O fim da linha para a zona euro?

Artigo de Ricardo Cabral.


Finalmente, após um longo período de estagnação, a zona euro está a crescer e os fantasmas da crise parecem pertencer ao passado. Mas, na realidade, sopram nuvens negras sobre o futuro da zona euro como se deduz das reformas propostas que estão em cima da mesa.

Donald Tusk, o polaco que é presidente do Conselho Europeu – conselho de chefes de Estado e de Governo da União Europeia – “deu um recado” sobre o que o Conselho Europeu espera do novo Presidente do Eurogrupo, Mário Centeno: dar prioridade à União Bancária e à transformação do Mecanismo de Estabilidade Europeu num Fundo Monetário Europeu que concederia empréstimos, com condicionalidade estrita, aos países em dificuldade. Tanto uma como outra dessas reformas são defendidas pela Alemanha.

As propostas de criação de uma capacidade orçamental comum e de alteração das regras do Tratado Orçamental – mais polémicas por enfrentar a resistência da Alemanha e por servirem melhor o interesse dos países devedores – ficariam para depois, segundo o presidente do Conselho Europeu.

Jens Weidmann, Presidente do Bundesbank e provável futuro presidente do BCE, num discurso no final de Novembro, foi claro sobre as reformas que entende necessárias para a zona euro, bem como sobre aquilo que considera as actuais “deficiências” da zona euro.

Numa analogia infeliz, compara a dívida com a pesca, considerando que da mesma forma que há pescadores que pescam a mais, com a dívida na zona euro, se nada for feito, haverá países (do sul) que se endividam a mais à custa dos restantes (do norte) e é necessário evitar isso.

Considera preocupante que os mercados não estejam a diferenciar o risco dos soberanos e que, por conseguinte, é necessário que a banca da zona euro trate de forma diferenciada a dívida de países soberanos, da mesma forma que ocorre com a dívida privada: dívida soberana de países com menor rating e maior risco deveria exigir mais capital bancário. Note-se que testes de stress à banca já impõem esta restrição pela porta dos fundos, mas é provável que tais exigências passem a entrar pela porta principal, no âmbito das novas reformas da União Bancária.

Não é coisa pequena. A banca de toda a zona euro passaria a ter um incentivo a aumentar as aquisições de dívida pública de países como a Alemanha e a reduzir as aquisições de dívida pública de países como Portugal e Itália. Este tipo de medidas, aparentemente inofensivas, pode bem levar os países do sul à bancarrota.

Weidmann refere ainda que a Comissão Europeia é demasiado política e que não foi capaz de aplicar as regras do Tratado Orçamental de forma objectiva. Defende, por isso, que as regras e sua implementação deveriam ser controladas por uma organização independente. Parece argumentar que deveria ser o Mecanismo Europeu de Estabilidade, futuro Fundo Monetário Europeu, o árbitro, o juiz e o executor das regras do Tratado Orçamental.

A transformação do Mecanismo Europeu de Estabilidade no Fundo Monetário Europeu (FME) suscita preocupações. Weidmann defendeu nessa intervenção uma proposta do Bundesbank, de acordo com a qual, se um país pedisse um resgate ao FME, este imporia a reestruturação da sua dívida soberana, através de uma extensão automática das maturidades, que poderia mais tarde ser seguida por redução da taxa de juro e/ou do capital em dívida. Ora, esse tipo de mecanismo de reestruturação de dívida soberana teria implicações no mercado de dívida de países devedores. E, não faz sentido que seja uma instituição (o FME), que representa os credores e que é ela própria credora, a definir os moldes da reestruturação de dívida de um país devedor.

Estas propostas, a serem implementadas, tornariam a zona euro, cada vez mais, num clube de credores. Mas sobretudo, tornariam a desintegração da zona euro cada vez mais provável e próxima…


Artigo publicado no blogue Tudo Menos Economia.