Na magna questão da Produtividade qual o lugar dos Serviços?

Artigo de Mário Bairrada.


Prelúdio: levantar o problema dos serviços na avaliação da produtividade faz sentido

“A produtividade ora aí está..quer dizer…há tanto nesta terra que ainda está por fazer”. Esta frase de José Mário Branco (FMI, 1979) chega-nos à memória sempre que o pensamento dominante evoca este conceito com claros objetivos de colocar em causa aumentos salariais. Mais enfaticamente, a produtividade surge no discurso oficial para legitimar “reformas estruturais”, eufemismo para “flexibilizar o mercado de trabalho”.

Vejamos exemplos recentes:

  • atendendo aos indicadores de produtividade, crescimento da economia e inflação, a CIP defende um aumento do salário mínimo inferior àquele montante (530 €), sem no entanto indicar qual o valor desejável. (entrevista a António Saraiva, novembro 2015, expectativas com o novo governo)
  • “existem fragilidades estruturais na economia, elevados níveis de desemprego, pouco aumento da produtividade…” Valdis Dombrovskis  (vice-presidente da união Europeia- fevereiro, 2017)

Estas afirmações caem claramente no campo ideológico (luta de classes – em que a produtividade desempenha um papel essencial pela identificação, senso comum, ao esforço físico) dado que utilizam uma variável cuja medida sempre foi problemática, particularmente com o crescimento dos serviços. Ou seja, os autores das afirmações acima deveriam (?) conhecer o seguinte aviso incluído na página divulgadora de dados sobre a produtividade total dos factores (PTF) para os sectores não industriais por um instituto estatístico (BLS – Bureau of Labor Statistics) do país mais desenvolvido do planeta, em que os serviços representam mais de 70% do PIB: “Output and corresponding inputs for nonmanufacturing industries are often difficult to measure and can produce productivity measures of inconsistent quality. Customers should be cautious when interpreting the data”.

Será esse o objetivo deste texto: desenvolver o que apresentámos na Revista nº3, fazendo a crítica ao conceito e medida da produtividade quando são os serviços o sujeito da observação.

O texto tem um carácter mais divulgador e menos científico (daí, por exemplo, não seguirmos as normas em matéria de referências bibliográficas e citações), embora se faça frequentemente apelo a questões do “foro estrito” dos economistas.

No ponto 1 divulgaremos as principais referências quer do ponto de vista da crítica a partir dos serviços, quer do ponto de vista dos textos que se enquadram nas teorias dominantes sobre a produtividade (sem recorrermos aos textos teóricos originais).

Os pontos 2 e 3 representarão o lado do mainstream. Assim, no ponto 2 apresentaremos a relação da produtividade com a teoria económica, bem com variáveis fundamentais da macroeconomia. No ponto 3 analisaremos sucintamente os principais métodos de medida, surgindo desde logo problemas comuns aos diversos sectores de atividade.

Os pontos 4 e 5 constituem a crítica a partir dos serviços. Primeiro ao conceito e depois à medida quando temos os serviços, grande parte deles, sob análise.

Finalmente no ponto 6 será feita a síntese, tendo por horizonte a apresentação de algumas propostas.

1 – Abertura: principais escritos sobre a relação entre serviços e produtividade

1. O artigo publicado no Wall Street Journal em Outubro de 2016,  “While service sector booms, productivity remains elusive”, é sugestivo sobre a matéria que nos preocupa: a relação entre a produtividade (ou a sua estagnação, ou o seu lento crescimento) e os serviços (atividades de serviço como designámos num artigo no nº 8 desta Revista).

Esta preocupação com a “productivity slowdown” inicia-se afinal na década de 70 do século passado (final dos “30 gloriosos”). Curiosamente, passados cerca de 40 anos o problema da “productivity slowdown” mantém-se e há quem atribua explicitamente a responsabilidade a um problema de medida em economia, como se pode ler num artigo de Julho de 2015 do mesmo jornal: “Silicon Valley doesn´t believe U.S. productivity is down – contrarian economists at Google and Stanford say the U.S. doesn´t have a productivity problem, it has a measurement problem”.

2. A utilização de artigos publicados no ano anterior, tem por objetivo deixar expresso que não foi considerada uma área que ganhou alguma autonomia: a “economia dos serviços”, em que o problema da produtividade foi (utilizamos o pretérito porque não conhecemos novos desenvolvimentos) amplamente discutido.

Com efeito, entre a década de 70 do século passado e a atualidade, o crescente peso dos serviços no Produto, a sua relação com a Produtividade e, como resultante, a articulação entre crescimento económico e emprego, suscitaram numerosos estudos na sequência das primeiras abordagens de Alan Fisher, Colin Clark, Jean Fourastié, Vitor Fuchs e, numa outra perspetiva, do modelo “cost disease” de William Baumol (o crescimento económico tende para zero pelo crescimento dos serviços estagnantes do ponto de vista da produtividade).

3. Sem esgotar, citemos as contribuições críticas que nos parecem mais significativas:

• um conjunto de investigadores de universidades e institutos franceses que, com origem em Jacques de Bandt reconhecido economista da área da economia industrial, desenvolveu importante trabalho crítico sobre o conceito e a medida do produto e da produtividade dos serviços. Destacamos os seguintes autores e obras que constituem as referências da nossa exposição:

• Jean Gadrey principal autor que impulsionou decisivamente a problematização da produtividade dos serviços. Salientamos:

(1986) “Productivité et Evaluatios des Services: La construction sociale du produit”, Ermes

(1996) “Services: la productivité en question”, Desclée de Brouwer

(2002) “Productivity, Innovation and knowledge in Services”, Edward Elgar (editor com Faïz Gallouj)

(uma nota adicional: colaborador da revista Alternatives Économiques, publicou nos últimos anos: “Socio-économie des services”; “Les nouveaux indicateurs de richesse”; “En finir avec les inegalités”; “Adieu à la croissance”)

• (2008) Faridah Djelall e Faiz Gallouj “Measuring and Improving Productivity in Services – Issues, Strategies and Challenges”, Edward Elgar;

• (1988) o artigo de Thierry Noyelle e Thomas Stanback  Productivity in Services: a Valid Measure of Economic Performance?” defende a ideia que para 60% dos serviços a medida do produto em volume e, como consequência da produtividade, não tem sentido;

• (1992) o trabalho coletivo “Output Measurement in the Service Sector” – National Bureau of Economic Research, editado e apresentado por Zvi Griliches, assinala a incerteza, pricipalmente de natureza concetual, na medida do produto de vários serviços. Como prova dessa incerteza, o estudo revela a disparidade de valores para a produtividade calculados pelo BEA (Bureau of Economic Analysis) e pelo BLS (Bureau of Labor Statistics). Assim, entre 1967 e 1987 no caso do transporte aéreo a taxa de crescimento anual médio é de 1,6% para o BEA e de 5,2% para o BLS, no caso dos bancos de 1,9% e 3,6% respetivamente;

• (1996) o 6º colóquio de Contabilidade Nacional promovido pela Association de Comptabilité Nationale em que uma sessão é dedicada aos “Novas aspectos da análise dos serviços”.

4. Numa linha mais apologética, digamos mais de acordo com o mainstream, destacamos os seguintes momentos (omitindo obviamente os principais autores que lhe dão origem (de Cobb-Douglas a Solow, Denison, Jorgenson, etc.):

  • (1993) William Baumol, Richard Nelson e Edward Wolff editam um livro, “Convergence of Productivity – cross-national studies and historical evidence”, em que são realizadas comparações internacionais da produtividade de bens e serviços;
  • (1999) o número 2 do volume 32, da revista “Canadian Journal of Economics” – Special Issue on Service Sector Productivity and the Productivity Paradox, em que, como o título do número especial indica, os 14 artigos divididos em 4 partes estão centrados na resposta à questão: porque o desenvolvimento das tecnologias de informação não tem reflexos no crescimento da produtividade (paradoxo da produtividade)? Em artigo posterior (2004), dois dos autores, Jack Triplett e Barry Bosworth, declaram o problema resolvido: “Productivity Measurement. Issues in Service Industries: Baumol´s Disease has been cured” com base no assinalável crescimento da Produtividade Total dos Fatores (PTF) nos Serviços.  Parece ter sido prematura esta conclusão…;
  • (2001) publicação do Manual de referência para os países da OCDE: “OECD Productivity Manual: A guide to te measurement of industry level and aggregate productivity growth”. Não é questionado o conceito, há a preocupação exclusiva, mas didaticamente muito importante, de propor metodologias de medida da produtividade. Constitui o Manual de referência para os institutos produtores de estatísticas;
  • (2009)  sob a direção de Dale W. Jorgenson, uma autoridade na matéria, são reunidos 23 artigos de diferentes autores publicados em diversas revistas no livro “The Economics of Productivity”, Edward Elgar. A principal preocupação reside na medida da produtividade associada às tecnologias de informação, utilizando o instrumental analítico derivado da função de produção Cobb-Douglas, bem como o recurso a técnicas estatísticas e econométricas sofisticadas. Neste contexto, apenas um artigo é dedicado aos serviços – comparação internacional da produtividade dos bens e serviços. Destaque-se o excelente resumo histórico de D. Jorgenson sobre a medida da produtividade.

2 – Solo (1):  Produtividade e Teoria Económica

5. A Produtividade ocupa um lugar central nas diferentes escolas do pensamento económico: clássicos, neoclássicos, marxistas, a que podemos acrescentar, mais recentemente, a teoria dos custos de transação (nível micro) e a teoria da regulação.

Duas notas: a) a exclusão de Keynes é justificado pela nula importância da produtividade num objeto teórico definido pelo subemprego, ou seja, pela maior importância dada aos fluxos monetários em detrimento dos fluxos físicos (de outro modo, preocupação pelo lado da procura em detrimento da preocupação pelo lado da oferta, onde se situa a produtividade). Poderíamos, ainda assim, incluir a lei de Verdoorn-Kaldor, mas onde a produtividade surge endogenamente associada ao crescimento; b) a teoria da regulação e os seus conceitos centrais, regime de acumulação e relação salarial, é, digamos, adequada para o período “fordista” mas com menos poder explicativo no período “pós fordista”.

6. Comum às teorias assinaladas, o lugar central da produtividade tem por referência os bens com origem na produção industrial. É assim com a função de produção neoclássica (definidora do mainstream em matéria de análise da produtividade) ainda que se reclame da sua generalização, é assim com Marx na antinomia entre mais-valia absoluta e mais-valia relativa, é assim com a teoria da regulação em que os aumentos de produtividade e a respetiva partilha entre trabalho e capital, geradores de consumo de massa, são as características determinantes do regime de acumulação fordista.

Refira-se, novamente, que estas correntes do pensamento económico não isolaram o conceito serviço. Aliás, nas teorias clássica ou neoclássica a produção é o resultado dos serviços dos factores.

7. Naturalmente, a Produtividade ocupa um lugar central na relação com outras variáveis económicas. Explicitemos resumidamente.

Relação da Produtividade com o crescimento económico

A mais evidente e que tem origem formal nos neoclássicos. Na célebre equação de Solow, o crescimento é decomposto nas componentes crescimento do capital, crescimento do emprego e produtividade total dos fatores (PTF), identificado ao progresso técnico (eficiência) sob certas condições (o célebre resíduo explicativo do crescimento económico). O modelo de Solow foi melhorado pela decomposição do referido resíduo (Denison), ou mesmo alterado pela consideração do progresso técnico como endógeno (Romer), continuando a ser o eixo de referência teórico para a maioria das análises empíricas sobre a produtividade.

Poderíamos incluir nesta relação a utilização do modelo de Solow e consequentemente da PTF em contexto de determinação do Produto Potencial (Produto atingível com utilização eficiente de todos os factores), decisivo para determinar o  défice (saldo estrutural). Diríamos ser a consagração do mainstream em matéria de política económica (aqui orçamental).

(Para uma abordagem crítica do conceito e da utilização da PTF deve ser (re)lido o texto de Mariana Mortágua, Público de 9/2/2016, “Défice estrutural: magia negra”)

Relação da produtividade com o emprego

Complementar da anterior relação pela expressão tautológica

taxa crescim. Emprego = taxa crescim. Produto – taxa crescim. Produtividade

Tendo presente esta relação ouvia-se com frequência “para crescer o emprego, o produto deve crescer acima de 2%”. Esta vulgata caiu em desuso, dado que tem sido verificado, Portugal é um exemplo recente, que o emprego pode crescer com taxas de crescimento do Produto inferiores.

Com efeito, a interferência crescente dos serviços torna a relação entre alterações tecnológicas e emprego cada vez mais complexa. As relações causais tornam-se, direta ou indiretamente, contraditórias. Ou seja, a crescente complexidade dos sistemas económicas, para a qual tem contribuído o peso dos serviços, inviabiliza qualquer resposta global e inequívoca.

A teoria económica encarou a relação emprego-produtividade numa ótica de compensação (os empregos perdidos pela inovação tecnológica, de que a produtividade é a expressão, são recuperados pelo mecanismo de mercado que assegura novos empregos em outras empresas/sectores). No entanto, verifica-se que na variação do emprego interferem outras variáveis para além da inovação, como sejam a procura e as alterações institucionais.

Relação da produtividade com os padrões de vida

Relembrando a equação divulgada na Revista (nº3)


onde N – população total; L – emprego; H – nº de horas de trabalho e admitindo que a evolução do padrão de vida é medido pelo PIB por habitante, verifica-se que este depende quase exclusivamente da produtividade do trabalho, PIB/L, dado que a evolução do volume de emprego (tempo de trabalho multiplicado pela taxa de emprego) não é, normalmente, significativa.

Portanto, a relação entre padrões de vida e produtividade fica evidente, e é neste evidência empírica que se baseia o pensamento dominante para defender o aumento de produtividade como única alternativa à melhoria dos padrões de vida. Simplesmente, os aumentos de produtividade, admitindo a sua existência, têm associado um problema de repartição entre salários e lucros.

Relação da produtividade com a competitividade

Relação determinante do ponto de vista da política económica dado que o indicador utilizado para medir a competitividade, nos planos micro ou macroeconómico, é o custo unitário do trabalho (CUT) definido do seguinte modo:

CUT = remuneração horária x nº de horas de trabalho / nº unidades produzidas, ou

CUT = remuneração horária / produtividade

ou seja, o custo unitário do trabalho varia em razão inversa da produtividade (sem discutir por agora a respetiva medida) ficando explícita a razão das confederações patronais reivindicarem aumentos salariais iguais ou inferiores à produtividade e/ou os economistas pertencentes ao pensamento dominante elegerem este como o principal, único (?), indicador sobre a competitividade no plano externo.

No entanto, retomando o que dissemos na Revista nº3, “a associação que define a competitividade, mais não é que uma aproximação à eficiência económica (rendibilidade) e, como tal, a diminuição do custo unitário do trabalho significa o aumento da rendibilidade (lucro nas empresas, excedente na economia)”.

3 – Solo (2): Medida da Produtividade: definição e síntese de problemas

8. A passagem do conceito (teoria) para a medida não é feita sem problemas. Em geral encontramo-nos perante a fração

Output / Recursos

definidora da produtividade.

Tratando-se de um bem homogéneo poderemos definir o output pelas quantidades produzidas (é neste contexto que se afirma sem dificuldade que a Autoeuropa apresenta a maior produtividade do trabalho no contexto do grupo Volkswagen). Estamos naturalmente no campo dos bens (indústria). A evolução do valor da produção = preço x quantidade é facilmente acompanhada ao longo do tempo separando os efeitos preço e quantidade (quando se retira o efeito preço, falando-se de preços constantes – deflação, ficamos com volume=quantidade).

Mas aqui falamos de um bem homogéneo. A questão complica-se quando consideramos um conjunto de bens. É o caso da medida da produtividade em termos sectoriais ou nacionais, ou seja, temos de agregar diferentes produtos e respetivas quantidades (e como sabemos, desde a escola primária, não podemos somar batatas com laranjas).

Temos, assim, um problema para resolver: qual a definição e medida do output (numerador da fração que define a produtividade)? A que se acrescenta um segundo problema: quais os recursos a incluir e como são avaliados (denominador da fração)?

9. No caso do output, atualmente identificado ao PIB, mas que nos estudos iniciais sobre a produtividade, corrente teórica identificada acima, era utilizado o Produto Nacional (hipótese naturalmente criticável), a solução passa, na grande maioria dos casos, por utilizar índices sintéticos que resultam da aplicação de ponderadores ao vetor de produtos. Sendo esses ponderadores os preços do ano base resulta da sua aplicação a determinação de índices sintéticos de volume  (as  quantidades). Donde a conclusão que as quantidades (produção a preços constantes) assim obtidas são uma representação da realidade, uma abstração, dado que permanece válida a impossibilidade de somar batatas com laranjas.

Admitindo esta questão “resolvida”, confrontamo-nos com a dupla possibilidade: produtividade bruta ou líquida? Ou seja, não consideramos os consumos intermédios (produtividade bruta), ou consideramos que os ganhos de produtividade, quando existentes, derivam não só dos fatores de produção utilizados, mas também da melhor ou pior qualidade dos consumos intermédios (matérias primas, produtos semi-acabados, serviços fornecidos, etc.). Neste segundo caso estamos perante a produtividade líquida calculada a partir do valor acrescentado

Valor Acrescentado = Produção – Consumos Intermédios

sendo esta naturalmente a concepção em termos nacionais (o Produto é a soma dos valores acrescentados) a qual é normalmente levada à prática por uma processo de dupla deflacionação (retirar o efeito preço do output dividindo-o por um índice de preços na produção e retirar o efeito preço nos consumos intermédios por um índice de preços igualmente apropriado).

Voltamos a chamar a atenção para o facto de que ao ficarmos com o valor acrescentado em termos reais (quantidade, volume), estamos no campo de uma abstração (não temos uma quantidade adicional concreta – não acrescentámos batatas às batatas e laranjas às laranjas)

Poderemos acrescentar uma nova dificuldade no plano da medida do output (bruto ou líquido), reconhecida há muito e crescentemente significativa: a variação da qualidade e/ou a introdução de novos produtos. Num contexto de variação pouco acentuada não haverá grandes problemas, a variação da qualidade e os novos produtos serão introduzidos na nova amostra para cálculo do índice de preços. Situação diferente ocorrerá quando existe rápida variação da qualidade e/ou introdução de novos produtos – o exemplo imediato é-nos dado pelas novas tecnologias de informação e comunicação, sendo neste caso muito provável que essa variação não seja refletida nos preços incluídos na amostra, com prejuízo da produtividade calculada (tecnicamente os preços hedonísticos, preços sombra, introduzidos por Griliches, pretendem atenuar este problema ao atribuir hipotéticos preços para o período anterior à entrada no mercado dos novos produtos ou qualitativamente diferentes).

10. No caso dos recursos existirão duas hipóteses:

  • utilizar indicadores monofactoriais – falamos de produtividade (aparente) do trabalho, produtividade (aparente) do capital
  • utilizar todos os factores integrados numa equação explicativa do crescimento económico (falamos da produtividade total dos factores  – PTF, referenciada acima)

De passagem, consideramos preferível a utilização da produtividade do trabalho presente, até porque são os serviços onde se concentra a maior parcela da produção, considerando que os outros fatores são fruto de trabalho passado.

(Numa nota à margem, poder-se-á demonstrar, o que não faremos aqui, que a PTF é inferior à produtividade aparente do trabalho pela parcela de substituição de trabalho por capital)

11. Finalmente damos nota que, para além do método baseado nos índices, utilizado pela generalidade dos sistemas estatísticos para medir a produtividade, foram desenvolvidos outros métodos, com recurso a uma maior sofisticação matemática e baseado no conceito fronteira de produção (microeconomia). Estes métodos, paramétricos ou não paramétricos, com origem em Farrell / Debreu, são particularmente usados no contexto dos serviços mercantis e não mercantis (nas obras referidas acima como mais apologéticas, estes métodos constituem o principal eixo de referência).

4 – Duo (1): Conceito produtividade problematizado a partir dos Serviços

12. A definição de serviço, apresentada no nº 8 da Revista, constitui o ponto de partida para a discussão da aplicação do conceito (neste ponto) e da medida (ponto seguinte) da produtividade quando estamos perante a sua produção.

Recupero-mo-la.

“Um serviço é a transformação da condição de um indivíduo, ou de um bem pertencente a qualquer agente económico, resultante da atividade de outro agente económico, por procura ou concordância do primeiro agente” (Peter Hill).

Em esquema (Jean Gadrey)

13. Desta definição resulta de imediato o curto-circuito da relação de produtividade estabelecida para os bens implicando que a avaliação da produtividade nos serviços não pode ser efetuada “como se” fossem bens.

Em esquema (J. Gadrey)

14. Não significando que seja abandonado o conceito de produtividade aplicado aos serviços, ele deve ser colocado noutro plano, expressamos as seguintes questões essenciais que diferenciam bens e serviços.

Definição do output (a questão física) – o numerador

Não temos qualquer dúvida sobre o output da indústria automóvel ou da indústria de computadores. O mesmo não sucede com muitos serviços. Poderá haver resposta, mas será consensual a resposta à pergunta sobre o output de uma empresa de consultadoria? de um banco? de uma escola? de um hospital? de um gabinete de advogados? Não parece ser razoável uma resposta do tipo “número de prestações”. A produtividade de um hospital, se existe, pode ser medida pelo número de operações? O output do sector dos transportes é o número de passageiros transportados? Dos quilómetros percorridos? Uma combinação de ambos?

A definição agrava-se quando existe identificação entre o serviço prestado e os fatores de produção, em particular o fator trabalho. É aqui que surge o célebre problema de Baumol (cost disease) que generaliza aos serviços: a produtividade de um quinteto de cordas na interpretação de uma obra de Beethoven é igual nos sécs. XIX, XX, ou XXI com simultâneo aumento dos salários reais dos músicos (mais tarde “melhora” a análise perante a parte tautológica do seu modelo distinguindo dos serviços estagnantes os assintoticamente estagnantes). Diga-se que esta tautologia, identificação entre o numerador e o denominador está presente em muitos serviços, em particular os públicos. Finalmente, podemos aproveitar este caso para acrescentar aos exemplos acima a pergunta sobre o output do “sector da cultura”. Obviamente não valerá uma resposta, afinal aquela que é dada pelas contabilidade nacionais, baseada no volume de negócios.

Qualidade e estandardização

Juntamos estas duas variáveis pela sua evidente articulação. Sendo difícil a definição do output torna-se particularmente penoso avaliar as inovações e melhorias na prestação de serviços (que já eram difíceis no caso dos bens, mas agora trata-se de novos serviços). Dois simples exemplos: o recente recenseamento da população idosa a viver isolada efetuado pela GNR vai refletir-se na “produtividade” desta instituição? na tão referida articulação entre produtividade e novas tecnologias é percebido um aumento de produtividade quando uma empresa de transportes inova através do serviço de afixação de tempos de espera das diversas carreiras?

Por outro lado, para medir a eficiência técnica é necessário que o output do enésimo serviço seja idêntico ao output do serviço enésimo -1. Ora este não é claramente o caso de muitos serviços. Percebemos duas coisas: fica evidente a ligação ao problema da qualidade enunciado antes e, por outro lado, a procura para a estandardização dos serviços, configurando o que se pode apelidar, como alguns autores o fazem, de estarmos perante a “industrialização dos serviços”.

Efeito (Outcome)

Contido na definição de serviço está o respectivo efeito. Daí que seja importante, decisiva, a distinção entre output (O) e outcome (Oc). O caso da saúde será o mais emblemático nesta distinção (a que poderíamos acrescentar os serviços de consultadoria, os serviços públicos, grande parte dos serviços pessoais). Evidentemente que não consideramos este problema resolvido pela introdução do conceito utilidade retirado do pensamento neoclássico (microeconomia). Aliás, esta transferência da “produtividade” para o lado dos consumidores contrariaria o próprio conceito de produtividade, que está colocado do lado da oferta.

Co-produção

Igualmente na definição de serviço encontramos a possibilidade dos consumidores/utilizadores participarem no processo de produção de um serviço. Esta participação conduz ao esvaziamento do conceito produtividade, neste caso em termos do fator de produção (denominador da fração). A designação de “economia self-service” (Gershuny) parte desta constatação (alguns autores introduzem em funções de produção neoclássicas para o comércio um novo fator de produção associado ao “trabalho” dos consumidores). Como quer que seja, ainda que não generalizável, esta co-produção é evidente em alguns serviços (consultadoria, advocacia, saúde, são casos exemplares) hipotecando, como dissemos pelo denominador, o conceito produtividade.

Procura / tempo de produção

Reconhecendo-se o papel determinante da procura na produção de serviços e estando a produtividade do lado da oferta, acresce uma nova variável que compromete a utilização deste conceito no caso dos serviços: a diferença entre tempo de trabalho e tempo de produção (questão amplamente discutida por Marx). Com efeito, com diminuição da procura aumenta esta diferença e, portanto, diminuição do output para um mesmo tempo de trabalho (a solução “banco de horas” criada objetivamente para fazer diminuir aquela diferença, terá validade nos serviços mais estandardizados, comércio por exemplo).

5 – Duo (2): Crítica ao cálculo do output dos serviços e, portanto, da produtividade

15. Os métodos para medir o “Volume” (produção real) de serviços produzidos varia de sector para sector e dentro do mesmo sector de país para país (não nos concentramos nesta questão, mas ela já é demonstrativa da fiabilidade das comparações).

Poderemos distinguir 4 grupos de métodos

a) baseados em indicadores físicos

Claramente o melhor método para avaliar a produtividade, relembre-se o que se disse antes sobre o cálculo da produtividade na Autoeuropa, não interferindo o problema dos índices de preços. Simplesmente, este é um método pouco adequado à maior parte dos serviços, ficando circunscrito aos exemplos de processos mais estandardizados e mensuráveis quantitativamente – transportes (passageiros x kms; toneladas x kms); banca (número de operações bancárias); telecomunicações (índice de diversos tipos de comunicações).

b) vendas (volume de negócios) deflacionadas

Tecnicamente oferece alguma garantia de avaliação do “volume” do output (vendas deflacionadas por um índice de preços) desde que seja possível construir um painel estável de serviços com identificação dos respetivos preços (não esquecendo o que se disse sobre a avaliação de volume como uma abstração) desde que:

o painel escolhido seja representativo;

os serviços selecionados são estandardizados e, portanto, qualitativamente comparáveis no tempo

Do que temos afirmado sobre a caracterização dos serviços percebemos a dificuldade destas condições serem preenchidas, sendo este o método mais utilizado.

c) valor acrescentado deflacionado

À partida diríamos da vantagem teórica deste método dado que considera o valor acrescentado e não as vendas (o serviço acrescenta valor à realidade C no esquema acima). No entanto, o processo de deflacionação, passagem do valor nominal ao “volume de forma direta ou por dupla deflacionação, é realizado com múltiplas dificuldades (que não abordaremos aqui).

d) inputs

Designamos assim o método de cálculo do output que utiliza os custos do respetivo ramo de atividade, índices de volume de emprego, ou os salários deflacionados. Como facilmente se percebe, não há qualquer mensuração do produto dos serviços prestados, logo da produtividade.

16. Vejamos alguns casos com mais pormenor que, pela sua importância no total do PIB, demonstram que o cálculo da produtividade global deve ser questionado.

Comércio

Sem fazer distinção entre o grosso e o retalho, o princípio básico que define o output desta atividade está ligado ao volume de transações considerando que o comércio tem por função principal efetuar trocas mercantis.

Para medir o output (em termos reais, o “volume”) poderemos estar confrontados com diversos critérios. Vejamos:

a) número de transações – aparentemente este critério físico seria o mais apropriado. Imediatamente se percebe o inconveniente traduzido pela diferença entre o grande número de transações de micro-objetos e o pequeno número de transações de macro-objetos;

b) volume de negócios a preços constantes (assumido como o “volume” dos objetos trocados, numa aplicação tradicional dos índices de volume) – neste critério não é medido o serviço comercial em si mas um serviço determinado pelo “volume” das trocas efetuadas, isto é, numa aproximação ao critério anterior, o valor do serviço é proporcional ao valor das trocas efetuadas;

c) margem comercial em volume (critério adotado pelo SEC 2010) – constitui uma aproximação ao método, valor acrescentado, utilizado para a indústria. A primeira nota crítica assenta na verificação que são excluídas do output comercial as compras para revenda, exatamente o “volume” dos objetos vendidos.

Do ponto de vista nominal, preços correntes, a margem comercial será um bom indicador do output comercial. O problema coloca-se quando se passa para o lado do “volume”, preços constantes e, portanto, para a avaliação da produtividade (seria necessário considerar a margem representativa de um conjunto de serviços estandardizados e afetados cada um deles de um preço de mercado, o que não é visivelmente a situação).

Vejamos um exemplo, utilizando índices, de aumento da margem (por integração de novos serviços, por exemplo) com nulo efeito na produtividade (comércio a retalho no exemplo)

Momento 0 – compras (vendas do comércio por grosso): 100

                      Vendas: 115 (margem=15)

Momento 1 – compras:100 (mesma quantidade de produtos a preços idênticos, por hipótese)

                     Vendas: 125 (margem=25 em termos nominais)

Deflacionando as vendas a  margem permanece igual a 15.

Esta situação paradoxal deriva do facto que este método ignora, por definição, os serviços prestados (assistência aos clientes, fornecimento ao domicílio, serviços pós venda, etc.) e a respetiva variação.

Ou seja, não é avaliado o real output comercial mas os fluxos de transações envolvidos nas trocas comerciais.

Bancos

Digamos que este é o sector, tal como os serviços não mercantis (analisados abaixo), em que a definição do output é convencional.

Tal como no comércio o produto da atividade bancária pode ser analisada segundo duas perspetivas:

técnica, isto é, a atividade bancária seria analisada de acordo com os actos (serviços) prestados pelos trabalhadores dos bancos (número de escrituras, gestão de contas, número de cheques compensados, etc.). Nesta perspetiva, a relação entre serviço prestado e tempo de trabalho que lhe é afetado é mensurável correspondendo ao sentido clássico de produtividade;

contabilística, isto é, utilização dos pressupostos de medida da  produção industrial na tentativa de determinar o valor acrescentado. Neste sentido o produto bancário resulta da diferença:   serviços faturados aos clientes + serviços de intermediação financeira – consumos intermédios (comissões pagas, custos gerais, etc.)

(Nota: originalmente apenas faziam parte das receitas os serviços faturados aos clientes o que gerava um valor acrescentado negativo, que era resolvido pela Contabilidade Nacional pela introdução de um ramo fictício que anulava esse valor negativo).

Daquela definição de produto resulta que não há aproximação ao conceito de produtividade mas a uma noção de rendibilidade, ou seja, o valor acrescentado calculado tem uma lógica de resultado. Daí que a consulta estatística da “produtividade bancária” transmita grandes flutuações nos resultados, ao contrário do que se passa com o sector industrial, por exemplo.

Serviços mercantis

O caso dos serviços de I&D é paradigmático das dificuldades em medir o “volume” da produção deste tipo de serviços tendo em conta as dificuldades na avaliação das quantidades e dos preços. Com efeito, tratando-se de produção contínua será o caso mais evidente em que o serviço n não é idêntico ao serviço n-1 e, portanto, onde a avaliação da produtividade, de acordo com os métodos tradicionais, não fará sentido. Acresce que, mesmo considerando o outcome (resultado) ele é, normalmente, afastado no tempo.

(a Task Force promovida pelo Eurostat recomenda a utilização dos inputs, ou seja, dos custos para avaliar o volume deste sector. Dito de outra forma, reconhece a impossibilidade de avaliar a produtividade).

O exemplo dos serviços de I&D serve naturalmente, assim pensamos, para os casos dos serviços de consultoria, engenharia, arquitetura, e outros como advocacia (lembramo-nos de citar em 1990 o caso da advocacia nos EUA apresentado como exemplo da importância dos serviços naquele país e da sua desindustrialização, dado que o seu valor acrescentado, segundo os métodos de medida utilizados, era superior ao da siderurgia).

Poderemos ainda acrescentar o domínio dos transportes (aéreo ou ferroviário) onde a recente tendência de  flutuação dos preços em função da taxa de ocupação implica, pelo menos teoricamente, a necessidade de considerar serviços diferentes dadas as condições diferentes de transporte.

Estas dificuldades na medida do output (da produtividade) não são estranhas em função da definição de serviço apresentada antes.

Serviços não mercantis (educação, saúde, Administração Pública)

O método mais utilizado pelas contabilidades nacionais é o método que designámos acima de input. Ou seja, não existindo preços neste tipo de serviços estima-se o preço que teriam a partir do respetivo custo avaliado aos preços do período anterior, acrescentando, ou não, uma margem.

O resultado é evidente. Se o volume de produção é medido a partir dos custos não é permitida a medida da produtividade: o numerador é igual ao denominador.

São conhecidos numerosos estudos sobre esta problemática tentando aplicar o método de cálculo do volume a partir das quantidades produzidas (serviços prestados), mas que genericamente concluem como  o manual do Sistema europeu de contas nacionais (SEC 2010): existe grande dificuldade de distinguir produtos homogéneos (por exemplo, no caso da saúde são conhecidos os Grupos de Diagnósticos Homogéneos, bom ponto de partida mas ainda sem impacto nas contas nacionais).

São utilizados dois critérios para equivalência dos serviços não mercantis na ausência da referida homogeneidade: custo unitário e resultado (outcome). Sem nos alongarmos, diremos que a grande parte dos estudos referidos acima é dedicada a este critério, sendo reconhecida a dificuldade  na medida do resultado perante objetivos definidos (no caso da saúde e educação, por exemplo, não é difícil perceber a ausência de unanimidade na definição de objetivos). Daí que, no momento atual, a Contabilidade Nacional renuncie à aplicação deste critério.

Tentativa “desesperada” – medir o output não pela quantidade mas pela qualidade. Ficaríamos no terreno da microeconomia (a utilidade marginal é medida pelo preço). Simplesmente, os serviços sendo não mercantis não têm preço determinado pelo mercado e não sendo determinadas com precisão as unidades não é possível conhecer o preço equivalente do mercado.

17.  Alguns dados que confirmam a problematização da medida da produtividade nos serviços (dados para Portugal, retirados das estatísticas da OCDE). As atividades de serviço incluídas representam cerca de 50% do PIB

Taxa de crescimento do Valor acrescentado bruto por hora de trabalho (preços constantes):

2000-2016 (encadeamento das variações anuais)

Indústria (incluindo energia): 46,1%

Comércio, grosso e retalho, Horeca, transporte e armazenagem: 14,9 %

Informação e Comunicação: 0,8 %

Atividades financeiras e seguros: 46,9 %

Atividades consultoria, científicas, técnicas, administrativas, serviços de apoio: – 6,4 %

Verificamos assim que o crescimento do “volume” produzido por hora de trabalho:

 foi quase nulo ou mesmo negativo em atividades onde não custa perceber, de modo empírico, a evolução técnica e a introdução crescente de novos serviços;

 foi muito reduzido (14,9% em 17 anos) em atividades sujeitas a grande concentração (comércio, armazenagem) e melhorias tecnológicas (transporte);

 foi equivalente na indústria e atividades financeiras e seguros. Mas a equivalência é aparente. O crescimento do “volume” por hora de trabalho nas atividades financeiras e seguros teve a seguinte evolução: crescimento de 100% até 2009 e elevado decréscimo a partir daí, confirmando, tal como afirmámos acima, que com os métodos atuais não  é avaliada a produtividade mas o resultado destas atividades.

6 – Final: Conclusões. Propostas

18. Concluímos:

i – em termos gerais:

  • tendo a ciência económica nascido com Adam Smith, o objeto e a medida correspondiam a um período em que o desenvolvimento da Revolução Industrial significava o incremento da riqueza das nações, ou seja, o problema era aumentar a capacidade de produção de bens materiais através da utilização crescente de novos instrumentos;
  • como tal, a produtividade é um conceito saído da Revolução Industrial e, na origem associada aos clássicos, incluindo Marx;
  • a teoria económica neoclássica dá origem ao “growth accounting”, isto é, decomposição explicativa do crescimento através da contribuição dos factores trabalho e capital, bem como da produtividade total dos factores (PTF). Não há qualquer distinção conceptual e na medida entre bens e serviços;
  • do ponto de vista da medida, a utilização de índices para avaliar o “volume de produção” não é feita sem problemas, mesmo para os bens. Transformar valores (preços x quantidades) em quantidades (deflacionando através de índices de preços) tem sido uma tarefa longe de conclusiva e agravada pela sistemática inclusão de novos produtos (inovadores ou qualitativamente distintos). A forma como é medido o “volume”, uma abstração, não permite mais do que uma aproximação à medida da produtividade.

ii – em termos específicos (serviços):

  • a consideração dos serviços como objeto autónomo e a respetiva definição faz explodir, digamos assim, a noção de output, mais facilmente identificável, apesar de tudo, em termos dos bens. Dever-se-á lembrar que a definição do output e respetiva valorização é uma construção social submetida a escolhas que dizem respeito a realidades que se pretendem avaliar.
  • para um conjunto de serviços com expressivo peso no total da produção, comércio, sector financeiro, administração pública, a medida do output e, portanto, da produtividade, são realizadas através de métodos inconsistentes para os objetivos pretendidos;
  • o “curto-circuito” estabelecido pelos serviços numa representação definida para os bens significa a necessidade de uma nova abordagem, um “pauzinho na engrenagem” do paradigma teórico e estatístico dominante, que não faça depender a criação de empregos da relação entre crescimento e produtividade, isto é, uma outra visão do progresso económico e social que não dependa exclusivamente daquela relação.

17. Poderíamos situar-mo-nos como alguns autores que colocam a interrogação sobre a obsolescência dos conceitos crescimento e produtividade. Não pensamos ser essa a alternativa porque estaríamos perante uma sociedade que não existe, isto é, estamos num mundo em que o trabalho é a origem do que se produz.

Ou seja, do ponto de vista conceptual é importante articular o conceito produtividade com outros conceitos que lhe são próximos mas que não devem ser confundidos. Para tal aproveitemos as definições apresentadas no nº 3 da Revista:

Desempenho (performance) – conceito colocado no patamar mais elevado e que significa a capacidade de uma organização “alcançar determinado número de objetivos gerais, predefinidos, relativos a dados aspetos do seu desenvolvimento” (ex. no caso de um país: crescimento do produto de x% e melhoria de y p.p. da parte do trabalho no rendimento);

Eficácia – avaliada pelo nível de alcance dos objetivos definidos, desejavelmente mensuráveis (económicos, sociológicos, ecológicos, etc.);

Eficiência – avaliada pelo nível dos objetivos conseguidos com a minimização dos recursos.

E é neste conceito que devemos fazer a distinção decisiva entre eficiência entendida do ponto de vista económico e do ponto de vista técnico.

Portanto, em conclusão

produtividade = eficiência técnica

implicando a obrigatoriedade de definir rigorosamente o output (as quantidades), o que objetivamente não é conseguido com os métodos utilizados pelas contabilidades nacionais.

Em definitivo: se a resultante de uma atividade não é associada aos actos que lhe dão origem, isto é, a processos de trabalho identificáveis, ou se depende mais de fatores externos a esses processos de trabalho do que do próprio trabalho, o conceito produtividade deve ser abolido.

(à margem, fica “resolvido” o paradoxo de Ha-Joon Chang, in: “23 coisas que nunca lhe contam sobre economia”, – um motorista sueco ganha 50 vezes mais que um motorista indiano, sendo exigido a este maior perícia)

Efetividade – medida do efeito, que pode ser positivo ou negativo. Decisivo para os serviços, distinguindo output e outcome.

3. Finalmente, duas propostas:

i – do ponto de vista da atuação política

  • (prioritário) contrariar a referência à produtividade na discussão do salário mínimo, no plano da Concertação Social (o que naturalmente implica formação sindical nesta matéria) e no plano legislativo, na tentativa de retirar a produtividade como eixo balizador. Dito de outra forma, quando se verificar a referência à produtividade deve ser perguntado: “de que produtividade se fala?”; “existe conhecimento dos problemas de medida, em particular nos serviços, reconhecidos pelas mais diversas instituições?” de modo a afirmar: “aceita-se a produtividade como integradora da discussão salarial desde que ela reflita com fiabilidade as quantidades produzidas”;
  • (importante) contrapor aos dados globais sobre produtividade a segmentação em termos de produtividade industrial e dos serviços;
  • (ainda importante) procurar, à luz dos conceitos defendidos acima, (re)discutir o QUAR, definido numa lógica top-down, onde são evidentes exatamente no topo  concepções erróneas, desde logo por ter por referência a produtividade da Administração Pública

ii – do ponto de vista da análise económica

  • com base em estudos iniciados nos finais dos anos do séc. passado, não aplicados em Portugal e que não tiveram tanto quanto sabemos sequência, desenvolver um sistema de contabilidade em tempo de trabalho;
  • incluir os serviços como “3º sector” nos esquemas de circulação do capital