O que resta?

Artigo de Pedro Adão e Silva.


Para onde quer que olhemos no mundo ocidental, assistimos a um recuo eleitoral dos partidos que governaram no pós-guerra, acompanhado do crescimento de novos fenómenos políticos. Trump nos EUA, o Podemos em Espanha, a FN em França, o 5 Stelle em Itália ou o Brexit no Reino Unido estão longe de ser epifenómenos.

Em importante medida, o crescimento das novas formações fez-se à custa do declínio eleitoral dos partidos social-democratas. O politólogo Simon Hix publicou há semanas um conjunto de gráficos elucidativos: analisando as votações do Labour e do SPD, é possível identificar tendências semelhantes. Ambos os partidos ganharam peso eleitoral a partir da década de 20 e atingiram o seu pico no pós-guerra. O Labour com votações acima dos 40% entre meados dos 40 e meados dos 60 e o SPD um pouco mais tarde, entre a década de 60 e os noventa. Desde então, mesmo com vitórias eleitorais, tem-se assistido a um declínio em percentagem de votantes, num contexto em que o número total de eleitores também regride. O Labour tem hoje cerca de 30% dos votos e o SPD pouco mais de 20%. Em Portugal, uma série longa dos resultados do PS desde a transição para a democracia revela também um declínio da sua representatividade. O PS não escapa à tendência e, não por acaso, é hoje Governo após um resultado eleitoral curto.

O economista de Harvard Dani Rodrick tem oferecido uma explicação coerente para o declínio dos partidos social-democratas, ao mesmo tempo que sugere alguns princípios que podem tornar uma recuperação política viável. Num artigo recente – “A abdicação da esquerda” –, sublinha que a crise de legitimidade das elites e o enfraquecimento dos partidos centristas são consequências expectáveis da híper-globalização do comércio e das finanças e de como, neste processo, as instituições reguladoras se revelaram impotentes. Com consequências: reemergem clivagens sociais entretanto desaparecidas e as sociedades democráticas passam a mover-se a ressentimento.

Há um paradoxo neste processo. No passado, o acentuar de clivagens de classe, entre qualificados e não qualificados, que se traduzem em disparidades salariais, tendiam a favorecer o crescimento eleitoral dos partidos de centro-esquerda. Hoje, deixou de ser assim. Os perdedores da globalização não votam na esquerda tradicional, preferindo partidos ou protagonistas excêntricos, desde que se apresentem com a dose adequada de nacionalismo, populismo e revolta contra o status quo.

É, por isso, tudo menos conjuntural o declínio político do Labour e do SPD, que é acompanhado pelos socialistas portugueses. Resta saber por que razão tem a esquerda sido incapaz de articular uma resposta política aos desafios da globalização e em que base programática pode assentar essa resposta.

Ao contrário do passado, a social-democracia deixou de apresentar uma plataforma política coerente face aos novos desafios e, pelo caminho, deixou de ser maioritária. A asserção, aliás, é válida também para os partidos democratas-cristãos – muitos deles transfiguraram-se, viraram à direita e são hoje formações neoliberais.

No essencial, é este contexto de declínio do centro-esquerda e do centro-direita que explica que, apesar de termos em Portugal um governo liderado pelo PS, este resulte de uma derrota e assente numa maioria parlamentar inédita.

As causas para este enfraquecimento da social-democracia estão bem enraizadas e não é líquido que possam ser ultrapassadas. A combinação de transformações demográficas (envelhecimento) com mudanças culturais (multiculturalismo) e nas economias políticas (pós-industrialização) das sociedades ocidentais tornou as respostas clássicas desadequadas.

Não quer dizer que as prioridades do passado estejam ultrapassadas. Pelo contrário: a social-democracia definhou quando abdicou do combate ao conjunto das desigualdades, designadamente as que se formam no mercado de trabalho, dando prioridade à resposta às formas mais severas de pobreza; quando aceitou que as escolhas individuais se sobrepõem a uma ideia comunitária; ou no momento em que os líderes políticos trocaram a austeridade moral que caraterizava as referências do passado por um deslumbramento novo-rico com o exercício do poder e as suas benesses. Acima de tudo, começou a perder quando capitulou perante o fundamentalismo de mercado e tolerou o crescimento desregulado da mobilidade de capitais financeiros.

A dificuldade, hoje, está em encontrar um programa realista e coerente que possa recuperar, com novas políticas, as prioridades do passado.

Regresso a Dani Rodrick e ao elenco de ideias que podem responder ao vazio programático – as propostas de Piketty e Atkinson para promover a igualdade de rendimentos; as de Mazzucato e Chang para recuperar o papel do Estado como promotor da inovação industrial; as de Admati e Johnson para reformar o sistema bancário; as de Summers e deLong para incentivar o investimento público sustentável; as de Stiglitz e Ocampo para institucionalizar novas formas globais de regulação.

Ideias não faltam. Resta saber se há capacidade para a tarefa hercúlea que é articular interesses sociais para que a social-democracia se renove politicamente, de forma a retomar o seu papel histórico: contrariar as clivagens sociais, que fazem do ressentimento uma arma política, e recuperar um espírito comunitário, com políticas que reforcem a pertença social, cultural e política.