Artigo de Adelino Fortunato.
Em toda a Europa, a relevância das Energias Renováveis (mini-hídrica, eólica, solar, biomassa, ondas e marés, geotermia) vem sendo desafiada por críticas que apontam para elevados custos suportados pelos consumidores para viabilizar a sua existência no confronto com as tecnologias convencionais (nuclear, carvão, gás natural, petróleo). O fundamento destas críticas encontra-se ligado ao esquema mais praticado de subsidiação dos produtores de Energias Renováveis, a Feed-in Tariff (FIT), que garante uma remuneração fixa, por vezes muito acima do preço praticado no mercado grossista de energia elétrica.
Em Portugal, por exemplo, o subsídio direto constrói-se somando todos os custos evitados por montantes equivalentes de instalação de potência em energias convencionais, custos de investimento, operacionais, ambientais e de perdas na rede, assegurando uma remuneração fixa sempre acima do preço de mercado. Mas, para além disto, a energia produzida pelas renováveis entra na rede de transporte e distribuição antes de todas as outras, isto é, as suas vendas estão garantidas ao preço com subsídio. Esta dupla proteção e aquele diferencial entre preço de mercado e tarifa subsidiada originam custos suportados pelo sistema energético e pelos consumidores que não são visíveis na taxa de remuneração do investimento realizado pelos produtores de renováveis.
Isto acontece porque os lucros das renováveis resultam da aplicação de uma taxa de remuneração sobre o capital investido, que pode não ser excessivamente alta em comparação com a taxa de remuneração de outros investimentos em energias convencionais. Mas os custos suportados pelo sistema energético com as renováveis não ficam por aqui: eles estendem-se sempre à compensação, por intermédio da subida da fatura paga pelos consumidores, do diferencial entre preço grossista e preço subsidiado.
O apoio e a proteção das renováveis faz todo o sentido, desde logo por que elas têm efeitos positivos em termos de emissões de CO2 e de importações de combustíveis fósseis evitadas, de soberania energética e da balança comercial, e porque aumentam a oferta de energia contribuindo para baixar o seu preço. Mas também por que, nalguns casos, as tecnologias a elas associadas ainda são experimentais e precisam de tempo para gerar a aprendizagem e a experiência que permitem atenuar o risco e os custos de financiamento do investimento. Neste sentido tratam-se de um exemplo típico de “indústrias nascentes”, que devem ser protegidas de acordo com bons argumentos da teoria económica.
Mas esse apoio não deve implicar custos excessivos para a generalidade da população, nomeadamente para os mais pobres, os verdadeiros beneficiários de qualquer medida de política energética ou de política industrial. E a proteção deve ser temporária, vigorando apenas enquanto os fundamentos inovadores o justificam. Por isto, precisamos de uma proposta equilibrada, que assegure a transição para um novo paradigma energético com as renováveis, mas que evite a apropriação sistemática de rendas (rent seeking) por grupos privilegiados da população, que usam a sua influência junto do poder político para construir impérios económicos e financeiros inatacáveis.
AUMENTAR A EFICIÊNCIA DO APOIO ÀS RENOVÁVEIS
Depois de um investimento substancial em toda a Europa promovido pelo uso das FIT, começa a ser discutida a hipótese de mudar o modelo de apoio às renováveis, discriminando entre tecnologias e tornando-o mais eficiente e menos caro para os consumidores. Portugal não poderá escapar a esta discussão, num momento em que as renováveis já representam cerca de 50% da energia elétrica consumida e quando os sobrecustos associados à sua implantação representam a maioria dos Custos de Interesse Económico Geral (CIEG).
Existem várias hipóteses e os argumentos a favor de uma ou outras modalidades são por vezes controversos. Uma delas em discussão é a promoção de um esquema de subsidiação indexado ao preço do mercado grossista, constituído por um subsídio que se adiciona a este último. Este prémio pode ser fixo ou variável, neste último caso com um mínimo (floor), quando o preço do mercado sobe, e um máximo (cap) no caso inverso. Chama-se a isto Feed-in-Premia (FIP). No mesmo sentido vai o esquema de Feed-in Tariff Contracts for difference (FIT Cfd), sistema semi-variável baseado num valor fixo mínimo de tarifa subsidiada, que dará lugar a uma compensação no caso de o preço ficar abaixo da tarifa, e a uma acumulação do excedente quando o preço grossista ficar acima da tarifa mínima. A vantagem é aumentar a sensibilidade dos produtores para o que se passa no mercado grossista, para além de poder ser menos dispendiosa para o sistema.
Uma segunda hipótese é a promoção de um esquema de leilões de instalação de potência de energias renováveis, estimulando o confronto entre diferentes projetos de investimento de forma a aumentar a eficiência e a limitar o montante de subsídio concedido. É uma modalidade que já vigora nalguns países e que acaba de ser adotada pela Alemanha (8 de Junho de 2016) na revisão que fez do Renewable Energy Sources Act (EEG) acabando com as FIT.
Numa outra possibilidade compatível com o atual esquema remuneratório, os subsídios a atribuir a novos projetos deveriam em cada ano ser redefinidos de forma automática, por intermédio de uma taxa de regressão específica por tecnologia, definida em função da respetiva curva de aprendizagem. Isto é, à medida que as tecnologias se vão banalizando e que o financiamento do investimento fica menos caro, o mecanismo de subsidiação deve acomodar essas alterações e tornar-se menos caro.
Finalmente, as tecnologias menos maduras (eólica offshore, tecnologia floating, geotermia de baixa entalpia, energia das ondas e marés) poderiam ser subsidiadas por projetos de Investigação &Desenvolvimento piloto, com o objetivo de as tornar mais fiáveis e acessíveis, em vez das FIT.
APROVEITAR A POUPANÇA GERADA PELAS RENOVÁVEIS
Se é certo que as renováveis envolvem custos suportados e justificados em termos sociais, também é verdade que elas suscitam ganhos para além daqueles que apontámos atrás. Como o custo marginal de produção da maioria das renováveis é muito baixo (tende para zero por não fazer uso de combustíveis), a entrada destas fontes de energia no mercado grossista contribui para baixar o seu preço. É o resultado do Efeito Ordem de Mérito, que promove as tecnologias relativamente mais eficientes em detrimento das convencionais. Por sua vez o aumento da oferta de energia, que decorre da entrada em funcionamento das centrais produtoras das renováveis, reforça a pressão para a baixa do preço de mercado gerando uma poupança.
Este efeito-poupança é importante, porque se ele for exatamente igual ao custo socialmente suportado com a subsidiação das renováveis, este custo será neutro do ponto de vista dos consumidores. Isto é, não será necessário sobrecarregar as tarifas pagas pelos consumidores para acomodar uma política de promoção de novas fontes de energia com efeitos desejáveis no quadro da transição para um novo paradigma.
CONCLUSÕES
Tudo o que foi dito anteriormente permite obter uma primeira conclusão. Do meu ponto de vista o apoio às renováveis justifica-se e não deverá ser posto em causa. A dúvida a esclarecer é, qual o melhor instrumento para o executar na atual fase de desenvolvimento destas novas fontes de energia e qual a dimensão desse apoio
Quanto a este último aspeto conclui-se o seguinte.
É preciso repensar o esquema de apoio que atualmente vigora em Portugal, seja ajustando-o com pequenas modificações, seja revendo-o a favor de modalidades mais eficientes e menos caras de promoção das renováveis. A FIT correspondeu a uma fase de penetração das renováveis que parece estar conseguida, a consolidação dessa penetração pode fazer-se também com recurso a outras modalidades de apoio.
Em segundo lugar, é preciso saber quanto deve gastar o sistema energético (isto é a fatura paga pelos consumidores) em subsídio aos produtores de renováveis. O método baseado no Efeito Ordem de Mérito permitiria definir esse montante máximo global de subsídio tornando-o socialmente aceitável.