Artigo de Ricardo Cabral.
O processo de “reprivatização” do Novo Banco (NB) – inicialmente anunciado para um prazo de 6 meses, mas que se arrasta já há dois anos e meio – tem resultado numa polémica crescente.
O Público informa que o comprador que oferece mais – o fundo de “private equity” Lone Star, que tipicamente realiza “investimentos” em imobiliário – exige contra-garantias de 2,5 mil milhões de euros, oferecendo-se para pagar 700 milhões de euros pelo NB. Tal, na prática, significaria que, uma vez concedidas essas contra-garantias, o Fundo Lone Star teria um incentivo a tudo fazer, no enquadramento legal e contratual vigente, para exercer plenamente essas garantias. Por conseguinte, a confirmarem-se tais valores, perspectiva-se um valor de venda líquido próximo de menos 2 mil milhões de euros para um banco com um valor patrimonial declarado de quase mais 6 mil milhões de euros.
Em parte, em consequência destes factos, vários comentadores têm-se manifestado a favor da nacionalização do NB. Parece-me também que será esta a melhor opção.
Em termos de activos líquidos, o NB é o terceiro maior banco do país. De acordo com apresentação do próprio NB, o banco apresenta uma quota de mercado de 20,2% no crédito a empresas, tendo como clientes 83% das grandes empresas e 79% das PME’s. É, por isso, um banco com importância sistémica para o País: se o banco fosse liquidado, essas empresas teriam grande dificuldade em encontrar financiamento alternativo junto da restante banca, podendo ficar em causa a viabilidade económica e financeira de muitas dessas empresas, além das consequências para famílias e para a actividade económica. Por conseguinte a “liquidação ordeira” do NB – referida numa comunicação do Governo à Comissão Europeia –, cujo enquadramento legal nem sequer existe, teria consequências desastrosas para o tecido empresarial e para a economia portuguesa. Seria, afigura-se, dizer adeus ao crescimento económico a que Presidente, Governo e Povo aspiram…
A directiva europeia 2014/59/EU sobre resolução e recuperação bancária (BRRD) prevê a possibilidade de nacionalização completa (artigo 58), a recapitalização pública (artigo 57), ou ainda de outras ferramentas de estabilização financeira pelo Estado (artigo 56) como, por exemplo, a concessão de garantias públicas, de um banco com importância sistémica, ao qual seja aplicada a medida de resolução.
A condição fundamental para que tais medidas possam ser implementadas é que tenham previamente sido impostas perdas a accionistas, credores subordinados e credores seniores equivalentes a pelo menos 8% dos passivos totais (Artigo 37). Ora, tal ocorreu durante a aplicação da medida de resolução ao BES/Novo Banco entre 3 de Agosto de 2014 e 29 de Dezembro de 2015, com a imposição de perdas a accionistas, credores subordinados e credores seniores. Essa intervenção pública estaria sujeita às regras de ajuda de Estado da União Europeia, requerendo aprovação prévia e final pela Comissão Europeia.
A nacionalização seria temporária, mas o artigo 57º da directiva não impõe quaisquer prazos para venda do banco nacionalizado, ocorrendo a venda logo que as “condições comerciais e financeiras o permitam”. Melhor do que nada. E como vemos do exemplo da Inglaterra e da Holanda, onde os bancos nacionalizados durante a crise financeira internacional da década passada continuam a ser públicos, o conceito de temporário, para Estados, é muito relativo.
Acresce que face às fragilidades dessa directiva europeia, vigora, na prática, uma leitura fluída e criativa da mesma: atente-se, por exemplo, à recapitalização “precaucionária” recente do banco Monte dei Paschi di Siena pelo Governo italiano, um banco que, em termos relativos é de menor dimensão que o Novo Banco. Nessa recapitalização pública não parecem ter sido observados os requisitos que obrigam à imposição de perdas de 8% dos passivos a accionistas e credores.
O fundamental na presente situação para a economia portuguesa é, em meu entender, estabilizar o sistema bancário nacional e o Novo Banco, em particular, assegurando que o crédito concedido ao sector privado comece a crescer, terminando a longa contracção que se regista desde 2008 e que parece ter acelerado no último ano.
Artigo publicado no blogue Tudo Menos Economia.