Artigo de Mariana Mortágua.
Através da Lei 61/2014, PSD e CDS capitalizaram os maiores bancos e deixaram uma fatura de 3800 milhões de euros que será cobrada em nada suaves prestações anuais, sob a forma de descontos no IRC ou de injeções de capital.
Segundo as regras portuguesas, os bancos podem registar todas as suas perdas com créditos na contabilidade, mas essas perdas são aceites para efeitos fiscais de forma gradual. Ou seja, o lucro contabilístico pode ser inferior ao lucro fiscal (sobre o qual incide a taxa de IRC), e essa diferença dá lugar à criação de um ativo por imposto diferido (AID), que será deduzido ao IRC futuro quando a imparidade for aceite na totalidade.
Durante a crise os bancos registaram biliões de perdas contabilísticas que não foram totalmente refletidas no seu lucro fiscal, que já era negativo de qualquer forma. Não estavam a pagar IRC, porque não tinham lucros, mas estavam a acumular direitos a deduzir perdas no IRC futuro.
Estes direitos a não pagar IRC futuro (AID) estavam a ser contabilizados no capital dos bancos. Em 2014, novas regras europeias ditaram que os AID não podiam contar para capital porque não serve de nada acumular deduções aos impostos futuros se não se antevê lucros que gerem esses impostos em tempo útil.
O Governo PSD/CDS resolveu o problema transformando estes direitos de dedução futura em verdadeiros direitos sobre o Estado:
– As imparidades passaram a poder ser deduzidas aos impostos para sempre, sem prazo de validade e em qualquer momento;
– Se tiverem prejuízo, os bancos podem, mediante certas regras, pedir que o Estado converta os AID em dinheiro vivo;
– Se o banco falir, o Estado é chamado a entrar com o montante de AID.
Em suma, os bancos não pagaram IRC durante a crise, porque não tiveram lucros, mas as perdas geradas podem ser abatidas ao IRC futuro para sempre, ou convertidas em dinheiro. No entretanto, entram para os rácios de capital.
Em 2016, este regime foi suspenso, mas o Governo não resolveu o problema do stock de AID que vale 3800 milhões de euros.
Há, no entanto, uma forma de lidar com esse stock, que foi adotada em Itália e Espanha. Sem pôr em causa os rácios dos bancos, garante-se que o Estado recebe uma remuneração pelo risco que assume – uma contribuição de 1,5% sobre o stock de AID existente, com uma receita aproximada de 50 milhões de euros.
Não compensa totalmente o risco nem os impostos perdidos, mas é o mínimo que se pode exigir a uma Banca que volta alegremente aos lucros depois de todo o dano material que causou e ainda vai causar às contas públicas. Um mínimo de decência em relação ao regime de absoluta exceção e privilégio em que vivem os bancos.
Artigo publicado no Jornal de Notícias.