O Senhor Não? Ou… o Senhor Fim?

Artigo de Ricardo Cabral.


Está para breve uma das mais importantes decisões europeias dos últimos anos. Não, não se trata de mais uma decisão sobre o “Brexit”. É a escolha e posterior nomeação do próximo presidente do BCE.

O Conselho Europeu (chefes de Estado e de Governo) espera pela conclusão das eleições para o Parlamento Europeu a 26 de Maio para se debruçar sobre a escolha do próximo presidente do BCE, dado que o mandato de oito anos de Mario Draghi chega ao fim em Outubro deste ano.

Se o Euro existe hoje, deve-o a Mario Draghi, à sua promessa de Julho de 2012 de fazer “tudo o que fosse necessário” para salvar o Euro e ao programa de expansão quantitativa que o BCE posteriormente empreendeu. A acção do BCE foi determinante para tirar a Zona Euro da recessão, conduzindo a 23 trimestres consecutivos de crescimento económico e ao reequilíbrio das contas públicas dos Estados-membros, ao baixar as taxas de juro das dívidas públicas para os mais baixos níveis de sempre.

Jens Weidmann ambiciona tornar-se no próximo presidente do BCE

Vários artigos recentes, por exemplo, no Sueddeutsche Zeitung da Baviera, na Bloomberg e na Foreign Policy, sugerem que Weidmann continua a manobrar para o posto.

A ascensão de Jens Weidmann a um lugar cimeiro na esfera dos decisores europeus deve-se sobretudo a Angela Merkel. Jens Weidmann foi seu conselheiro e economista chefe. Seguiu uma carreira eminentemente política, mais do que técnica, e não possuía experiência em política monetária. Por conseguinte, foi surpreendente a sua escolha para presidir ao Bundesbank. Foi recentemente nomeado por Merkel para um segundo mandato.

É, em parte, uma surpresa que o nome de Weidmann surja de novo à liça. A proposta parecia ter desaparecido dos radares porque Angela Merkel pretenderia colocar um político alemão, Manfred Weber da CSU, na presidência da Comissão Europeia, após o fim do mandato de Jean-Claude Juncker. E Jens Weidmann teria cometido vários erros no seu percurso, como abaixo se refere.

Herr Nein, que votando de vencido queria prevalecer a todo o custo

Jens Weidmann tornou-se publicamente conhecido por ter votado sozinho no Conselho do BCE contra o programa OMT (Outright Monetary Transactions), anunciado a 2 de Agosto de 2012, na sequência da referida frase de Mario Draghi. O OMT era o sinal de que o BCE se empenharia em salvar o Euro utilizando todas as ferramentas ao seu dispor e, note-se, é um programa que nem chegou a ser utilizado até à data. Foi a partir de Julho/Agosto de 2012 que as taxas de juro da dívida soberana dos países periféricos começaram finalmente a cair.

Em 2013, Jens Weidmann aceitou testemunhar contra o programa OMT perante o Tribunal Constitucional da Alemanha (TCA). Em contraste, o próprio Schäuble e o Governo alemão defenderam que o OMT estaria no âmbito das competências do BCE. Esse tribunal reencaminhou duas das questões para o Tribunal Europeu que, a 15 de Junho de 2015, determinou que o programa OMT estaria dentro das prerrogativas da política monetária. Em consequência, o TCA deliberou contra os mais de 35.000 autores desse processo (e contra a tese defendida por Weidmann), prevalecendo a posição do BCE.

Mas não deixa de ser caricato que, pertencendo ao Conselho do BCE e tendo votado vencido sobre o programa OMT neste órgão colegial, com todos os outros membros do Conselho do BCE a votar a favor, Jens Weidmann aceite depois testemunhar contra o programa num processo do Tribunal Constitucional da Alemanha.

É certo que Jens Weidmann terá considerado demitir-se na altura. E também é certo que, para se demitir do Conselho do BCE, teria de se demitir da presidência do Bundesbank. Mas se está nesse Conselho, e perde a votação de forma tão expressiva, não deveria posteriormente apoiar processos judiciais que visam contrariar a decisão desse órgão colegial.

Na altura em que Mario Draghi defendia que o BCE tudo faria para salvar o Euro, Jens Weidmann atacava o programa OMT do próprio BCE e defendia teses estranhas contra a criação de papel moeda, lembrando que numa obra de Goethe uma criatura satânica defendia a criação de moeda. Em 2015, votou contra o programa de compra de dívida pública do BCE.

A sua oposição a quase todas as medidas empreendidas quase por consenso pelo Conselho do BCE era tal que Mario Draghi terá argumentado que Weidmann seria “não a tudo” (Nein zum allem), tendo Weidmann passado a ser designado com frequência nos meios de comunicação social por “Herr Nein”, que em alemão significa o “Senhor Não”.

Schäuble dá um conselho avisado a Weidmann

Em 2013, Schäuble, reconhecendo em Weidmann uma pessoa mais teimosa do que ele próprio se considera, terá recorrido ao latim, dizendo-lhe “Respice Finem!”, ou seja, “considera o objectivo final!”, como que a alertar Weidmann que se o seu objectivo era ser presidente do BCE, não poderia defender apenas posições radicais e estar sempre contra todos os outros membros do Conselho do BCE e Estados-membros.

O aviso de Schäuble não terá surtido efeito até 2015, pelo menos. Após essa data, Weidmann tem continuado a defender posições radicais e insustentáveis, como, por exemplo, quando argumenta que os bancos centrais nacionais deveriam entregar colateral (como as reservas de ouro) para garantir os seus passivos junto do sistema de pagamentos TARGET2 da Zona Euro, sistema esse que é a “cola” que mantém o Euro como moeda única. Mas posteriormente “suavizou” a sua posição q.b., parecendo defender que o programa de expansão quantitativa do BCE teria sido positivo mas que seria necessário proceder o quanto antes à “normalização” da política monetária, leia-se, tornar a política monetária mais restritiva.

O ministro das Finanças da Itália recentemente referiu que não se oporia (com um veto) à escolha de Weidmann para essa posição. Pelo que Weidmann parece actualmente o candidato mais forte à presidência do BCE. A principal oposição parece vir agora do ministro das Finanças de França que, contudo, deverá traduzir mera estratégia negocial.

O homem mais perigoso da Europa…

…seria Jens Weidmann, segundo Simon Tilford num artigo na revista norte-americana Foreign Policy, porque, argumenta, um economista que defendeu as posições que adoptou no passado, muito nacionalistas e radicais, e que não é brilhante nem especialista em política monetária, seria um presidente perigoso para a principal instituição que neste momento assegura a continuidade do Euro.

O senhor fim do Euro?

Muitos decisores, particularmente no norte da Europa, acreditam que a crise do Euro foi definitivamente ultrapassada e que as regras e as instituições, entretanto criadas, reforçaram a robustez da Zona Euro.

No entanto, essa não se afigura a perspectiva mais correcta.

As reformas de 2012-2014, nomeadamente, as regras orçamentais mais apertadas (“o espartilho orçamental”) e a União Bancária, criaram um colete de forças muito mais forte, com muito mais proibições e restrições do que as que existiam no passado. Acresce que o legado da crise do Euro ainda persiste, na forma de muito mais elevados níveis de dívida pública e externa de alguns Estados-membros, embora contrabalançado pela actual melhor posição orçamental e externa desses Estados.

Quando o sistema se torna demasiado rígido e inflexível, tensões muito grandes resultam não em acomodação ou adaptação mas em rupturas profundas. E as regras da Zona Euro nunca foram tão rígidas como na actualidade.

Por conseguinte, não será Weidmann o “elefante na loja de porcelana” que precipitará o fim do Euro?

Porventura, a prever isso, Angela Merkel não arriscará…


Artigo publicado no Público.