Artigo de Ricardo Paes Mamede.
A economia portuguesa é sempre afectada pela evolução da economia internacional. Assim, a persistência de factores como a fragilidade do sistema financeiro internacional, os elevados níveis de endividamento privado e público, e o fraco crescimento da procura mundial – que têm originado revisões sucessivas de previsões das instituições internacionais para o crescimento económico global em 2016 – não poderiam deixar de influenciar negativamente o que por cá se passa.
No entanto, há alguns factores que afectam de modo particularmente relevante a economia portuguesa. Eis cinco factores que me parecem fundamentais ter em conta:
1. Petróleo
A redução das exportações do petróleo ao longo do primeiro semestre deste ano são responsáveis por quase o dobro da queda das exportações de bens em valor. Há três factores principais que explicam esta quebra: i) a redução da procura e do preço internacional do petróleo (de uma média de 58 dólares para 40 dólares por barril), devida à redução da actividade económica e do comércio internacional (principalmente nos países asiáticos) e ii) a paralisação temporária da refinaria da GALP em Sines.
As questões relacionadas com o petróleo têm um impacto negativo relevante no total das exportações nacionais, mas também nas importações (não só pela redução do preço, mas também porque parte do petróleo bruto importado é exportado depois de refinado). No entanto, o seu impacto no emprego, no investimento e nas contas públicas é reduzido, uma vez que o número de postos de trabalho envolvidos é diminuto e porque o impacto directo das exportações na receita fiscal é marginal.
2. Angola
O segundo factor decisivo para a redução das exportações foi a crise da economia angolana: a queda das exportações para Angola (sem incluir o petróleo refinado) foi superior à diminuição total do valor das exportações (ver o mesmo gráfico). Sem Angola e sem petróleo o valor das exportações teria crescido 3,3% (a preços correntes), em vez de ter caído 1,8%. As exportações para a UE cresceram uns expressivos 6,7% no período.
A crise da economia angolana tem um impacto significativo nas exportações, mas um impacto modesto no investimento e no emprego (as exportações para Angola representam apenas cerca de 1% do PIB português). O impacto nas contas públicas é marginal (pelas razões referidas no ponto 1).
3. Investimento público
A queda do investimento é essencialmente explicada pelo recuo na construção (cuja queda em termos reais mais do que explica o recuo do investimento total no 1º trimestre e é responsável por 2/3 da queda no 2º trimestre). Para a queda da construção foi fundamental a redução do investimento público. A Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) pelo Estado caiu 25% no 1º trimestre (os dados para o 2º trimestre ainda não estão disponíveis), explicando quase o dobro da queda da FBCF. No mesmo período o investimento empresarial cresceu 2,5% em valor (os dados em volume não estão disponíveis).
A queda do investimento público contribui para conter as despesas públicas, mas penaliza a retoma do investimento global e do emprego.
4. Compra de automóveis
No primeiro semestre de 2016 compraram-se em Portugal cerca de 100 mil automóveis ligeiros de passageiros, um aumento de 18% face ao mesmo semestre do ano anterior (esta taxa de crescimento é, por sinal, idêntica ao crescimento das importações de material de transporte). Ou seja, apesar do aumento do Imposto do Selo no crédito ao consumo e do Imposto sobre Veículos para carros mais poluentes, a compra de automóveis não só não diminuiu, como aumentou, reflectindo-se no crescimento das importações.
De facto, se não fosse a queda das importações de petróleo (nomeadamente devido à paragem da refinaria de Sines) o crescimento das importações teria sido bem superior aos valores registados – com reflexos negativos no PIB (note-se que as importações contam negativamente para o PIB) e nas contas externas do país. Pelo contrário, maiores vendas de automóveis implicam maiores receitas fiscais (ainda mais tendo em conta o agravamento da fiscalidade associada).
5. Incerteza política e financeira
O quinto e último factor-chave para compreender a evolução recente da economia portuguesa diz respeito à tensão política (a incerteza na formação do governo no final de 2015, a negociação do OE2016 com a Comissão Europeia em Fevereiro, a ameaça de sanções em Junho) e à instabilidade financeira (casos BANIF, Novo Banco e CGD, nomeadamente) que afectou o país desde final de 2015.
É difícil aferir quantitativamente o impacto dos factores de incerteza política e financeira sobre a economia real. A situação frágil do sistema bancário português terá provavelmente afectado o financiamento à economia, e forçado um ajustamento mais acelerado das empresas mais expostas à dinâmica da banca (como accionistas, credores ou devedores), com impactos negativos no investimento e na criação de emprego (por exemplo, no sector da construção).
Por sua vez, a dramatização mediática da incerteza política, nomeadamente nos momentos mais tensos da relação com as instituições europeias, poderão ter tido um impacto relevante nas decisões de consumo, como sugere a evolução do indicador de confiança dos consumidores ao longo do último ano (ver gráfico). De facto, este indicador diminuiu, apesar da melhoria da situação financeira dos agregados familiares, sugerindo que o clima de dramatização mediática em momentos críticos tem um efeito real nas decisões dos consumidores.
Conclusão
O aumento das exportações para a UE, do emprego e do investimento empresarial sugere que há dinâmica de crescimento na economia nacional, apesar do contexto internacional adverso e das fontes políticas e financeiras de incerteza. Com a excepção do ponto 5, as evoluções acima descritas têm impactos reduzidos ou até positivos nas contas públicas, o que permite reduzir os receios relativos ao cumprimento das metas orçamentais. Por sua vez, o desanuviamento das relações com a UE e a perspectiva de resolução (ainda que progressiva e incompleta) da situação da banca poderá reduzir o nível de incerteza que tem marcado os últimos meses.
No entanto, os dados apresentados contêm dois alertas claros, que poderão ser decisivos para a evolução da economia portuguesa até ao final do ano:
i) a retoma do investimento público será decisiva para a dinamização do investimento e do emprego, num contexto em que o investimento empresarial continuará condicionado pelos diversos factores atrás referidos (nomeadamente, o endividamento das empresas e a fraca procura internacional);
ii) a estratégia do governo para conter o aumento das importações em resultado do aumento de rendimentos está a ter efeitos limitados; a continuação do crescimento das vendas de automóveis, já depois das novas regras fiscais entrarem em vigor, são disso sintoma claro; sem uma política mais aguerrida de contenção da procura de importações a tentativa de dinamizar a economia nacional por via do aumento dos rendimentos poderá ser posta em causa.
Artigo publicado no blogue Ladrões de Bicicletas.