Artigo de Francisco Louçã.
Passos Coelho e Assunção Cristas, que impuseram um imposto de selo de 1% sobre os patrimónios de um milhão ou mais, estão revoltados pela possibilidade de haver uma pequena taxa (será de 1%?) para patrimónios imobiliários de um milhão ou mais. Que o investimento foge, que é um novo PREC, que os proprietários choram, que a riqueza é um bem nacional e que nada de ofender os milionários que os pobres precisam deles, tem-se ouvido as alegações mais divertidas. Que é a Coreia no Norte, que é o comunismo, que é o reino dos invejosos, que aquela devia ser internada num hospício, temos de tudo.
Tudo magníficos argumentos, que já aqui elenquei há dias.
Mas o melhor deles todos é que não pode haver aumento dos impostos. Só que não foi sempre assim, pois não? O gráfico seguinte mostra o aumento de impostos de Passos Coelho e Assunção Cristas no último ano do seu governo (já tinham aumentado todos os anos anteriores, subindo sempre a parada) e compara-o com o aumento de impostos de António Costa (os montantes das receitas fiscais são abatidos do efeito das variações do PIB, para uma comparação mais verdadeira). Os números são conclusivos, não são? Passos e Cristas, viciados em aumentos de impostos enquanto governantes, sabem do que falam.
Reparem os leitores noutras diferenças: ao mesmo tempo que aumentavam o IRS e outros impostos (sobre o património imobiliário, por exemplo), Passos e Cristas reduziram os salários e pensões, reduziram a indemnização e o subsídio de desemprego, e outras malfeitorias. Costa, pelo contrário, descongelou as pensões, restituiu salários, reduziu o IRS, reduziu a taxa do IVA para a restauração, reduziu o IMI (diminuiu a taxa máxima e manteve a cláusula de salvaguarda para o aumento do IMI por via da reavaliação).
O segundo gráfico diz-nos com um pouco mais de detalhe onde foi o governo Costa buscar o dinheiro. Diminuiu o IRS (porque anulou a sobretaxa para a maioria), aumenta a receita do IVA (as taxas mantiveram-se, só a da restauração é que foi reduzida, mas cresceu a actividade económica porque há mais confiança e um pouco mais de rendimentos) e, sobretudo, aumentou o imposto sobre os combustíveis. Este último tem um efeito negativo na vida económica. Mas é preferível a aumentar o IRS ou o IVA, o que o governo aliás não pode fazer em função dos acordos com a esquerda.
Num país que continua a pagar oito mil milhões de euros de juros de dívida pública, a uma taxa que é pelo menos o triplo do crescimento da nossa economia, e que está subordinado à restrição absurda de Bruxelas, a política orçamental é quase impossível: para conseguir alguns milhões para um aumento das pensões mais pobres, é preciso aumentar as receitas tributárias – ou despedir enfermeiras, ou professores, ou polícias, ou privatizar a CGD. A direita fez sempre escolhas no segundo campo, este governo só pode procurar soluções no primeiro.
O debate acerca deste exemplo do imposto sobre o património milionário é mesmo sobre isso: pode ou não o governo conseguir as receitas necessárias para um pequeno aumento das pensões dos reformados mais pobres.
Esse debate começou como começou, e mal, mas adivinho que vá terminar rapidamente, bastará uma sondagem sobre o novo imposto. Para o governo este caso torna-se então uma grande vantagem, pois a direita criou a si própria a pior das armadilhas: concentrou o debate do Orçamento, antes mesmo de o conhecer, na medida fiscal mais popular que o governo pode tomar.
Artigo publicado no blogue Tudo Menos Economia