neste gráfico. Enquanto em quase toda a Zona Euro, as importações crescem, acompanhando o crescimento das exportações, na Grécia aconteceu rigorosamente o contrário. As importações diminuíram 20%, ao mesmo tempo que, no resto da Zona Euro, aumentaram quase na mesma proporção.
Ou seja, o segredo do equilíbrio da balança comercial está no empobrecimento da população grega, no aumento do desemprego e consequente redução do poder de compra. Isso significa que nenhum problema estrutural foi resolvido. Se a economia retomar e o desemprego voltar a diminuir, o défice comercial voltará também.
O resultado da recessão provocada pelo memorando é que a dívida grega, apesar de várias vagas de austeridade, subiu a pique, muito acima das previsões da troika. Na realidade, a diferença em relação às previsões (cerca de 30 pontos percentuais), só não é muito maior porque, em 2012, a Troika empreendeu uma reestruturação da dívida.
Nessa reestruturação, porém, a troika impôs um corte da ordem dos 75% aos privados, mas não tocou nos seus próprios empréstimos, diminuindo o impacto da operação nas contas públicas da Grécia. Além disso, a (pouca) folga orçamental obtida não foi utilizada para estimular a economia. Pelo contrário, a austeridade continuou e reforçou-se.
No entanto, esta reestruturação serve para provar que as instituições europeias não têm nenhum problema com reestruturações da dívida (nem mesmo com perdões parciais) desde que não sejam afectadas nos seus próprios empréstimos e desde que a política de austeridade não seja beliscada. Mostra também que sem mudança de política económica, uma reestruturação é inútil ou contra-producente.
O fracasso do programa de “ajustamento” da troika é de tal ordem que os anos da austeridade (2010, 2011 e 2013) são precisamente os anos em que a dívida pública mais aumentou na história recente da Grécia. Foram anos piores até do que os que se seguiram à crise financeira de 2007/2008. A redução de 2012, claramente insuficiente, deve-se à reestruturação parcial promovida pela troika sobre os credores privados.
Este é um pequeno retrato do que foi a “ajuda” à Grécia.
E para quem possa estar a pensar que tudo isto acontece porque os gregos são uns grandessíssimos preguiçosos, leia este post do Nuno Teles
Esta apresentação foi inteiramente elaborada com base em números do FMI e da Comissão Europeia, nomeadamente dos relatórios sobre os programas de ajustamento da Grécia, sob supervisão da Troika. Fontes aqui, aqui, aqui e aqui.