Fracasso da austeridade e camaleões políticos

Artigo de Nuno Serra.


1. Março 2015: Em entrevista à revista económica japonesa Nikkei, Passos Coelho assegurava que Portugal iria ter um défice de 2,7% em 2015 (inferior aos 3,2% previstos pelo FMI). Meses mais tarde, em julho, o ex-primeiro Ministro reforça a ideia, considerando ser «uma questão fundamental ficar com um défice claramente abaixo dos 3 por cento» e assegurando que «todos os indicadores» apontam para esse resultado.

2. Abril 2016: Assunção Cristas desvaloriza a confirmação (Eurostat) de que Portugal termina 2015 com um défice de 4,4%, sublinhando que «o que é relevante é saber qual é a análise que a CE faz destes dados, quando se pronunciar em maio sobre a questão de sair ou não sair do procedimento por défice excessivo», sobretudo para saber «em que medida o efeito extraordinário Banif, (…) permite [a Portugal] estar com um défice de 3%».

3. Maio 2016: Nas projeções económicas de Primavera, a Comissão Europeia assinala que – excluindo o efeito da medida de resolução aplicada ao Banif em dezembro – o défice orçamental de Portugal é de 3,2%, valor que serve de base para que Bruxelas decida se encerra ou não o procedimento por défice excessivo relativo 2015, de acordo com as regras europeias.

4. Maio 2016: Maria Luís Albuquerque escreve a Valdis Dombrovskis, vice-presidente da CE, reconhecendo que «Portugal não conseguiu terminar 2015 com um défice até 3%», devido à «resolução do Banif» (um dos problemas varridos para debaixo do tapete, de modo a garantir a «saída limpa»). Sem isso, «o défice teria ficado nos 3%, permitindo a saída do procedimento por défice excessivo, e nenhumas sanções seriam consideradas».

5. Maio 2016: Pedro Passos Coelho corrobora a opinião da ex-ministra das Finanças, afirmando não haver «nenhuma razão para agravar o tratamento da Comissão Europeia para com Portugal, dentro do procedimento por défice excessivo, na medida em que, fora o que foi contabilizado por causa do Banif, nós não tivemos um défice acima de 3% em termos nominais, que é isso que interessa

6. Junho 2016: Maria Luís Albuquerque tenta relativizar o valor do défice de 3,2%, argumentando que os 0,2% (acima dos 3%) dizem respeito a uma «questão distinta» (relacionada com a avaliação, «em termos de regras estatísticas», das medidas de natureza permanente ou temporária). Ou seja, um critério «que não é aquele que releva para efeitos de procedimento de défices excessivos», assegura Maria Luís.

7. Junho 2016: Pedro Passos Coelho considera «incompreensível que haja sanções», acrescentando que «no dia em que for alvo de sanções, outros terão de ser [também], a começar pela França». «Porque é que Portugal teria de ser penalizado e França [que fechou 2015 com défice de 3,6%] ficar fora disso? Seria incompreensível, seria uma vergonha. (…) Não precisamos de mendigar apoio para que livrem Portugal de sanções que não merece».

8. Junho 2016: Confrontado com as palavras de Passos Coelho, Valdis Dombrovskis explica a diferença entre Portugal e França. «Quanto à França, os técnicos da Comissão concluíram que houve uma tomada de medidas efetivas» para reduzir o défice. França «também falhou a meta nominal [de 2015], mas não houve falta de medidas efetivas. É por isso que foi suspenso o agravamento do procedimento por défices excessivos», explicou.

9. Junho 2016: Wolfgang Schäuble deixa no ar a ideia de que Portugal pode vir a pedir um segundo resgate, por estar «a cometer um erro grave, se não respeitar os compromissos assumidos». Klaus Regling, presidente do Mecanismo Europeu de Estabilidade, reforça a ideia, dizendo estar «mais preocupado com a economia portuguesa do que com a saída do Reino Unido da União Europeia». A direita passa a ter um incentivo para transformar as sanções de 2015 numa espécie de «punição preventiva» para 2016.

10. Julho 2016: Perante a possibilidade de aplicação de sanções por défice excessivo, Maria Luís Albuquerque considera que o atual Governo «pode e deve evitar quaisquer sanções económicas e de suspensão dos fundos comunitários» e que «Bruxelas está preocupada com o atual Governo e com esta maioria», para acrescentar que «se ainda fosse ministra das Finanças, esta questão não se estaria a colocar».

11. Julho 2016: Pedro Passos Coelho adere também à nova «narrativa», na qual as sanções se referem a 2016 e não a 2015: «não vale a pena o Governo vir com desculpas esfarrapadas sobre o passado porque aquilo que será importante para evitar sanções é a garantia de que em Portugal as nossas metas serão cumpridas este ano. (…) Se essa garantia existir eu não acredito que haja sanções. E isso depende, no essencial, do Governo e da maioria que o apoia».

12. Julho 2016: O Comissário europeu para a Economia Digital, o alemão Günther Oettinger, esclarece a questão do período temporal em causa: «ambos os países não conseguiram cumprir os compromissos em 2015 e a Comissão Europeia, para defender a sua credibilidade, deve aprovar sanções contra Espanha e Portugal».

13. Hoje: Pierre Moscovici, Comissário europeu dos Assuntos Económicos, anunciou que o colégio de comissários procedeu a uma primeira discussão sobre a «situação orçamental de Espanha e Portugal de 2013 a 2015», comprometendo-se a comunicar e explicar, «muito em breve, (…) todos os detalhes da decisão nessa fase, ou seja, quando as decisões forem tomadas». A tentativa de associar as sanções ao atual governo, às metas para 2016 ou à necessidade de adoção de medidas adicionais, cai definitivamente por terra.

Artigo publicado em Ladrões de Bicicletas.