Artigo de Viriato Soromenho-Marques.
A recente vitória eleitoral do partido do primeiro-ministro holandês foi celebrada com entusiasmo indevido. A extrema-direita de Geert Wilders aumentou o número de deputados e, sobretudo, impôs a sua agenda de medo e xenofobia, arrastando Haia, e o resto da U.E. para um insensato conflito diplomático com a Turquia, que Erdogan usou em prol do incremento do seu poder cada vez mais excessivo. Em França, sondagens recentes revelam algo de muito inquietante: na faixa etária dos mais jovens eleitores, entre os 18 e os 24 anos, a Frente Nacional de Marine le Pen lidera com uns impressionantes 39% as preferências para o próximo voto presidencial de Abril e Maio. Por outro lado, o Brexit, como numa tragédia clássica, encaminha-se para um ponto de não-retorno, apesar de todos os avisos para o facto de que a ruptura britânica com a U.E: será um jogo de soma negativa em que todos as partes e interesses em presença perderão. Ao sair, Londres entra numa relação de “Schadenfreude” (alegria com a desgraça alheia) com o resto dos seus futuros ex-parceiros europeus. Colocando as coisas com clareza brutal: Theresa May só poderá justificar as dificuldades e perdas que os britânicos irão sofrer nos próximos meses e anos se a União Europeia se dissolver num caos de discórdia e fragmentação. E não seria absurdo que, dentro de 5 meses ou de 5 anos, isso possa vir a ocorrer. Mas, é ainda mais provável, que antes da desintegração europeia, um novo referendo escocês venha colocar um ponto final na existência de uma muito mais antiga união, o próprio Reino Unido.
Perante este cenário de erosão e fadiga crescentes, o Livro Branco da Comissão Europeia sobre o Futuro da U.E. causa-nos tanto entusiasmo na alma como os acordes do Requiem de Mozart…A CE reconhece o labirinto em que a integração europeia se perdeu e confessa a sua impotência para fazer mais do que traçar a cartografia do pântano onde nos vamos arrastando, enquanto as ameaças internas e externas se aprofundam, e o anel de caos nas nossas fronteiras mediterrânicas se consolida e alarga. Sessenta anos depois da assinatura do Tratado que instituiu a Comunidade Económica Europeia, o ambiente reinante não poderia ser mais contrário ao de uma efectiva celebração. Como foi possível tanto esforço e esperança num futuro comum terem desaguado nesta explosão de egoísmos e neste estranho governo de comité de emergência permanente, em que se transformou o Conselho Europeu? Como explicar que 8 anos de crise europeia (contados a partir de Setembro de 2008) não tivessem sido capazes de gerar uma resposta e uma liderança europeias? Como compreender que depois de uma árdua pedagogia pelos factos, como é o caso do deserto semeado pelas receitas do tratado orçamental, muitos líderes dos Estados-membros se limitem a resmungar protestos contra os diagnósticos e as terapias que apenas agravaram as patologias económico-financeiras que pretendiam combater?
Um dos problemas europeus, sem remédio aparente, é o défice de competência política e o excesso de cabotinismo que reina no fervilhar das chancelarias. A força de coesão que ainda vai segurando as partes estilhaçadas da U.E., em particular os países que partilham o euro, é a repulsa instintiva que os cidadãos sentem, com toda a razão, perante os custos inaceitáveis de um eventual colapso europeu. Às vezes imagino o desfilar espectral dos exércitos de dezenas de milhões de jovens ceifados entre 1914 e 1945 e estremeço com a possibilidade de o seu sacrifício, afinal, ter sido completamente inútil.