Artigo de Ricardo Cabral.
De acordo com o INE, o défice público de 2018 foi de 0,453% do PIB, i.e., de 0,5% do PIB.
A UTAO estima que sem medidas extraordinárias o saldo orçamental de 2018 seria nulo.
É ainda provável que o INE venha a rever em Setembro o défice em ligeira baixa, quedando-se oficialmente nos 0,4% do PIB, o que, excluindo as medidas extraordinárias se traduziria num ligeiro excedente orçamental em 2018.
O desiderato do país, há duas décadas obcecado pelo controlo dos sempre elevados défices públicos, foi atingido em 2018, excluindo medidas extraordinárias.
No entanto, oficialmente, só em 2019 o país registará um saldo orçamental ligeiramente excedentário. Um resultado sem dúvida histórico. A última vez que o país registou um excedente orçamental foi em 1973!
Riscos para a execução orçamental em 2019?
Em 2017, a economia cresceu 4,4% em termos nominais e o défice, excluindo recapitalização da CGD, reduziu-se de 2% do PIB em 2016 para 0,9% do PIB em 2017 (1,1 pontos percentuais ou p.p.). Em 2018, a economia cresceu 3,6% em termos nominais e o saldo orçamental, excluindo medidas extraordinárias, melhorou 1 p.p. em relação a 2017, quando o Governo previa uma melhoria de 0,6 p.p. do saldo orçamental nesse período.
O Orçamento do Estado de 2019 (OE2019) é novamente muito prudente. É certo, o Governo estima um crescimento nominal de 3,6% da economia, estimativa que poderá suscitar dúvidas dada a envolvente externa menos favorável. Mas o Governo antecipa apenas uma melhoria de 0,5 p.p. do saldo orçamental: de 0,7% do PIB em 2018 para 0,2% do PIB em 2019 (ambos incluindo medidas extraordinárias).
O ponto de partida em 2019 será três décimas mais baixo que o anteriormente estimado pelo Governo (o referido défice de 0,4% do PIB em 2018). Assim, no Programa de Estabilidade 2019-2023, a divulgar em Abril, o Governo deveria corrigir a sua estimativa do saldo orçamental de 2019 para +0,1% do PIB (+ 0,1% = -0,4% + (0,7%-0,2%)).
Acresce que se a economia crescesse de facto os referidos 3,6% em termos nominais como previsto no OE2019, a melhoria do saldo orçamental entre 2018 e 2019 deveria ser próxima de 1 p.p. e não de 0,5 p.p. como estimado pelo Governo no OE2019, uma vez que os elementos fundamentais da despesa pública, nomeadamente despesa com pessoal e a despesa com pensões, continuam em 2019 sob forte controlo, e a despesa com juros e com subsídios de desemprego está a cair mais rapidamente do que antecipado pelo Governo.
Ou seja, novo desvio favorável na execução orçamental de 2019?
É muito provável que aconteça, mesmo que as taxas de crescimento económico da economia mundial e da economia portuguesa abrandem. Aliás, a execução das contas públicas em contabilidade pública nos primeiros dois meses do ano foi excelente, com a receita fiscal a crescer 13% e a receita corrente a crescer 10,5%. O saldo primário (antes da despesa com juros) foi de 2,8 mil milhões de euros, i.e., 1,4% do PIB).
O Ministro das Finanças referiu que em 2019 Portugal já cumprirá o objectivo para o saldo estrutural de médio prazo (OMT), que a Comissão Europeia reviu em baixa de 0,25% para 0% do PIB.
Ou seja, Portugal passará a cumprir em 2019 todas as regras orçamentais da Zona Euro, que como já aqui se referiu, se traduzem em seis restrições principais à despesa e ao défice e que implementam o que, na prática, se pode considerar uma emenda para-constitucional de obrigando a contas públicas (sempre) equilibradas.
Por conseguinte, o OE2020 será o primeiro em que não existe um colete de forças a obrigar a melhorias do saldo estrutural e em que não existem restrições à taxa de aumento da despesa pública. Governo algum nos últimos anos teve tais liberdades… e tal nível de opções no campo da política orçamental. Claro que esta “liberdade” continua cerceada: o saldo estrutural tem de continuar a ser melhor do que 0% do PIB.
Mas, significa que, pela primeira vez desde há muito, o Governo pode adoptar uma política orçamental expansionista (ou menos restritiva) no OE2020 e simultaneamente cumprir todas as regras orçamentais europeias.
Tal não deixará de colocar pressão sob a “geringonça” já este ano durante a elaboração do OE2020, uma vez que Mário Centeno deixará de poder alegar o cumprimento das regras orçamentais europeias para impedir PCP e BE de pretenderem aumentar mais a despesa e o investimento público.
Colocam-se agora duas questões sobre a estratégia orçamental
1- Qual o objectivo da política orçamental nacional, agora que as regras orçamentais da Zona Euro são integralmente cumpridas?
Parece óbvia a resposta a esta questão: o objectivo continuará a ser o mesmo. O Governo continua obcecado com o seu Adamastor – mesmo que défices orçamentais se transformem em excedentes, estes nunca serão suficientes.
A prioridade dada ao combate ao défice público nas últimas décadas, tal como os eucaliptos que povoam as florestas nacionais, parece ter criado um deserto à sua volta. Será que um governo com margem orçamental carece de ideias sobre como utilizá-la para promover o desenvolvimento do país?
2- Faz sentido continuar a subestimar a evolução do défice orçamental nas propostas de Orçamento do Estado de forma a posteriormente registar desvios favoráveis?
Não é a percepção e credibilidade do Ministro das Finanças ou do Governo que são prioritárias. Estas, aliás, não ficariam em causa por desvios de algumas décimas em relação aos objectivos.
O fundamental é que se evite apresentar Orçamentos do Estado com almofadas e reservas em excesso. Por um lado, porque esse documento deixa de reflectir a realidade, passando a ser um guião com estatísticas para “inglês ver” e, por outro lado, porque se perde uma oportunidade para utilizar essa margem orçamental que tem existido para promover o crescimento económico mais rápido do país, que seria acompanhado de uma redução mais rápida dos rácios de dívida em relação ao PIB.
E, como se sabe, a condição fundamental para a melhoria da vida dos portugueses é o crescimento económico.
Dobramos o Cabo das Tormentas?
Em Abril, com a publicação do Programa de Estabilidade para 2019-2023, ficaremos a conhecer a estratégia do actual Governo para a próxima legislatura. Ir para além das regras orçamentais europeias, registando excedentes orçamentais recorrentes; ou ignorar finalmente o Gigante Adamastor do défice e definir uma política orçamental mais adequada ao desenvolvimento do país.
Artigo publicado no Público.