A Sra. Vestager manda!

Artigo de Ricardo Cabral.


Desde há anos que não se vê da Direcção Geral da Concorrência (DGComp) acção, ou decisão, relativas a grandes interesses de Portugal, que não resulte: em perdas financeiras para contribuintes portugueses; muitas vezes para accionistas privados portugueses; destruição de emprego; e destruição da actividade económica no país.

Se a ideia subjacente a uma autoridade da concorrência europeia única, era assegurar uma melhoria da “governança” nos países membros e a aplicação de regras iguais para todos os países membros, o que se constata do funcionamento da DGComp em relação a Portugal é tudo menos isso. Os “grandes negócios” continuam com insuficiente escrutínio, só que de forma muito pior para o interesse público e nacional, porque na acção governativa, a principal restrição é a posição negocial intransigente e arbitrária da DGComp (e, também, do BCE) que leva a optar por soluções irracionais, como, literalmente, “dar” património dos portugueses a privados não residentes ou liquidar empresas e atividade económica viável. E, para a DGComp, “cada caso é um caso”, em que as regras são aplicadas de forma discricionária.

As afirmações da Comissária Vestager de que, se o Governo quer algo tem de estar preparado para dar algo em troca, são sintoma de uma organização em que a única variável relevante parece ser a negociação e o quid pro quo.

A privatização do Novo Banco, que o Governo se prepara para fazer até ao fim de Março, já era inaceitável, mesmo antes das novas exigências da DGComp. De facto:

– Choca que seja possível ao Governo vender, por zero euros, 75% de um banco com valor contabilístico de 5,6 mil milhões de euros, dando, ao que consta, mais 2,5 mil milhões de euros de garantias públicas (indirectamente?), as quais, provavelmente, utilizando as regras do BCE, o novo proprietário do Novo Banco poderá converter imediatamente em dinheiro;

– Choca ainda que a privatização do Novo Banco ocorra sem o visto prévio do Tribunal de Contas português e sem que a Assembleia da República se pronuncie.

Deixando de lado o desapontamento que resulta desta provável decisão sobre o Novo Banco, é importante reflectir no que se pode aprender deste caso, em particular, no que respeita às negociações com a DGComp e outras autoridades europeias.

A primeira observação é que a DGComp parece agir de forma similar ao FMI. Faz exigências, mas essas exigências aparecem posteriormente em compromissos assumidos pelo Governo português, como de iniciativa sua se tratasse. No concreto, recorde-se o compromisso do Ministro das Finanças de 18 de Julho de 2016 de liquidar o Novo Banco caso não fosse possível a venda. Segundo o Público, essa promessa já vinha do governo anterior. Sendo assim, é provável que este governo tenha “sentido” (ou tenha sido pressionado) que teria de manter a promessa. Alguém acredita que o Governo prometeu por sua iniciativa liquidar o Novo Banco caso não conseguisse vender o banco? Essa exigência não fará parte de uma jogada de ”poker” em que a DGComp concede em adiar o prazo de venda do Novo Banco por mais um ano, mas em troca o Governo tem de se comprometer a incluir esse compromisso de liquidação do banco, de forma a enfraquecer ainda mais a posição negocial do Governo português na futura iteração negocial?

A segunda observação é que o Governo português pode mudar de ideias: Governo e Comissão Europeia têm mudado de ideias, numerosas vezes no passado, em relação aos mais variados temas. Os compromissos devem ser alterados quando se constata que prejudicam o interesse nacional, ou tão simplesmente porque muda o Governo em resultado de processo eleitoral, como de facto ocorreu. O Governo português (o anterior e o actual) parece que desconhecia que a directiva europeia sobre resolução permitia a nacionalização e a recapitalização de bancos privados, desde que fossem impostas perdas de 8% dos activos a accionistas e credores. Só assim se explica o que ocorreu com o Banif, com a CGD, e com o que se prepara para ocorrer com o Novo Banco.

Terceiro, é necessário assegurar que a dinâmica de negociação com as instituições europeias seja alterada no futuro. Não parecem aceitáveis negociações de assuntos públicos em que cada ponto dos compromissos do Governo é previamente acordado, informalmente, com a Comissão Europeia, para assegurar que o compromisso assumido pelo Governo é posteriormente aceite. É, em meu entender, necessário que a Comissão Europeia formule as suas condições por escrito e as fundamente ex-ante e, do mesmo modo, que sejam formais as propostas do Governo à Comissão Europeia, mesmo sob o risco de rejeição. Dá mais trabalho e exige mais tempo, mas reforça a posição negocial do Governo.

Por último, o Governo deveria, entre outras medidas, solicitar uma investigação aprofundada à actuação da DGComp em relação a este tipo de processos.

Enfim, parece que o mais difícil mesmo é, primeiro, reconhecer os erros e, segundo, aprender com eles.


Publicado no blogue Tudo Menos Economia