Artigo de João Ramos de Almeida.
Faz-me confusão que o Estado pague a todas as empresas para que paguem o salário mínimo.
Primeiro, porque não se trata de uma regalia: trata-se de dignificar o Trabalho, impedindo que haja pessoas que, apesar de trabalhar, sejam pobres.
Segundo, nunca se deveria dar a ideia – às empresas – de que é possível usar a TSU para negociar medidas avulsas e sem que haja alguma prova consistente de que descontos na TSU favoreçam o emprego. As contribuições para a Segurança Social deveriam ser sagradas. Ainda para mais aumentando o apoio dado em 2016, de 0,75 para 1,25 pontos percentuais na TSU patronal de 23,75%, e de forma generalizada, incluindo grandes grupos económicos.
Se em 2016, por cada 25 euros de aumento do salário mínimo (de 505 para 530 euros), o desconto feito foi de 3,9 euros (15,6% do aumento ou 12,8% da massa salarial correspondente), para o aumento que vem para o ano de 27 euros (de 530 para 557 euros), o Estado vai pagar 6,96 euros (ou seja, 24,7% dele ou 20,8% da massa salarial correspondente).
É como se, por um lado, fosse normal criar uma “condição de recursos” para beneficiários sociais, dada a escassez de recursos financeiros da Segurança Social, obrigando-os a provar que não têm dinheito nas contas bancárias nem património; e, por outro, se isente dessa “burocracia” as empresas. Deve ter algo a ver com aquilo que o Presidente da República disse em relação ao acordo: “Quem é que faz o investimento? Os empresários. Portanto tem de haver uma compensação, uma contrapartida, a pensar nos empresários”. Ora, que coisa! E os trabalhadores são os beneficiários das empresas?!
Deu para perceber que o ministro do Trabalho José António Vieira da Silva gostaria de não ter de apoiar quem não precisa. Mas o intuito de fechar antes do final do ano um acordo sobre o salário mínimo – consonante com o acordo político – deve tê-lo colocado em estado de necessidade. A ponto do ministro dos Negócios Estrangeiros o ter felicitado naquela forma desabrida. Disse Vieira da Silva, na entrevista que deu ao jornal online Eco: (15:18): “Há sectores da economia que terão mais dificuldades que outros em encaixar este acréscimo de responsabilidades salariais. E nesse sentido tem alguma racionalidade que haja um esforço colectivo que auxilie essas empresas a melhor encaixarem esse acréscimo. Poder-me-á dizer: ‘Não são todas as empresas’. É verdade que não são. Mas estas medidas têm sempre esta natureza. Se pudéssemos isolar de forma matemática, científica, esta e aquela empresa que têm mais dificuldade e apoiá-las, a outras que têm menos… Poderá no futuro haver um modelo que se aproxime dessa…” A ideia é os apoios públicos estarem ligados às habilitações literárias do trabalhador. A medida agora aprovada era uma forma de “integrar sectores com dificuldades em integração no mercado de trabalho”.
Ora, a redução da TSU patronal para todas os trabalhadores a receber salário mínimo e mesmo aqueles que recebam outras remunerações até 700 euros, está longe desse universo de “empresas em dificuldade”.
![Quadros de Pessoal, 2012](https://criticaeconomica.net/wp-content/uploads/2017/01/smn3.png)
Quadros de Pessoal, 2012
Não há dados oficiais públicos divulgados que permitam fazer contas. Mas em 2012, os Quadros de Pessoal das empresas – usados pelo Observatório sobre Crises e Alternativas para a elaboração de um estudo sobre o SMN – mostravam que não eram apenas as micro empresas as que usavam pessoal com salário mínimo. É de admitir que, com o aumento para 557 euros, a Segurança Social receberá mais do que perde (e não perde nada porque o Estado vai pagar o desconto). Mas percebe-se que muitas médias e grandes empresas beneficiarão do apoio do Estado. Possivelmente, serão poucas dezenas de milhões de euros, mas são milhões de euros!
Se o Governo não quer criar uma “condição de recursos” para as empresas, talvez possa afunilar este apoio apenas às empresas até certa dimensão. Era o mínimo.
Artigo publicado no blogue Ladrões de Bicicletas.