Artigo de Mariana Mortágua.
O que estava em causa era a votação de uma proposta do Bloco para criar uma contribuição de solidariedade, a incidir sobre os produtores de energias renováveis, altamente subsidiados por contratos e regras decididas no passado. São estas as regras que permitem à EDP Renováveis, uma das maiores beneficiárias, ter apenas 12% da sua atividade em Portugal, mas obter aqui 27% dos lucros. Feitas as contas, no total, se esta energia fosse vendida em Portugal ao preço médio que a EDP Renováveis pratica noutros países, e não ao preço subsidiado, os consumidores pagariam menos 400 milhões de euros ao ano. Era uma pequena parte deste sobrecusto que o Bloco de Esquerda propunha compensar com a criação de uma contribuição sobre estas empresas. O resultado seria a redução da dívida tarifária e, em consequência, da conta da luz, com benefícios óbvios para famílias e empresas.
Apesar da medida ter sido negociada com o Governo, e aprovada na especialidade na sexta-feira, o Partido Socialista avocou-a ontem a plenário e, na repetição da votação, alterou o seu voto, impedindo a contribuição de ver a luz do dia (CDS também votou contra e PSD absteve-se).
A alteração do sentido de voto do Partido Socialista é a prova da força do lobby da energia em Portugal. A mesma força que explica a criação das rendas e a incapacidade de qualquer governo, de PS, PSD ou CDS, para as enfrentar de forma definitiva. É o retrato de um poder político que cede perante a ameaça e força do poder económico, e que muitas vezes foi cúmplice desse mesmo poder. E é também o melhor argumento para explicar porque é que a EDP não deveria ter sido nunca privatizada.
O Bloco de Esquerda cumpriu o seu compromisso e levou a sua proposta até ao fim. Este processo é, só por si, muito revelador. Mas a verdade é que o país perdeu uma oportunidade única para combater os privilégios que há anos nos custam centenas de milhões de euros.
Artigo publicado no Jornal de Notícias.