Artigo de Luís Casinhas.
O Salário Mínimo Nacional, definido por lei como o montante mínimo de remuneração que um trabalhador tem de receber e que não pode ser reduzido por acordo coletivo ou por contrato individual, foi criado, em Portugal, a 27 de maio de 1974, com o propósito (partilhado pela Organização Internacional do Trabalho) de proteger a classe trabalhadora dos salários excessivamente baixos a que era sujeita, atenuar as desigualdades, erradicar a pobreza existente, garantir o progresso do país e estabelecer a dignidade laboral – estava na hora “de muitas famílias deixarem de dormir em tarimbas” afirma o Ministro do Trabalho que o instituiu, Avelino Pacheco Gonçalves.
Numa altura em que é decidido o Orçamento do Estado para 2017, urge falar neste que é um dos assuntos mais polémicos e que divide opiniões tanto de economistas conceituados como de dirigentes partidários: o aumento do Salário Mínimo Nacional (SMN).
O debate atual visa tentar perceber se o SMN deve ser aumentado, pelo que há que desconstruir mitos e olhar para os factos para então perceber aquilo que está em causa.
Comecemos, então, por refletir acerca do princípio base da criação do Salário Mínimo Nacional: a redução da pobreza. Portugal é dos países da OCDE nos quais existe mais pobreza, facto agravado durante o Memorando de Entendimento da Troika, no qual constavam cortes em salários e pensões, por muito reduzidas que estas já fossem, aumentos dos impostos sobre quem trabalhava e sobre os pensionistas, e aumento da precariedade. Segundo o Barómetro das Crises, promovido pelo Observatório sobre Crises e Alternativas (parte integrante do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra), “em 2013, ainda se registava uma taxa de pobreza de 10,7% entre os empregados, e a intensidade de pobreza neste universo era de 28% (INE, ICOR, 2014). Esta realidade é consonante com uma elevada desigualdade na distribuição salarial.”
Nada melhor do que comprovar empiricamente argumentos destes, e experiências feitas mostram de forma impressionante como o aumento do Salário Mínimo nos iria ajudar a lidar com a pobreza e a desigualdade. Mais dinheiro tem de implicar maior folga financeira para as famílias que passam a ter outras condições de vida, virando a página da necessidade monetária apenas para sobreviver. 12 estudos que se incluem na literatura publicada sobre este assunto apresentam 54 elasticidades (relações que medem o impacto numa variável quando a outra é alterada) do tipo preço do trabalho-pobreza e que foram calculadas com diferentes pressupostos (até matemáticos): 48 deles mostram uma relação negativa entre as duas variáveis.
Se considerarmos o último aumento de SMN vemos como também existe uma maior abrangência pelo mesmo relativamente a classes que, normalmente, são afetadas por necessidades e dificuldades económicas e que passam por privações que podem e devem ser evitadas. Essa subida beneficiou, principalmente, os jovens: cerca de 60% de indivíduos com idade inferior ou igual a 25 anos passaram a sentir o efeito positivo da mesma. E alcançou, de forma mais significativa, as pessoas menos qualificadas: 58% dos que têm menos que o ensino básico e 40% dos que têm o ensino básico.
Aumentar o SMN não combina com o despedimento dos trabalhadores, com a desculpa de representarem uma grande fatia dos custos das organizações. É um facto falso dados que o que tem maior peso nas contas das empresas são os serviços externos como, por exemplo, a energia. O Barómetro das Crises afirma que “o aumento do SMN tem um impacto nos custos salariais de todas as empresas, tanto maior quanto mais baixas as remunerações praticadas na empresa. Mas esse impacto, em termos médios, é muito reduzido. Com um aumento do SMN para 532 euros a massa salarial global aumentaria apenas 0,65%. Com um aumento para 600 euros, esse acréscimo seria de 2,9%.” Em Portugal, de 2015 para 2016, o SMN foi aumentado de 505 para 530 euros e aquilo a que se assiste no nosso país é a uma descida tendencial da taxa de desemprego que se prevê que seja igual a 11,9% já este ano, depois de se aproximar a 12,5% no fim do ano passado.
Os gastos relativos às contribuições para a Segurança Social também preocupam muitos críticos, apesar de não haver razão para alarme. Com o aumento passado de 25€ no SMN, esses gastos, que representam 20% dos custos de produção, teriam uma repercussão crescente nos custos totais de produção de apenas 0,13% – os excedentes das companhias afetariam positivamente os trabalhadores em 1,1% no que respeita às suas remunerações.
Podemos pensar, assim, no vínculo existente entre o SMN e a taxa de rotatividade de pessoal que, por outras palavras, é a taxa que reflete a proporção de trabalhadores que, no total de trabalhadores, deixam de estar empregados numa determinada entidade, pública ou privada – quanto menor a taxa. Em 2012, Dube, Lester e Reich, economistas dedicados ao estudo da economia do trabalho, fizeram uma publicação na qual evidenciam que, nos EUA, um aumento de 10% do Salário Mínimo reduz em 2,1% a rotatividade de pessoal que trabalha em restaurantes e, analisando a rotatividade da classe trabalhadora mais jovem, também verificavam uma redução de 2,0% na mesma. No Canadá, Brochu e Green descobriram que as demissões de trabalhadores jovens com níveis de escolaridade mais reduzidos diminuiram logo após haver uma subida do rendimento mínimo, tal como aconteceu no nosso país e está documentado num estudo feito por Ana Rute Cardoso e Pedro Portugal. Não existe tanta concorrência entre empresas com salários mais vantajosos pelo que o trabalhador não é aliciado a mudar de trabalho correndo o risco de ficar no desemprego com essa mudança.
Outro estudo, considerado como um dos mais conceituados acerca desta matéria e que comprova aquilo que estamos a defender, foi feito entre 1990 e 2006, por investigadores da Universidade de Califórnia que compararam pares de municípios que partilhassem fronteiras entre Estados diferentes e nos quais os Salários Mínimos aplicados também fossem diferentes, entre 1990 e 2006. Em 2005, analisaram Spokane (WA) que apresentava como Salário Mínimo um valor de $7,35 por hora ao mesmo tempo que olhavam para Kootenai (ID), no qual esse valor era igual a $5,15 por hora. Concentrando as atenções para, por exemplo, a indústria da restauração, que emprega, tradicionalmente, um grande número de trabalhadores a receber o Salário Mínimo nacional, concluíram que SMN mais altos não implicavam um aumento do desemprego e que esse comportamento era homólogo nos pares estudados ao longo dos Estados Unidos da América.
Há quem defenda que um aumento do Salário Mínimo Nacional fará com que seja gerada inflação e que, por isso, não vale a pena aumentá-lo: acreditam que esta subida origina uma sobrecarga de gastos com o pessoal para as empresas e que, para a compensar, estas têm de inflacionar preços de produtos e serviços de que dispoem, fazendo com que o consumidor final não seja capaz de suportar esse crescimento. Tal seria verdade se o aumento em percentagem do rendimento fosse inferior ou igual ao aumento em percentagem da inflação gerada, porque o que importa analisar aqui é o impacto no salário real do trabalhador, ou seja, o impacto no salário ajustado ao nível geral de preços, que se traduz em alterações no seu poder de compra. E o que se tem verificado em Portugal, nomeadamente durante o período do governo socialista apoiado por uma maioria parlamentar de esquerda, é que a devolução do rendimento mínimo que ronda os 5% por ano está bem acima da inflação, que é aproximadamente 0,7%, havendo, sem dúvida, um efeito positivo na economia, ou seja, o poder de compra das famílias é valorizado.
Dada a conjuntura descrita e segundo o Banco de Portugal, “o consumo privado deverá registar um crescimento robusto em 2016 (…), em linha com a evolução do rendimento disponível real”, devendo crescer cerca de 2,1% já neste ano. Há, assim, um aumento da procura interna que “reflete essencialmente a dinâmica do consumo privado. Esta evolução ocorre num contexto (…) de manutenção da confiança dos consumidores em níveis historicamente elevados.” Os trabalhadores que beneficiem do SMN irão colocar mais dinheiro na economia, provavelmente em estabelecimentos onde trabalham, frequentemente, pessoas a ganhar o Salário Mínimo Nacional, gerando-se um ciclo que origina comunidades mais fortes e uma economia mais viva.
Temos mais fatores que não podemos dissociar do aumento do SMN como o aumento da produtividade dos trabalhadores – é sobre isso que nos fala o economista George Akerlof numa hipótese que formula por volta de 1982, após largas quantidades de verificações experimentais que realizou. Segundo ele, estes respondem a aumentos do SMN com mais esforço, porque se sentem recompensados por tal – é a chamada “Efficiency-Wage Theory”. Ehrenberg e Smith também nos dizem que um pagamento mais alto cria um nível mais elevado de motivação na relação trabalhador-trabalho, e Owens e Kagel confirmam a relação positiva que há entre um salário maior e o esforço dos seus trabalhadores. Trata-se de valorizá-los como devem ser valorizados. Assim, as empresas poderão atingir os seus objetivos, contribuindo positivamente para a atividade económica, numa cooperação justa com os seus trabalhadores.
Já dizia Charles Darwin que “se a miséria dos pobres não é causada pelas leis da natureza, mas pelas nossas instituições, grande é o nosso pecado”. E não estamos em tempos de continuar a sacrificar quem tudo dá a um país, quem se esforça por ter e manter um trabalho, quem sofre as consequências de não ser valorizado por aquilo que faz. Os mitos não acontecem, os factos sim, por isso há que abrir os olhos e pensar que se pode, realmente, fazer a diferença.
O aumento do Salário Mínimo Nacional como está e continuará a ser feito em Portugal responde positivamente à necessidade de erradição da pobreza, não aumenta o desemprego, cria uma relação mais forte entre o trabalhador e o seu emprego, gera inflação mas a um nível suportável visto um maior poder de compra que, por sua vez, aumenta o consumo e a procura interna e, por fim, faz com que a produtividade do trabalhador também seja incrementada, numa simbiose com os objetivos do empregador. É um sinal de como um país se valoriza a si próprio e às condições de quem lá vive e de quem lá trabalha. É uma medida eficaz e que protege trabalhadores com poder de negociação muito baixo, ou praticamente nulo, e ajuda as famílias de classe média-baixa a viverem como um dia ansiaram viver.
As cartas estão em cima da mesa e é imperativo que os rendimentos sejam recuperados, que a economia seja estimulada e que as desigualdades diminuam. De que estamos à espera?