Vamos fazer o que ainda não foi feito?

Artigo de José Maria Castro Caldas.


Por caminhos de certo modo diferentes o Governo (Programa de Estabilidade) e o Partido Socialista (Uma Década de Estabilidade) chegam a um ponto semelhante: uma redução do défice e do rácio da dívida pública no PIB até 2019 que cumpre os requisitos dos tratados da União Europeia (e no caso do Governo, como é hábito, os promete ultrapassar, ver gráficos 1 e 2).

Gráfico 1

Gráfico 2

Isto é conseguido à custa de cenários que exibem em simultâneo saldos orçamentais primários (saldos orçamentais sem juros) e taxas de crescimento elevadas. Em ambos os casos o que nos é apresentado é uma aplicação da ideia de austeridade “inteligente”: austeridade porque envolve saldos orçamentais crescentes, “inteligente” porque supostamente compatível com o crescimento. Em ambos os casos esta combinação “virtuosa” de austeridade e crescimento parece fácil de conseguir e indolor. Mas será mesmo?

É certo que no contexto de incerteza que vivemos, o passado nos dá fracas indicações acerca do futuro, mas mesmo assim pode dizer-nos alguma coisa. Quantas vezes nos últimos 20 anos – em crescimento e recessão, com governos PSD/CDS e Governos PS – se obtiveram em Portugal combinações de crescimento e saldo primário iguais ou superiores às que são antecipadas pelo Governo e pelo PS para 2015 – 2019? Os gráficos 3 e 4, onde cada ponto representa a azul esse par de valores (saldo, crescimento) no período 1995 – 2014, e a vermelho os referidos pares, no período 2015 -2019, dá a resposta: nunca foi feito.

Gráfico 3

Gráfico 4

Será que podemos fazer o que ainda não foi feito? Certamente, mas não do modo que o Governo e o PS prometem. Não num país com uma das maiores dívidas externas do mundo e com uma dívida pública que consome ao orçamento 9 mil milhões de euros anuais.

Uma reestruturação, essa sim inteligente, da dívida permitiria aliviar a restrição orçamental não só para repor salários e pensões, mas para recuperar a administração pública da sangria de trabalhadores a que tem sido sujeita, estimular o investimento público e privado e criar emprego. A reestruturação permitiria respirar e crescer e até garantir um orçamento suficiente (isto é, não dependente do financiamento externo). Mas para isso era preciso um governo que não se limitasse a ir a Bruxelas, como o Governo tem feito e como o PS agora parece querer fazer, de braços caídos, conformado com o que parece ser uma armadilha de betão.