Artigo de Paulo Coimbra.
Há um par de dias o Jornal de Negócios noticiava que “BCE quer ultimato a Portugal: mais reformas ou sanções“.
Já os gigantescos superávites da balança corrente alemã, apesar de não respeitarem as regras, não são considerados desequilíbrios excessivos, nem pela Comissão, nem pelo BCE. É assim a Europa realmente existente.
Regras que, atente-se, só podem ter sido desenhadas por uma imposta preferência alemã: se os superávites da balança corrente de uns constituem, por definição, os défices dos outros, qual é a razão económica para proibir défices superiores a 4% e permitir superávites até 6%?
E, não, os superávites externos alemães não resultam de acréscimos na produtividade do trabalho não registados noutros países.
A acumulação de superávites externos resulta, antes de tudo o mais, de um euro distópico – a razão maior de todos os desequilíbrios macroeconómicos na Europa da moeda única.
(Actualização de 24 Março 2017: dados até 2016 disponíveis aqui)
Uma distopia que permite que o trabalho seja encarado como mera mercadoria e usado em políticas de desvalorização interna competitiva, leia-se repressão salarial, instrumento de manipulação das taxas de câmbio efetivas reais, que cavam um fosso entre países credores e devedores.
Como o BCE vem agora recordar, numa zona euro com estas características, a corrida para o fundo dos salários e da provisão pública nunca é suficiente. É que toda a poupança nacional será sempre escassa para alimentar a grande contradição neomercantil do capital alemão: manter elevados superávites externos e recusar-se a financiar os défices simétricos que aqueles provocam.
Assim, a escolha, não sendo fácil, parece cada vez mais óbvia. Ou os países deficitários da zona euro, Portugal incluído, correm os riscos necessários para se livrarem desta armadilha, ou se resignam ao estatuto de colónias obedientes onde o trabalho tem o preço da uva mijona e os serviços públicos são limitados ao mínimo assistencialista. Como vai ser?
Publicado no blogue Ladrões de Bicicletas