Sobre o ensino de Economia em Portugal

Artigo de Vicente Ferreira.


No início do mês passado, em entrevista que pode ser lida aqui, o então presidente do ISEG, Manuel Mira Godinho, defendeu que “o ISEG é reconhecido por ser uma escola onde se combinam diferentes abordagens metodológicas e doutrinárias”. No que ao ensino de Economia diz respeito, a afirmação é manifestamente exagerada. Na verdade, o ISEG segue a tendência curricular verificada no meio académico um pouco por toda a parte, que em nada se aproxima de uma abordagem pluralista da disciplina. Importa, por isso, desmontar alguns equívocos em torno desta questão. É esse o tema do presente texto.

Um oportuno estudo realizado em 2015 pelo Coletivo Economia Sem Muros, grupo de estudantes da Universidade Nova de Lisboa que recolheu dados referentes à licenciatura em Economia nas várias faculdades do país, revela um panorama nacional bem menos pluralista e abrangente do que o acima descrito.

Por um lado, encontramos uma presença reduzida de cadeiras acerca de realidades económicas concretas, grupo nas quais se incluem cadeiras como História Económica ou Economia do Desenvolvimento.

Este conjunto de cadeiras representa apenas 6,2% do total de créditos das licenciaturas analisadas, como nos mostra o gráfico. Se este peso relativo parece pequeno, olhemos para o espaço concedido a cadeiras de História do Pensamento Económico: menos de 1% do total de créditos da licenciatura.

Na verdade, no ISEG a cadeira nem sequer figura do plano de estudos da licenciatura. Podemos conceber uma disciplina em que se “combinam diferentes abordagens metodológicas e doutrinárias”, sem no entanto se estudar a história da disciplina e das diferentes abordagens?

Um terceiro aspeto relevante é a desproporção do peso atribuído a métodos quantitativos (nos quais se incluem cadeiras de Cálculo, Álgebra ou Estatística), em comparação com o gráfico anterior – estes métodos ocupam um quinto da licenciatura.

Mais difícil de compreender é o peso atribuído a cadeiras relacionadas com técnicas de gestão (Gestão, Marketing, Contabilidade, Empreendedorismo, entre outras).

Os números apresentados pelo estudo deste Coletivo são, por isso, pouco animadores. No entanto, os problemas do ensino de Economia na licenciatura não se resumem a uma questão de espaço das diferentes cadeiras no plano de estudos.
Precisamos também de olhar para o conteúdo e o método de ensino das principais cadeiras de teoria económica (Macroeconomia, Microeconomia, Teoria Monetária, entre outras). Um exercício simples de análise dos principais manuais utilizados como bibliografia destas cadeiras (os exemplos mais comuns são os manuais Economics, de Paul Krugman e Robin Wells; Macroeconomics: A European Perspective, de Olivier Blanchard, Alessia Amighini e Francesco Giavazzi; ou Intermediate Microeconomics, de Hal Varian) revela o estado do ensino da teoria económica – nestas cadeiras, apenas é lecionada aquela que podemos considerar a herança da síntese neoclássica e neo-keynesiana, dominante na disciplina.

Ora, não é necessário explicar aos leitores e às leitoras que esta é apenas uma das correntes de pensamento que constituem a Economia enquanto ciência social plural. Os estudantes de Economia podem completar a sua licenciatura sem nunca terem sido expostos a outras correntes de pensamento (dos austríacos aos pós-keynesianos, institucionalistas ou marxistas, passando pela abordagem neo schumpeteriana da complexidade ou mesmo por ramos disciplinares que têm conquistado maior destaque no meio académico, como a abordagem comportamental). A falta de confronto entre teorias faz com que a que é lecionada seja aceite de forma acrítica como versão única e definitiva da teoria – “a Economia”.

A afirmação inicial de Mira Godinho é, por isso, exagerada – o ensino de Economia no ISEG, bem como nas restantes faculdade do país, tem-se tornado cada vez menos pluralista e completo, abdicando do conflito científico para dar lugar a um certo conformismo com o pensamento dominante. É difícil conceber que um ensino desta natureza promova a reflexão crítica que se pretende de estudantes universitários.

Embora o ensino de Economia revele manifestos problemas estruturais, a verdade é que estes têm sido alvo de pouca (ou nenhuma) preocupação por parte da maioria do corpo docente. A criação de dois núcleos de estudantes que contestam o monolitismo dos atuais planos de estudos (o Coletivo Economia Sem Muros, na Universidade Nova de Lisboa, e o Colectivo Economia Plural, no ISEG) veio exigir alguma atenção a esta questão, embora o movimento estudantil não seja ainda suficiente para concretizar uma reforma necessária do currículo das licenciaturas. Podemos ainda registar iniciativas como as que têm sido organizadas pelo Grupo Economia e Sociedade, ou por alguns docentes do ISCTE (ver aqui), que têm contribuído para a promoção do debate sobre os problemas do ensino de Economia.

Este é um debate que devemos promover com empenho – afinal, a profissão é demasiado influente para que possamos aceitar uma formação académica tão incompleta como a atual.


Artigo publicado no blogue Ladrões de Bicicletas.