A diminuição dos custos do trabalho, o aumento da produtividade em Portugal e na União Europeia, e o agravamento da desigualdade na repartição da riqueza

Artigo de Eugénio Rosa.


Numa altura em que a UGT, patrões e governo se uniram na concertação social para impedir qualquer alteração importante do Código de Trabalho que permitisse uma recuperação dos rendimentos dos trabalhadores portugueses através de alterações importantes nas leis do Trabalho, como eram a introdução do principio do tratamento mais favorável que até existia antes do 25 de Abril e que impedia que nos contratos individuais de trabalho se estabelecessem condições piores das que constam na própria lei; o fim da caducidade automática dos Contratos Coletivos de Trabalho que tem permitido a chantagem das associações patronais visando obrigar os sindicatos a aceitar condições menos dignas de trabalho e de remunerações; a redução da precariedade que cresceu  muitos nos últimos anos, o que permite a sobre-exploração dos trabalhadores com contratos precários; repetindo, face a tal acordo UGT/Patrões/Governo, interessa analisar como tem evoluído os custos do trabalho e, associado a estes, as remunerações, e como essa variação tem contribuído para agravar as desigualdades na repartição da riqueza criada em Portugal.

A VARIAÇÃO DO CUSTO HORA DE TRABALHO EM PORTUGAL E NOS PAÍSES DA UNIÃO EUROPEIA NO PERÍODO 2004-2017

Vamos utilizar dados do custo hora de mão de obra divulgados pelo Eurostat, por isso interessa, para uma maior clareza, explicar como eles foram calculados. Segundo o Eurostat, o custo hora de mão obra foi obtido dividindo todos os custos que o empregador tem com a mão de obra (salários e ordenados e custos não salariais como são os descontos para Segurança Social) pelo número de horas trabalhadas. E o quadro 1, mostra como ele variou entre 2004 e 2017 em Portugal e na União Europeia, e nos principais países da U.E..

Entre 2004 e 2017, o custo hora do trabalho aumentou em Portugal 2,8€ (entre 2015/2017, subiu 40 cêntimos segundo o Eurostat), enquanto a média na U.E. foi de 7€. Este menor crescimento do custo hora do trabalho em Portugal determinou que, entre 2004 e 2017, quando se compara o do nosso país com a média da U.E., o custo hora de trabalho em Portugal tenha diminuído de 57,1% para apenas 52,6% da média da U.E. Em relação aos países da Zona Euro, diminuiu de 49,1% para 46,5%. Portanto, a remuneração dos trabalhadores portugueses no lugar de se aproximar da média da U.E. está-se a afastar. Em Portugal a sobre-exploração aumentou e o nosso país continua a ser um país de baixas remunerações o que tem sido até utilizado pelos governos como argumento para atrair investimento estrangeiro

PORTUGAL FOI O ÚNICO PAÍS DA UNIÃO EUROPEIA ONDE O CUSTO DO TRABALHO DIMINUIU ENTRE 2017 E 2018

Outro aspeto importante, que é uma consequência da continuação do “modelo de desenvolvimento” baseado em baixos salários, apesar das boas declarações do governo afirmando que não é esse o objetivo da politica governamental, é a permanente desvalorização do trabalho, a que está associada a sobre-exploração dos trabalhadores portugueses, como revelam dados de 2018. O gráfico 1, divulgado pelo Eurostat no seu comunicado nº 98/2018 de 15-6-2018 prova isso, de uma forma clara.

Portugal foi o único país da União Europeia (1ª barra negativa, e única negativa, do gráfico a contar da esquerda), onde o custo hora da mão obra diminuiu no 1º Trimestre de 2018 (-1,5%) quando comparado com o custo hora do 1º Trimestre de 2017. É evidente que esta redução do custo trabalho/hora foi conseguida à custa do aumento da exploração dos trabalhadores, pagando salários muito baixos. Basta ir ao “site” do Instituto de Emprego, onde se encontram ofertas de emprego para engenheiros em que as empresas pretendem pagar apenas 600€/mês, e o governo nada faz, até promove essas ofertas em “sites” oficiais. E tenha-se presente, como se refere no próprio gráfico, que aquela variação do custo hora foi calculada com base em valores nominais, ou seja, sem deduzir o efeito corrosivo do aumento de preços.

2,3 MILHÕES DE TRABALHADORES PORTUGUESES (58,2% do total) AUFEREM 2018 UM SALÁRIO LIQUIDO INFERIOR A 900€/MÊS, SEGUNDO O INE

Os dados do quadro 2, divulgados pelo INE no fim do 1º Trimestre de 2018, mostram a forma como são conseguidos os baixos custos da mão de obra em Portugal: pagando baixíssimos salários, para não dizer mesmo salários de miséria, aos trabalhadores portugueses.

No fim do 1º Trimestre de 2018, 2.338.500 trabalhadores portugueses (58,3% do total dos trabalhadores por conta de outrem) levavam para casa para viver menos de 900€ por mês; deste total, 1.026.600 recebia menos de 600€/mês e 119.000 tinham para viver por mês menos de 310€.

A VARIAÇÃO DA PRODUTIVIDADE EM PORTUGAL NÃO JUSTIFICA A POLITICA DE BAIXOS CUSTOS DO TRABALHO E A SOBREEXPLORAÇÃO DOS TRABALHADORES

Um dos argumentos mais utilizados pelas associações patronais é que os salários são baixos porque a produtividade é baixa. É certo que a produtividade em Portugal é ainda inferior à média europeia (em muitos casos porque o investimento é insuficiente ou os equipamentos estão desatualizados e as empresas não investem na formação dos seus trabalhadores), no entanto o seu crescimento tem sido muito semelhante à média dos países da União Europeia como prova o gráfico 2 (dados da AMECO – Comissão Europeia).

Entre 2004 e 2017, a produtividade total dos fatores aumentou 5,2% em Portugal, 4,9% na Zona Euro, e 5,9% na União Europeia; portanto, não tem sido esta a razão para a desvalorização do trabalho em Portugal e para o aumento da sobre-exploração dos trabalhadores portugueses.

O AGRAVAMENTO DA DESIGUALDADE NA REPARTIÇÃO DA RIQUEZA CRIADA ANUALMENTE NO PAÍS

A percentagem das remunerações, que incluem os salários e ordenados e todas as outras despesas com pessoal suportadas pelas entidades empregadoras, do PIB,  é, em Portugal, não só muito inferior à média da União Europeia mas também inferior ao valor que se registava no nosso país antes do inicio da crise como revela o gráfico 3.

Em 2006, a parcela da riqueza criada em Portugal (PIB), medida em percentagem do PIB, que revertia para os Trabalhadores, sob a forma de remunerações, (46,8% do PIB)  estava acima da média quer da União Europeia quer da Zona Euro (46,3% do PIB). A partir de 2007, a situação inverteu-se, e distribuição da riqueza criada em Portugal (PIB) tornou-se muito mais desigualitária do que a registada quer na U.E. quer na Zona do Euro como mostra o gráfico 3. E em 2017, a percentagem do PIB que reverteu para o Trabalho sob a forma de remunerações (44,4%) era não só muito inferior à U.E. e da Zona do Euro (47,6%) mas também inferior à que se registava no país antes do inicio da crise (47,7% do PIB). Pode-se concluir com propriedade que a recuperação dos rendimentos por parte do Trabalhadores ainda está longe de ser alcançada em Portugal. E se análise se limitar a Ordenados e Salários, portanto não incluindo as outras componentes das remunerações, a situação é mais preocupante segundo o INE.

Segundo o INE, em 2009, os Ordenados e salários correspondiam, em Portugal, a 37,4% do PIB; em 2016, ultimo ano em que se existem dados disponíveis, representa apenas 34,5% do PIB. É evidente que a recuperação de rendimentos por parte dos Trabalhadores ainda não está longe de ter sido alcançada no nosso país.

Uma das causas do agravamento da desigualdade na repartição da riqueza criada está precisamente a manutenção, em atos não nas declarações oficiais, de uma politica de baixos custos do Trabalho, como provamos anteriormente, a que está associada uma politica de baixos salários. E alguns dos instrumentos utilizados pelas entidades patronais para alcançar esse esse objetivo são precisamente as normas do Código do Trabalho que referimos no inicio deste estudo, e que o acordo UGT/Patrões/Governo não toca; mantém.

A PRECARIEDADE EM PORTUGAL É MUITO SUPERIOR À MÉDIA EUROPEIA

O gráfico 5, construído com dados divulgados pelo Eurostat sobre a percentagem de assalariados com contratos precários em percentagem dos trabalhadores assalariados de cada país dá bem uma ideia da dimensão da precariedade em Portugal que é muito superior à média dos 28 países da União Europeia.

Em 2008, portanto no inicio da crise, os trabalhadores com contratos precários em Portugal representavam 29,8% dos trabalhadores por conta de outrem, enquanto a média na União Europeia era de 17,3%. Com a crise, os trabalhadores precários foram os primeiros a serem despedidos e, assim, em 2012, representavam já 19,3%. A partir desse ano verificou-se um brusco crescimento tendo-se depois registado uma pequena descida para a partir de 2016, com o atual governo e com a animação da economia, verificar-se de novo um acentuado crescimento tento atingido, em 2017, 21,3% quando a média nos países da União Europeia é de 14,7%. Atualmente, em Portugal mais de 21 trabalhadores assalariados em cada 100 tem contratos precários quando a média nos países da União Europeia é inferior a 15 em cada 100 (+44,9% em Portugal).

A PRECARIEDADE LABORAL ATINGE PRINCIPALMENTE EM PORTUGAL OS TRABALHADORES COM UM NIVEL DE ESCOLARIDADE MAIS ELEVADA

Contrariamente ao que se podia pensar a precariedade laboral atinge mais os trabalhadores com o nível de escolaridade mais elevada como revelam o Eurostat

Entre 2009 e 2017, o número de trabalhadores assalariados com contratos precários com o ensino básico diminuiu de 461,3 mil para 329,9 mil (-28,5%), enquanto os trabalhadores com contratos precários com ensino secundário aumentou de 171,7 mil para 286,8 mil (+67%), e os com ensino superior cresceu de 187,7 mil para 239,1 mil (+27,4%). Maior nível de escolaridade em Portugal é sinónimo de maior precariedade. Esta é a razão para que muitos portugueses com maior qualificação continuem a abandonar o país na procura de trabalho e remunerações dignas que continuam a ser negadas no seu próprio país. E não vai ser com as declarações “bonitas” do primeiro ministro que esta realidade se altera. É preciso atos concretos, incluindo alterações nas leis laborais que o acordo UGT/Patrões/Governo não faz.

A SOBRE-EXPLORAÇÃO DO TRABALHO PRECÁRIO EM PORTUGAL

Precariedade está sempre associada a maior exploração, como provam os dados do quadro 4, dos quadros de pessoal de 2016 divulgados pelo Ministério do Trabalho, referentes a remuneração base e ao ganho hora dos trabalhadores com contratos por tempo indeterminado e com contrato a prazo no nosso país.

Como revelam os dados dos quadros de pessoal divulgados pelo Ministério do Trabalho, um trabalhador com contrato a prazo em Portugal ganha, em média, cerca de 30% menos do que um trabalhador com contrato por tempo indeterminado. No entanto, esta disparidade de salários e ganhos é maior quanto maior é a qualificação dos trabalhadores. Por ex., em relação aos quadros superiores as diferenças na remuneração base e no ganho médio são  superiores a 40% (um trabalhador com contrato a prazo ganha em média menos 44,6% do que um trabalhador com contrato permanente).Também aqui as diferenças remuneratórias entre homens e mulheres são elevadas, pois tanto as remunerações base como o ganhos médios das mulheres são inferiores aos dos homens, e também são entre mulheres com contratos a prazo e com contratos permanentes.

UM PAÍS ONDE CADA VEZ MAIS TRABALHADORES GANHAM APENAS O SALÁRIO MINIMO NACIONAL

A percentagem de trabalhadores a receber apenas o salário mínimo tem aumentado de uma forma rápida em Portugal, podendo-se afirmar que o nosso país é um dos países da U.E. em que a percentagem de trabalhadores a receber apenas o salários tem crescido mais como revela o gráfico 6.

Em Abril de 2016, apenas 6% dos trabalhadores recebiam o salário mínimo nacional. Em Outubro de 2016, essa percentagem tinha aumentado para 23,3%, ou seja quase quatro vezes mais. Em Abril de 2017, segundo o Boletim Estatístico de Junho de 2018, o salario mínimo de 557€, a que correspondia um salario liquido de apenas 495,7€ após o desconto para a Segurança Social, era recebido por 25,7% do total dos trabalhadores portugueses, sendo a percentagem de mulheres a recebar o salário mínimo, porque ainda mais mal pagas, 30,9%.

Atualmente, com a subida do salário mínimo nacional para 580€, a percentagem é certamente muito superior. As empresas em Portugal estão a habituar-se a pagar apenas o salário mínimo nacional seja qual for o nível de qualificação, incluindo a licenciados, e depois queixam-se que faltam trabalhadores ou que os melhores emigram para o estrangeiro. E mesmo o atual nada faz para alterar esta realidade como revela o acordo da concertação social UGT/patrões/governo.

E se a análise for feita por setores de atividade económica, os números são ainda mais chocantes em alguns deles, como mostra o quadro 5 com dados divulgados pelo Ministério do Trabalho.

No alojamento e restauração, um setor em crescimento devido ao aumento do turismo, já em Outubro de 2016, 35,7% dos trabalhadores recebia apenas o salario mínimo nacional (530€), a que correspondia a um salario liquido de 471,7€.

O ACORDO DE CONCERTAÇÃO SOCIAL ASSINADO ENTRE A UGT, OS PATRÕES E O GOVERNO NÃO MUDA NADA DE ESSENCIAL: “é preciso que alguma coisa mude para que tudo fique na mesma” já dizia Don Fabrizio.

Como diz Don Fabrizio, um membro de nobreza italiana no período das revoluções burguesas, no romance “Leopardo” de Tomasi de Lampeduza, adaptado ao cinema por Visconti, “É preciso que alguma coisa mude, para que tudo fique na mesma“. Também a UGT, patrões e governo pensam da mesma forma que aquele representante da nobreza italiana.

Para que se possa avaliar as propostas do governo aceites pela UGT e pelos patrões, que fazem parte do acordo da concertação social que foi enviado para a Assembleia da República para que seja feitas alterações no Código de Trabalho, que só a CGTP se recusou a assinar, vamos transcrever as mais importantes. São elas:

•Reduzir a duração máxima dos contratos a prazo de 3 anos (duração atual) para 2 anos, incluindo renovações, e estabelecer que a duração máxima das renovações não pode exceder a do período inicial do contrato;

•Reduzir a duração dos contratos a termo incerto de 6 anos para 4 anos;

•Eliminar do Código de Trabalho a norma que permite contratar a prazo para trabalho permanente jovens a procura do 1º emprego, mas continuar a permitir para desempregados de longa duração;

•Permitir os contratos a prazo para trabalho permanente em empresas até 250 trabalhadores (atualmente é até 750 trabalhadores) criadas em novas atividades;

•Permitir contratos a prazo na atividade agrícola até 35 dias (atualmente é até 15 dias);

•Alargar o período experimental de 90 dias (o período atual em vigor) para 180 dias para a generalidades dos trabalhadores, em que a entidade patronal pode denunciar o contrato sem aviso prévio e sem invocação de justa causa, nem direito a indemnização;

•Acabar com o banco de horas individual e grupal com base em acordos individuais, mas permitir que sejam criados por contratação coletiva incluindo o banco de horas grupal

•Introduzir um limite máximo de 6 renovações do contrato de trabalho temporário (atualmente não existe limites).

•Criar uma contribuição adicional para a Segurança Social no máximo até 2% a pagar pelas empresas apenas em relação aos trabalhadores contratados a prazo que excederem a média do setor (?).

No essencial, é evidente que nada muda de essencial, pois as entidades patronais poderão continuar a contratar a prazo da mesma forma que atualmente, pelos mesmos motivos, e utilizando os mesmos subterfúgios (por ex. despedindo o trabalhador quando chega o limite máximo de renovações, mandam-no para casa um mês, como a promessa que passado esse tempo o contratam de novo a prazo na mesma empresa ou noutra como se fosse um novo contrato, ou inventado, como acontece nos “call center” , que cada campanha é um projeto novo e contratam o trabalhador a prazo para cada projeto com tempo limitado).

Com a redução dos contratos a prazo de 3 para 2 anos, incluindo renovações, e mantendo-se tudo o resto como pretende o atual governo, o que vai acontecer é que a precariedade aumentará ainda mais para os trabalhadores com contratos a prazo porque o período de tempo em que têm um emprego mesmo a prazo diminuirá. Para os não integrar como trabalhadores permanentes as entidades patronais procederão a despedimentos mais cedo. O que era necessário era inverter toda esta lógica de contratação a prazo:  UM TRABALHO PERMANENTE DEVE CORRESPONDER SEMPRE, MAS SEMPRE, A UM CONTRATO PERMANENTE. Mas isso o governo não faz porque o patronato não quere para assim continuar a explorar intensamente (sobre exploração) mais de 855 mil trabalhadores com contratos precários segundo dados do Eurostat.

Tendo em conta que o ganho médio em Portugal, em 2017, foi de 1.148 €/trabalhador/mês, se fosse este o ganho dos trabalhadores com contrato a prazo isso correspondia a 14.227 milhões €/ano. Como aos trabalhadores com contratos a prazo as empresas pagam, em média, menos 30% do que aos com contratos permanentes, as entidades patronais poupam (sobre lucro), só por este meio, 4.268 milhões €/ano à custa da sobre-exploração dos trabalhadores precários. É esta a realidade que urge alterar e que o acordo de concertação social UGT/patrões/governo não alterará.