Três motivos pelos quais o Estado deve cancelar os contratos de prospecção e exploração de petróleo e gás em Portugal

Artigo de Ricardo Paes Mamede.


1. Incoerência política no combate às alterações climáticas 

A utilização de combustíveis fósseis na produção de energia constitui a principal fonte de emissão de gases com efeito de estufa, que estão na base de uma subida potencialmente catastrófica da temperatura média do Planeta. É por isto que os hidrocarbonetos devem deixar de ser usados e explorados, sendo progressivamente substituídos por fontes de energia renováveis. Esta é a base do Acordo de Paris, ratificado pelo Parlamento Português em 30 de Setembro de 2016.

Ao permitir a produção de petróleo e gás no seu território, Portugal estaria a contribuir não apenas para o crescimento dos combustíveis fósseis directamente disponíveis, mas também para o prolongamento no tempo da sua viabilidade económica à escala global, por oposição às fontes de energia renováveis. O Estado português está comprometido com os objectivos europeus e mundiais de redução dos gases de efeitos de estufa. A exploração de petróleo e gás em Portugal é incompatível com esse compromisso.

2. Reduzido retorno económico

A expectativa de que Portugal possa vir a tornar-se numa potência petrolífera, resolvendo por essa via os seus desequilíbrios económicos externos, é simplesmente uma ilusão.

Os retornos para o Estado português decorrem de:

• rendas de superfície (têm um impacto irrisório no Orçamento de Estado, menos de 1M€ por campo na melhor das hipóteses);

• contrapartidas pela comercialização de petróleo e gás (entre 5% e 9% das receitas líquidas no caso das concessões do litoral alentejano – ou seja, depois de descontados os custos de produção – consoante os níveis de produção; o Estado português só começará a receber contrapartidas depois de cobertos todos os custos de investimento suportados pela empresas concessionárias);

• impostos pagos aos Estado (IRC).

Assim, dependendo do preço dos combustíveis em causa e dos custos de investimento envolvidos, poderiam decorrer vários anos até que o Estado português começasse a beneficiar da exploração de hidrocarbonetos, em proporções que seriam de qualquer forma modestas.

Tomemos como exemplo o contrato do campo Lavagante, concessionado ao consórcio ENI/GALP ao largo de Sines. Assumam-se ainda as seguintes hipóteses: seriam extraídos 8 mil barris de petróleo por dia (equivalente à média por campo de petróleo em operação em Espanha em 2016); o preço do petróleo manter-se-ia em torno dos 50 dólares por barril; a taxa de IRC é de 21% (o que pressupõe que as empresas não adoptariam tácticas de planeamento fiscal agressivo) e incide sobre o equivalente a 50% das receitas de vendas; os custos totais de investimento são apenas os que estão previstos no contrato (cerca de 31 milhões de euros, o que não é de todo garantido). Com estas hipóteses e as cláusulas previstas no contrato de concessão, o retorno anual para o Estado português ao longo de duas décadas após o início da produção não seria superior a 0,01% do PIB de 2016.

Note-se ainda que os lucros das empresas petrolíferas envolvidas, cujo capital é maioritariamente estrangeiro, seriam em larga medida expatriados. E note-se que a produção de petróleo em Portugal não teria qualquer impacto nos preços dos combustíveis no país (pois seriam sempre vendidos aos preços internacionais).

Por outro lado, caso ocorresse um acidente ambiental grave (cuja probabilidade é reduzida, mas real), o Estado português e a economia nacional poderiam ter de suportar custos avultados e perdas de receita de outras actividades económicas (turismo, pesca, etc.). Em suma, a exploração de petróleo e gás para Portugal está longe de ser um bom negócio para o país.

3. Falta de transparência na contratação das concessões

Os contratos de prospecção e exploração de petróleo em Portugal foram celebrados ao abrigo de legislação com mais de 20 anos, não acautelando princípios fundamentais que constam da legislação actualmente em vigor em Portugal e na generalidade dos países mais avançados.

Acresce que:

• as concessões foram feitas por ajuste directo (em alguns casos em vésperas de eleições);
• transitaram para novos contratantes através de meras adendas aos contratos;
• a atribuição de responsabilidade de produção a sucursais pode limitar a responsabilidade legal das concessionárias em caso de acidente;
• os processos de consulta pública foram manifestamente ignorados.

A falta de transparência em todo o processo é uma característica muito pouco salutar para o funcionamento da democracia, ainda mais em contratos nos quais os riscos do investimento e da operação são largamente assumidos pelo Estado, com retornos muito modestos e riscos reais (mesmo que diminutos).


Artigo publicado no blogue Ladrões de Bicicletas.