Artigo de Hugo Mendes
Quando o Partido Socialista pediu a realização de um estudo com um cenário macroeconómico para os próximos 4 anos partiu da constatação de um duplo problema:
(i) o problema de credibilidade das propostas políticas: depois do que se passou nas eleições de 2011, com a fraudulenta campanha montada pelo PSD, era essencial encontrar uma forma de credibilizar as propostas da governação para o país, e em particular, as propostas de política alternativa que o PS tem defendido. A apresentação de um documento de elevada exigência técnica como este honra a discussão pública e qualifica a democracia portuguesa.
(ii) o problema da crise profunda que o país atravessa: desde 2000, Portugal viveu duas vagas de ajustamento. A primeira resultou da criação do euro, do alargamento europeu a Leste e da entrada da China na economia global; e a segunda, da Grande Recessão de 2008-9, que o programa da troika reforçou em 2011. Hoje, apesar do fim da recessão técnica, a crise social e económica ainda se mantém, e este é o ponto de partida de qualquer futuro governo que queira arriscar tirar o país da estagnação.
Porém, não há risco politico sem controvérsia. Nas medidas avançadas no relatório, por exemplo, as alterações à TSU têm gerado amplo debate. Muitos, da esquerda à direita, discordam do uso da TSU para fins de política económica, e algumas das dúvidas serão legítimas face ao desenho concreto da proposta avançada.
Porém, a questão mais ampla a que temos de responder é esta: pode um país que não tem política monetária, não tem política cambial, não tem política aduaneira, quase não tem política industrial e cada vez tem menos espaço para política orçamental excluir definitivamente a TSU do leque de instrumentos de política económica? Pode um país dar-se ao luxo de recusar mobilizar a margem orçamental adicional que a TSU lhe confere para aumentar o rendimento dos trabalhadores numa economia com 14% de desemprego e que dificilmente terá aumentos salariais nos próximos anos? Ou para, no domínio laboral, combater a precariedade que marca a experiência dos mais jovens, penalizando os contratos a prazo em relação aos permanentes?
Não haverá espaço para qualquer estratégia de desenvolvimento se, face aos contrangimentos externos, decidirmos atar as nossas mãos. “Atar as mãos” da política é um velho projecto da direita – aliás traduzido nas novas regras orçamentais da UE. Porém, o argumento das “mãos atadas” também serve quem, à esquerda, defende que nada é possível fazer sem reestruturar a dívida e recuperar instrumentos de política, se necessário à custa de uma confrontação europeia.
Ora, a estratégia avançada neste relatório não é mais arriscada do que a proposta pelo PSD/CDS que, com cortes imediatos nas pensões a pagamento, desemprego acima dos 10% em 2019, e o contínuo enfraquecimento do Estado e da Segurança Social, pretende apenas gerir a estagnação. E dificilmente os riscos serão maiores dos que resultariam de um choque frontal com a UE, com efeitos previsíveis (veja-se o que aconteceu à estratégia do governo grego) e outros imprevisíveis, e portanto geradores de incerteza radical.
A atual arquitectura da zona euro coloca sérios entraves ao desenvolvimento dos países do Sul da Europa, mas a obrigação do PS, ao mesmo tempo que batalha na frente europeia para construir alianças que possam alterar as regras do jogo, é procurar uma estratégia nacional para fazer face à crise. Apesar do relatório apresentado ser um contributo fundamental, essa responsabilidade recai agora sobre o documento que representa o efectivo compromisso com os portugueses: o programa eleitoral do Partido Socialista.