Da ópera bufa em torno da tributação do imobiliário

Artigo de Nuno Serra.


No dia em que se soube que fomos o país da OCDE que em 2015 mais agravou a tributação dos salários baixos e uns dias depois de se confirmar que as desigualdades se agravaram acima da média europeia nos anos do «ajustamento», Vasco Carvalho Marques considera, em artigo no Dinheiro Vivo a propósito da tributação sobre o património, que «este país não é para ricos».

É verdade que Carvalho Marques até concorda que «a tributação sobre os rendimentos do trabalho em Portugal passou há muito os limites do razoável», tratando contudo de propor, logo a seguir, uma eliminação definitiva da sobretaxa de IRS «em todos os escalões». Tal como é verdade que o autor reconhece que «um “trade off”» entre a tributação do rendimento e do património «poderá conduzir a um maior equilíbrio entre contribuintes», tratando contudo de alertar, logo a seguir, para os perigos de mexer nestas coisas.

Partindo dessa linha de prudência, Carvalho Marques considera que o fundamental é que o legislador – antes de proceder a quaisquer alterações na tributação sobre o património – compare «os impostos aplicados ao imobiliário nos países que connosco competem», como «a Espanha e Grécia, mas também a Croácia ou Chipre». Boa ideia, comparemos então:

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Pois é. Como o Tiago Antunes já tinha demonstrado aqui, em termos de tributação do imobiliário Portugal não só se encontra abaixo da média dos países da UE considerados como é o «mais competitivo» no conjunto de países com que deve, segundo Carvalho Marques, comparar-se (e que, por acaso, até se situam acima da média). Ou seja, em matéria de fiscalidade comparativa, há bastante margem de manobra e não corremos por isso o risco de afugentar o investimento estrangeiro no setor imobiliário português.

Carvalho Marques não o refere, mas há ainda um outro aspeto que poderia dissuadir «o legislador» de aumentar a tributação sobre o património, nos moldes genéricos em que esse aumento tem sido discutido. De facto, a ideia de que a carga fiscal é determinante nas opções dos investidores é manifestamente redutora. Um país até pode ter um nível de tributação muito elevado, mas se os preços das casas forem competitivos, esse nível de tributação torna-se ainda mais irrelevante. Dito isto, como se posiciona Portugal no mercado em que se movem os seus concorrentes? Ora vejamos:

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Mais uma vez, as preocupações carecem de fundamento. No conjunto de países considerados, de acordo com a Global Property Guide, Portugal é o segundo com valores mais baixos em termos de preço de casas por metro quadrado, assumindo os seus «concorrentes» diretos valores mais elevados. Pelo que não estranha que a imprensa internacional sinalize Portugal como um dos países mais apetecíveis para investir e comprar casa. E isto sem falar das singularidades e fatores imateriais comparativos (como o clima, a gastronomia, as praias ou a segurança), que tendem a não encaixar bem nos cálculos das folha de excel.

Estes dois elementos – nível de fiscalidade e preço das habitações – ajudam portanto a esvaziar o alvoroço artificial a que temos assistido nos últimos dias. Um alvoroço que faz lembrar, pelo seu défice de realidade e bom senso, a histeria em torno dos contratos de associação. Não por acaso, aliás – e o João Rodrigues já o disse aqui – ouviram-se novamente referências a um novo PREC, a um radicalismo de esquerda desenfreado, a uma sovietização em curso e demais epítetos que se usam quando outros argumentos, minimamente sustentáveis, escasseiam.


Artigo publicado no blogue Ladrões de Bicicletas.