A continuada descida da taxa de juro da República

Artigo de Ricardo Cabral.


A subida do rating da República de Portugal em dois níveis, da classe “lixo” para a classe “investimento” pela segunda das três principais agências de rating, a Fitch, é uma boa notícia, que, pelo menos, sustentará as taxas de juro aos níveis actuais. É mesmo possível que possa resultar numa redução adicional da taxa de juro da dívida pública portuguesa.

Note-se que a descida das taxas de juro da dívida pública portuguesa no último ano é surpreendente. Por exemplo, a taxa de juro da dívida a 7 anos caiu quase 2,1 pontos percentuais desde Dezembro de 2016 (vide figura). Cerca de metade desta redução ocorre após a subida de rating para classe investimento pela S&P (a 17 de Setembro de 2017), em resultado da expectativa de que as duas outras principais agências de rating subiriam também o rating para a classe investimento.

A taxa de juro média da dívida directa do Estado contraída no passado (taxa de juro implícita média) era de 3,2% em 2016. Actualmente toda a dívida com maturidades até 30 anos transacciona-se a taxas de juro inferiores, o que significa que a despesa com juros e a taxa de juro implícita da dívida directa do Estado estão numa tendência de forte queda, o que é muito positivo para as contas públicas, para as contas externas e para a economia portuguesa.

Considerando apenas parte dessa dívida – a dívida de médio e longo prazo, na sua maior parte Obrigações do Tesouro –, é de notar que a maturidade residual média dos 15,1 mil milhões de euros de dívida de médio e longo prazo emitida em 2017 é de 7,8 anos. As Obrigações do Tesouro com essa maturidade teriam actualmente uma taxa de juro de cerca de 1,4%, muito inferior à taxa de juro implícita média das Obrigações do Tesouro que, no final de 2016, era de cerca de 4%. Assim, quando a dívida que vence (ou dívida ao FMI) é substituída por nova dívida de médio e longo prazo emitida às taxas de juro actuais resultam enormes poupanças, de cerca de 400 milhões de euros por ano, por cada 15 mil milhões de euros de dívida antiga que é substituída por nova dívida.

Se as actuais taxas de juro se mantivessem durante vários anos, a despesa pública com juros tenderia a cair para menos de metade do nível registado em 2016 (8,2 mil milhões de euros, em contabilidade pública), criando uma folga orçamental crescente no Programa de Estabilidade de Portugal e contribuindo para uma redução mais acelerada da dívida pública.

É possível que as taxas de juro continuem a cair, o que é surpreendente porque já estão muito baixas para um país cuja dívida pública representará cerca de 127% do PIB no final de 2017. Isto ocorre porque, com a subida do rating para classe investimento por duas das três principais agências de rating, muitos investidores institucionais e fundos passivos (fundos que investem de forma automática simplesmente de acordo com índices financeiros, com o objectivo de minimizar os custos de gestão do património) serão obrigados a comprar a dívida pública portuguesa de forma automática, independentemente do seu preço.

Ora não existe no mercado muita dívida pública portuguesa transaccionável em resultado: dos empréstimos contraídos junto do sector oficial (UE e FMI); das compras de dívida pelo BCE e BdP ao abrigo do PSPP; da preferência dos aforradores a retalho portugueses; e da política de gestão de dívida adoptada pelo IGCP.

O saldo global de Obrigações do Tesouro, no final de Outubro de 2017, era de 116 mil milhões de euros, 9,6 mil milhões de euros superior ao observado em Dezembro de 2010 antes do pedido de resgate. Desses 116 mil milhões de euros, 30,5 mil milhões de euros eram detidos pelo BCE e BdP no âmbito do programa alargado de compras de activos do BCE (PSPP). A Segurança Social detém títulos de dívida pública com um valor de mercado actual de cerca de 15 mil milhões de euros e o BCE ainda deterá aproximadamente 6-7 mil milhões de euros de dívida pública no âmbito do programa SMP.

Ou seja, o stock de Obrigações do Tesouro verdadeiramente transacionável em mercado será presentemente de cerca de 64 mil milhões de euros (33,6% do PIB), pouco mais de 60% do nível registado em 2010.

E a dívida pública de curto, médio e longo prazo que se transacciona nos mercados, excluindo dívida adquirida por BCE, BdP e Segurança Social, representa “apenas” 48% do PIB. É quase como se, no presente, esse fosse o nível de dívida pública de Portugal.

Acresce que o BCE e o BdP continuarão a adquirir, até Setembro de 2018, potencialmente cerca de 600 milhões de euros de dívida pública por mês. E que o IGCP planeia amortizar 6,7 mil milhões de euros de dívida que chega à maturidade em 2018.

Deste modo, se o IGCP mantiver a sua política, considerando as emissões previstas em 2018 no valor de 15 mil milhões de euros, o stock de obrigações do Tesouro transaccionáveis nos mercados poderá aumentar apenas 3 a 5 mil milhões de euros em 2018.

Por outro lado, também atendendo a que a descida da despesa com juros será mais expressiva do que o esperado, o défice público, tanto em 2017 como em 2018, deverá ser inferior aos valores previstos pelo Governo, respectivamente, 1,4% e 1,1%. Ou seja, as necessidades públicas de financiamento poderão vir a ser mais baixas.

Perspectiva-se pois, no mercado de dívida directa do Estado, um designado “short-squeeze” em que os preços da dívida sobem (e a taxa de juro cai), porque o mercado é pouco líquido e a oferta de Obrigações do Tesouro não deverá ser suficiente para fazer face às ordens de compra que, previsivelmente, irão ser feitas por diferentes grupos de investidores.


Artigo publicado no blog Tudo Menos Economia.