O combate à evasão fiscal e contributiva à Segurança Social é fundamental mas o veto do presidente só o dificulta

Artigo de Eugénio Rosa.


O combate à evasão e fraude fiscal, assim como à evasão e fraude contributiva à Segurança Social continua a ser fundamental em Portugal para que a justiça fiscal e contributiva aumentem, para garantir a sustentabilidade do Estado e da Segurança Social, e para que as desigualdades diminuem. E tudo isto torna-se ainda mais necessário numa altura em que a pressão e chantagem da Comissão Europeia, aliada à direita interna, para reduzir o défice está a aumentar de uma forma significativa.  E aquele combate continua a revelar-se manifestamente insuficiente, apesar de algumas melhorias verificadas em certas áreas como a fiscal mas não a nível da Segurança Social, o que tem determinada a perda de elevada receita fiscal e de enorme receita contributiva à Segurança Social.

A EVASÃO/FRAUDE FISCAL CONTINUA A SER ENORME EM PORTUGAL

Embora não existem dados oficiais sobre a evasão e fraude fiscal, no entanto esta continua a ser enorme em Portugal. Para concluir isso, basta fazer algumas estimativas, utilizando os próprios dados oficiais.

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Para o período 2006- 2015, obtém-se 95.024 milhões €, um valor enorme que, embora indicativo, dá bem uma dimensão da evasão e fraude fiscal em Portugal. O método utilizado para estimar este valor foi o de calcular a diferença em milhões € de PIB entre os impostos pagos em Portugal e os que deviam ser pagos atendendo ao nível de desenvolvimento do país em comparação com os 28 países da União Europeia (59,9% da média da U.E.).

O valor obtido é, como se referiu, uma estimativa indicativa da dimensão da evasão e fraude fiscal no nosso país que é enorme (95.024 milhões € no período 2006-2015). E embora os valores anuais pareçam revelar um decréscimo acentuado durante alguns anos (entre 2006 e 2013, passa de 12.242 milhões € para 3.946 milhões €), essa tendência decrescente foi obtida principalmente através de um enorme aumento de impostos sobre aqueles que proporcionalmente pagavam já mais – trabalhadores e pensionistas – e não daqueles que fogem ao pagamento de impostos. E isto apesar da melhoria verificada na eficácia da Administração Fiscal poder ter contribuído também para isso. No entanto, nos dois últimos anos, aquela tendência decrescente parece começar a inverter-se o que deve revelar que os instrumentos já não são suficientes para o combate à evasão e fraude fiscal, sendo necessário utilizar instrumentos mais eficazes. Na verdade, um verdadeiro combate ainda não foi feito à evasão e fraude fiscal no nosso país, o que é confirmado pela enorme carga fiscal que continua a incidir sobre os rendimentos do trabalho e pensões, poupando os outros rendimento.

UMA ESTIMATIVA DA EVASÃO E FRAUDE CONTRIBUTIVA À SEGURANÇA SOCIAL

Mas a evasão e a fraude não se limitam apenas aos impostos. Elas também se verificam em larga escala a nível de contribuições para a Segurança Social. Também aqui não existem dados oficiais sobre a evasão e fraude contributiva, por isso tivemos de fazer estimativas utilizando também os dados oficiais disponíveis. Os resultados obtidos constam do quadro 2.

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O método utilizado foi o seguinte. Pegou-se nos valores de “Ordenados e salários” divulgados pelo INE e deduziu-se a parcela que não desconta para a Segurança Social (parte da Função Pública e outros trabalhadores que continuam a descontar para fundos de pensões). E ao valor obtido aplicou-se a taxa de 34,75% (11% desconto dos trabalhadores e 23,75% das empresas) e assim se obteve o valor que devia ser cobrado pela Segurança Social, e comparou-se este valor com o efetivamente cobrado. E a conclusão que se tira é a seguinte: no período 2000-2015, portanto em 16 anos, a Segurança Social perdeu receitas no valor de 53.119 milhões, o que agravou as dificuldades de sustentabilidade da Segurança Social e serviu de justificação para cortar e congelar as pensões.

Mesmo com o atual governo, pouco ou mesmo muito pouco, está a ser feito para inverter esta situação. Para concluir isso basta ter presente que existem a nível do país mais de 2,3 milhões processos de divida e que o número de trabalhadores afetos à recuperação da enorme divida à Segurança Social – mais de 10.200 milhões € já em 2014 – após a destruição da Administração Pública levada a cabo pelo governo do PSD/CDS é inferior a 145, o que dá cerca de 16.000 processos por trabalhador.  Por ex., a Segurança Social de Braga, onde existem mais de 200.000 processos de divida, tem apenas 8 trabalhadores afetos a essa tarefa. É evidente que com tal carga de processos por trabalhador, muitas centenas de milhões de euros de receita são perdidos anualmente devido a prescrições. Como consequência da degradação a que chegaram os serviços de cobrança da divida declarada à Segurança Social, o combate à evasão e fraude contributiva (divida não declarada pelas empresas) é ainda manifestamente insuficiente. E continuam a não ser tomadas medidas adequadas para inverter a situação.

O VETO DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA À LEI DO GOVERNO SÓ CONTRIBUI PARA DIFICULTAR AINDA MAIS O COMBATE À EVASÃO E FRAUDE FISCAL

O acesso da Administração Fiscal às contas bancárias dos contribuintes com saldos superiores a 50.000 €, à semelhança do que já se verifica em vários países das União Europeia, constituía um instrumento importante no combate à evasão e fraude fiscal, e para implementar uma maior justiça fiscal. O argumento de devassa utilizado por muitos comentadores de acesso fácil aos media, assim como a justificação utilizada pelo presidente da República – inoportunidade politica já que esse acesso poderia por em risco a confiança dos depositantes no sistema bancário – é ainda mais insólito se tiver presente o numero reduzido de contribuintes que seriam atingidos por tal medida, como revela o Fundo de Garantia de Depósitos Bancários no seu ultimo relatório disponível (de 2014).

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Este quadro consta da pág. 16 do Relatório do Fundo de Garantia de Depósitos de 2014 (o último disponível). Como rapidamente se conclui a concentração dos depósitos bancários em Portugal é muito elevada: 82,5% dos depositantes tem depósitos iguais ou inferiores a 10.000€, os quais representam apenas 14,6% do montante total dos depósitos (23.750 milhões €), enquanto 1,2% dos depositantes possui 38,2% do montante dos depósitos dos bancos referidos no Relatório (62.143 milões €). Os depositantes com mais de 50.000€ – aqueles cujos saldos deviam ser comunicados anualmente à Administração Fiscal, de acordo com a lei aprovada pelo governo – correspondem apenas a 3,3% do total de depositantes mas possuem 53,3% dos depósitos (86.709 milhões €).

Esta é a realidade e são estes que se sentem incomodados com a informação que seria prestada a Administração Fiscal dos saldos das suas contas, pois 96,7% dos depositantes não são abrangidos pela lei aprovada pelo governo. Portanto, aqueles que na comunicação social ou fora dela, se arvoraram contra aquilo que dizem ser a “devassa da vida privada” ou “espiolhar das contas bancárias”, é bom que saibam que o que estão a defender é a opacidade como muitos (certamente não a maioria, pois como diz o ditado popular, “quem não deve não teme”) dos 3,3% dos depositantes de bancos que conseguiram acumular elevadas fortunas, muitas vezes não pagando os impostos devidos, o que  obriga milhões de trabalhadores e de pensionistas, que não fogem ao pagamento de impostos, a pagar não só os seus impostos mas também a parte daqueles que, aproveitando a opacidade existente, fogem às suas obrigações como cidadãos deste país.

POR QUE RAZÃO O ACESSO DA ADMINISTRAÇÃO FISCAL AOS SALDOS DAS CONTAS BANCÁRIAS É FUNDAMENTAL NO COMBATE À EVASÃO E FRAUDE FISCAL

Por ignorância ou com o intuito deliberado de impedir um combate eficaz à evasão e fraude fiscal, muitos dos comentadores que tem acesso fácil e garantido aos órgãos de comunicação social (ex.: Marques Mendes, Miguel Sousa Tavares, etc.) afirmam, sem haver possibilidades de contraditório (assim vão os media em Portugal, de apenas uma voz) que o acesso automático da Administração Fiscal à informação dos contribuintes com saldos bancários superiores a 50.000€ é uma pura devassa da vida privada, pois isso não é necessário já que, quando há suspeitas de fuga aos impostos, a Autoridade Tributária tem o direito, por lei, de aceder às contas bancárias do contribuinte que suspeita que violou a lei.

No entanto, todos estes comentadores ignoram, ou por desconhecimento ou intencionalmente, que essa deteção pela Autoridade Tributária é extremamente difícil, tem resultados reduzidos, se não tiver a possibilidade de cruzar os dados dos rendimentos declarados pelos contribuintes com dados da evolução verificada na sua fortuna. E um dado fundamental no combate à fraude e evasão fiscal é precisamente a variação dos saldos das contas bancárias. Se a Administração Fiscal tiver conhecimento de uma variação significativa nos depósitos bancários dos contribuintes, isso funciona como um sinal de alerta, que a levará depois a analisar as declarações de rendimentos entregues por esses contribuintes, para saber se a variação verificada nos depósitos bancários tem suporte nos rendimentos declarados por esses contribuintes. E se não tiver deverá pedir esclarecimentos aos contribuintes. É evidente que é um combate mais orientado à evasão e fraude e certamente muito mais eficaz já que incidiria sobre todas as situações que devem ser esclarecidas.

Atualmente a Administração Fiscal só pode aceder às contas bancárias dos contribuintes se tiver já em sua posse dados concretos que permitam concluir que há suspeita fundamentada do contribuinte ter praticado fraude e evasão fiscal. Sem esses indícios seguros esse acesso não é possível. E isto porque o artigo 63.º-B da Lei Geral Tributária, que trata do acesso a informações e a documentos bancários dispõe textualmente o seguinte: “ A administração tributária tem o poder de aceder a todas as informações ou documentos bancários: a) Quando existam indícios da prática de crime em matéria tributária; (b) Quando se verifiquem indícios da falta de veracidade do declarado ou esteja em falta declaração legalmente exigível; (c) Quando se verifiquem indícios da existência de acréscimos de património não justificados, nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º; (d) Quando se trate da verificação de conformidade de documentos de suporte de registos contabilísticos dos sujeitos passivos de IRS e IRC que se encontrem sujeitos a contabilidade organizada ou dos sujeitos passivos de IVA que tenham optado pelo regime de IVA de caixa; (Redação do Decreto-Lei n.º 71/2013, de 30 de maio); (e) Quando exista a necessidade de controlar os pressupostos de regimes fiscais privilegiados de que o contribuinte usufrua; (f) Quando se verifique a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável, nos termos do artigo 88.º, e, em geral, quando estejam verificados os pressupostos para o recurso a uma avaliação indirecta; (g) Quando se verifique a existência comprovada de dívidas à administração fiscal ou à segurança social; (h) Quando se trate de informações solicitadas nos termos de acordos ou convenções internacionais em matéria fiscal a que o Estado português esteja” vinculado”. Portanto, atualmente só nestas situações é que a Administração Fiscal pode aceder às contas bancárias dos contribuintes e não da forma como os comentadores com acesso fácil aos media afirmam com o objetivo de enganar e manipular a opinião pública.

Esperar que em mais de 5 milhões de contribuintes, a Administração Fiscal possa, sem  instrumentos de pesquisa automática (e para isso é necessário ter acesso à informação necessária, daí a justificação para poder ter acesso aos saldos das contas bancárias dos contribuintes com mais de 50.000€), detetar os que fogem deliberadamente ao pagamento de impostos, é reduzir significativamente a sua eficácia; é, no fundo e objetivamente, proteger aqueles que fogem deliberadamente ao pagamento de impostos, obrigando milhões de trabalhadores e pensionistas a pagar não só os seus impostos mas também a parte daqueles que fogem ao fisco. É sobre isto que deviam refletir aqueles que, com emoção e desconhecendo a realidade, se opõem a esta medida. Para além de tudo, o saber que as contas bancárias com saldos elevados seriam comunicados a Administração Fiscal, isso teria um poderoso efeito dissuasivo à fuga ao pagamento de impostos, à semelhança do que aconteceu com e-fatura. É evidente que este controlo podia ser aperfeiçoado ainda de forma a dar maior tranquilidade aos contribuintes que não fogem aos impostos, por ex. permitindo o acesso apenas àqueles em que se verificam nos saldos bancários variações significativas, cuja seleção poderia ser feito de uma forma automática por meio de um algoritmo.

É evidente também que o veto do presidente da República dificulta esse combate tão necessário à evasão e fiscal. Vamos ver se o atual governo tem a firmeza necessária para ultrapassar mais este obstáculo à implementação de uma maior justiça fiscal no nosso país, e indispensável também para garantir a sustentabilidade do próprio Estado, nomeadamente à realização das suas funções sociais (saúde, educação e segurança social).