Artigo de Gonçalo Rodrigues Brás.
As propostas de alteração ao Orçamento do Estado para 2018 de BE e do PCP, com vista ao aumento da derrama estadual que incide sobre empresas com lucros superiores a 35 milhões de euros/ano -, tiveram efetiva oposição dos partidos de direita com assento parlamentar (PSD e CDS-PP). Nesta matéria, em termos nacionais, é conhecida a aversão destes partidos à derrama estadual.
Porém, relativamente às taxas de derrama municipais (normal e reduzida), já é mais difícil de conhecer a posição destes partidos de direita. Esta parece ser ambivalente, volátil de município ante município, embora uma simples pesquisa a este propósito, num qualquer motor de busca na internet, revele a tendência dos referidos partidos de direita para a redução das taxas de derrama citadas. Num passado recente, é possível perceber junto de órgãos de comunicação social regional determinadas posições assumidas nalguns municípios.
Por exemplo, a posição do PSD no município de Santa Cruz (Madeira): “No que diz respeito à derrama, entendem os deputados municipais do PSD que a redução ou isenção constitui um fator de atratividade para a instalação de novas empresas e um estímulo à manutenção e à criação de emprego”(1). Ou a posição manifesta de um dirigente do CDS-PP em Oliveira do Bairro: “o [elevado] nível dos impostos propostos mantém-nos em desvantagem competitiva face aos concelhos vizinhos, e com os quais competimos diretamente pela atração de pessoas e empresas (…) há cada vez mais pessoas e empresas a terem em conta o nível dos impostos municipais quando decidem onde se localizar”(2). A seleção das posições supra dos dois principais partidos direita a este respeito prende-se, fundamentalmente, pela clareza e capacidade de síntese das mesmas, não faltando outros exemplos – até bem mais recentes! – que, inúmeras vezes, seguem em sentido similar.
Centremo-nos no que é comum às duas citações referidas: as empresas. A ideia de que uma diminuição da taxa municipal de derrama contribui para atrair empresas nos respetivos municípios está plasmada nas duas citações referidas e, conforme atrás relatado, parece ser uma tendência na posição dos partidos de direita nos diversos municípios. Esta é uma falácia enorme, na qual se ignoram diversos elementos de atratividade empresarial ao nível municipal e intermunicipal, os quais, invariavelmente, terão real impacto na decisão de localização empresarial.
Podemos elencar alguns fatores de índole regional/municipal que contribuem para tal, entre os quais: (i) a existência de massa crítica na região ou município, (ii) ao nível imobiliário, o preço médio por metro quadrado praticado na região ou município, (iii) a proximidade de ‘clusters’ já enraizados em determinados municípios ou regiões, (iv) o conjunto de infraestruturas de que dispõem os municípios ou regiões, (v) os recursos naturais endógenos de cada município ou região, (vi) o conjunto de acessibilidades e a eficácia da rede de transportes que servem os municípios ou regiões, (vii) a densidade populacional de cada município ou região, (viii) a capacidade empresarial e industrial instalada em cada município ou região, entre outros fatores passíveis de serem aqui referidos.
Dito isto, a obsessão dos partidos de direita pela diminuição da taxa de derrama municipal enquanto instrumento de atração empresarial é, no mínimo, paradoxal. Mas verifiquemos se os dados confirmam esta minha crítica efetuada a priori.
Analisemos então se a diminuição da taxa de derrama municipal (taxa normal) está associada ao aumento do número de novas empresas, à criação líquida de empresas ou ao valor acrescentado bruto (VAB) médio por empresa nos 308 municípios de Portugal. Tomando como referência o ano de 2015, último ano com dados públicos disponibilizados pelo INE para as variáveis empresariais citadas, passemos então à verificação da sua associação com a taxa de derrama a pagamento em 2015 (com incidência no lucro tributável de 2014).
Em primeira instância, verifiquemos se é conhecida a distribuição de cada uma das variáveis, designadamente se existe normalidade entre as variáveis referidas.
Não se verificando a normalidade das variáveis, é de excluir a medida de associação ró de Pearson, avançando para outras medidas de associação (ró de Spearman e tau b de Kendall).
Primeiramente, verifiquemos a potencial associação entre a taxa de derrama municipal (taxa normal), fixada a pagamento para 2015, e a constituição de novas empresas no ano de 2015.
Contrariamente ao que é tendencialmente apregoado pelos partidos de direita, com um nível de confiança de 99%, verifica-se uma associação direta (fraca) entre a taxa de derrama (normal) e a constituição de empresas em 2015. Ou seja, quanto maior a taxa de derrama (normal) praticada pelos diversos municípios, maior o número de empresas constituídas nesses municípios em 2015; o que subentenderá a existência de outros fatores de atração empresarial que decerto explicarão esta associação, que não propriamente a taxa de derrama (normal).
Passemos então à análise da associação entre a taxa de derrama municipal (taxa normal), fixada a pagamento para 2015, e a criação líquida de empresas no ano de 2015.
Também neste particular, uma vez que os resultados são exatamente contrários aos que usualmente apregoam PSD e CDS-PP, a narrativa dos dois partidos de direita cai por terra. Neste caso, com um nível de confiança de 99%, verifica-se uma associação direta (fraca) entre a taxa de derrama (normal) e a criação líquida de empresas em 2015. Ou seja, quanto maior a taxa de derrama (normal) praticada pelos municípios, maior a criação líquida de empresas nos respetivos municípios no ano de 2015; o que, sublinhemos novamente, subentenderá a existência de outros fatores de atração empresarial que decerto explicarão esta associação, que não propriamente a taxa de derrama (normal).
Por fim, verifiquemos se existe alguma associação entre a taxa de derrama municipal (taxa normal), fixada a pagamento para 2015, e a ‘criação de riqueza’ das empresas em 2015 (VAB médio).
Também neste pecúlio, os resultados contrariam a regular dialética dos partidos de direita no que concerne ao contributo da diminuição da taxa de derrama (normal) para reforçar a competitividade empresarial. Com um nível de confiança de 99%, os dados acima apresentados permitem concluir uma associação positiva (fraca) entre a taxa de derrama (normal) e o VAB médio por empresa em cada município (2015). Ou seja, quanto mais elevada a taxa de derrama (normal) praticada em cada município, maior a ‘criação de riqueza’ empresarial (média) nos respetivos municípios. Perante os dados obtidos, o que será de sublinhar é que não será uma taxa de derrama mais elevada em determinado município que limitará a ‘criação de riqueza’ empresarial.
Em jeito de conclusão, a derrama municipal per si não é um instrumento relevante para obstruir ou condicionar a atratividade empresarial nos diversos municípios portugueses. As associações constatadas serão decerto tacitamente explicadas por outros fatores de atratividade empresarial anteriormente referidos, que não a diminuição da taxa de derrama (normal). Isto é, potencialmente, municípios que detêm um forte conjunto de fatores de atratividade empresarial praticam a taxa de derrama municipal máxima (1,5% sobre o lucro tributável), pois, conforme constatado, não é a derrama municipal que constitui um obstáculo verosímil ao investimento empresarial. Aliás, a sua abolição ou redução contribuiria para o esvaziar de parte da receita municipal e consequente diminuição de recursos para eventuais iniciativas públicas em prol da comunidade local. No mais, recorde-se a redução da taxa de IRC de 25% para 21% em 2015 (taxa de imposto ainda em vigor), sendo que sobre as PMEs incide uma taxa de IRC de 17% (para os primeiros € 15.000 de matéria coletável) ou, no caso das PMEs que exercem atividade no interior, de 12,5% (para os primeiros € 15.000 de matéria coletável), relembrando ainda que mais de 99% do tecido empresarial português é composto por PMEs. Porventura, dada a retórica dos principais partidos de direita, talvez a estratégia a seguir seja do tipo ‘race to the bottom’ e passe por transformar Portugal num paraíso fiscal ou parafiscal.
Notas:
(1) In Diário de Notícias da Madeira, “PSD de Santa Cruz contra a derrama no município” Nov 14, 2015.
(2) In Jornal da Bairrada, “Câmara aprova descida do IMI e da derrama. CDS/PP abstém-se e queixa-se que é pouco” Nov 7, 2013 | Bairrada, Oliveira do Bairro.