Artigo de Ricardo Cabral.
Esta semana soube-se que o desempenho orçamental do país foi extraordinário. O défice público mais baixo desde há 46 anos (2,06% do PIB), não obstante uma factura com juros que é das mais elevadas da zona euro. Tal performance é excelente, mas é, em parte, perigosa. Porque poderá levar a acreditar que é possível cumprir o Tratado Orçamental, quando não o é.
Isto fundamentalmente porque o desempenho orçamental depende em grande medida do desempenho externo.
Ora, em 2016, pelo quinto ano consecutivo, a balança comercial do país será superavitária. Algo que não ocorria há muitas décadas, num país cronicamente deficitário nas suas trocas com o exterior ao longo de séculos. Estaremos perante um novo Portugal “alemão”?
Tivemos muita sorte (ou algum azar, dependendo da perspectiva) e beneficiámos de algum auxílio até à data:
Primeiro, do BCE que reduziu a taxa de juro de referência para valores negativos e iniciou um importante programa de compra de dívida pública. Estas medidas do BCE tiveram um impacto positivo significativo na economia portuguesa.
Acresce que as políticas do BCE resultaram numa desvalorização do euro face a outras moedas, o que beneficiou, via exportações líquidas, a economia portuguesa.
Por outro lado, o país continua a ganhar com a queda do preço do petróleo.
Por último, toda a instabilidade que se vive em países do Médio Oriente e Norte de África, países concorrentes do sector do turismo nacional, teve um impacto positivo no sector de turismo de Portugal. O saldo da balança de turismo cresceu cerca de 2,3 pontos percentuais do PIB, entre 2008 e 2016.
Em consequência, a economia portuguesa beneficia de uma envolvente externa muito favorável.
O desempenho da balança comercial é, aliás, um dos indicadores – em conjunto com a taxa de desemprego jovem e a evolução do valor dos salários – que evidenciam a pressão austeritária a que tem estado sujeita a economia portuguesa. Entre 1776 e 2011 – 236 anos – Portugal registou 7 anos de excedentes na balança de bens, os últimos dos quais em 1941-43 (não disponho nem existem, creio, séries históricas relativas à balança comercial antes de 1953). Entre 2012 e 2016, como referido, regista 5 anos consecutivos de excedentes na balança comercial.
Por conseguinte, os portugueses presentemente vivem um momento único na História do país, um momento em que Portugal parece um “Portugal alemão”, com excedentes recorrentes na frente externa.
Mas, como revela a Figura abaixo, esse excedente da balança comercial é “comido” pelos juros e dividendos pagos ao exterior anualmente, que resulta numa balança de rendimento primário deficitária.
Assim, o bom desempenho das contas externas – que se deve também (ou, mesmo, sobretudo) ao esforço de contenção imposto à economia pela “brutal” travagem da procura interna (consumo e investimento) nas últimas duas décadas – não é utilizado para promover o desenvolvimento do país e as condições de vida dos portugueses.
As operações recentes e em curso, como por exemplo, a emissão de dívida subordinada do BPI e da CGD, ou a venda do Novo Banco à Lone Star, contribuirão para agravar o endividamento líquido do país – particularmente, no caso do Novo Banco) – e, o défice da balança do rendimento primário.
Na actual situação, o excedente em duas outras pequenas balanças da balança corrente e de capital (balança de rendimento secundário e balança de capital), permite-nos reduzir muito lentamente o nível da dívida externa. Mas se a taxa de juro ou a taxa de crescimento económico do país subir, o excedente externo deixará de ser suficiente para manter o equilíbrio na frente externa e, provavelmente, o país voltaria a ver o seu endividamento ao exterior a crescer.
Se (quando) isso ocorrer, o défice público teria tendência a aumentar em termos absolutos porque as necessidades de financiamento do país são a soma contabilística das necessidades de financiamento do sector público e privado.
É, portanto, necessário aproveitar a actual envolvente externa favorável para adoptar medidas de médio e de longo prazo, que permitam, de uma vez por todas, deixar para trás a estagnação das últimas duas décadas…
Publicado no blogue Tudo Menos Economia.