Artigo de Francisco Louçã.
Enganei-me na previsão sobre o resultado do referendo, pois admiti que a morte de Jo Cox tinha invertido as emoções que concluiriam uma campanha povoada de demagogia contra os imigrantes (dos dois lados, dos chefes do “Brexit” sugerindo a xenofobia e dos chefes do “Remain” negociando com Bruxelas a restrição dos direitos dos cidadãos europeus imigrados no Reino Unido).
Agora, contados os votos, só se pode concluir que, no argumento e na preparação para o futuro, o Reino Unido não sabe para onde vai – mas rejeita continuar numa União que não vai para lado nenhum. Falhou a aventura de Cameron, que foi apoiada a contragosto pelas autoridades europeias, mas a Escócia pode a partir de hoje escolher ser independente e a Irlanda pode escolher unificar-se, pelo menos duas consequências merecidas. Na Europa, tudo mau: falharam os subterfúgios, falhou a interpretação dos tratados a la carte, falhou o medo dos grandes mas cresce o medo dos pequenos.
A UE não tinha mais nada para oferecer se não esse medo, foi a esse ponto que caiu. E os seus líderes sempre pensaram que bastaria. Não perceberam – será desta? – que perderam todos os referendos importantes até agora: sobre a Constituição Europeia, sobre tratados, agora sobre a própria pertença e logo na segunda maior economia da União. Quando aceitam consultar os povos, momento raro, et pour cause, arriscam-se a perder e isso diz tudo sobre o que tem vindo a ser a “construção europeia”.
O choque chegou hoje. Agora, liquidez para os mercados financeiros, negociação relâmpago com o Reino Unido sobre as condições de saída, quais regras de tratados (que implicariam um processo até dois anos, com votos do parlamento europeu e acordo dos outros governos) e o discurso de sempre para quem está: aguenta, aguenta.
Terão os líderes europeus a tentação de correr em frente, nomear um ministro das finanças, esquartejar os orçamentos nacionais, fazer do euro o santo e a senha da concentração de poderes, normalizar as políticas neoliberais no mercado de trabalho e na segurança social? Hollande, um político da craveira de Cameron, acha que Paris vale bem a missa de uma proibição do direito de manifestação para impor essa visão sobre o emprego. E, se isto é Hollande, então Merkel decidirá o que quer pois quem manda, manda. E assim vai a liderança europeia na sua diversidade uniforme.
Lembra-se de quando os socialistas defendiam o pleno emprego? Esqueça. Os socialistas franceses agora defendem o fim dos contratos de emprego, à FMI. Um socialista holandês dirige a fronda das sanções contra Portugal e Espanha, à Schauble. Um socialista alemão é o ajudante de Merkel, à Gabriel. E isso esclarece o que podemos vir a ter pela frente: depois da desorientação, a corrida para garantir mais poder aqueles cujo poder está a destruir a Europa.
Para Portugal, mais um susto nas exportações, mas muito mais um susto político. Se e quando vierem as sanções, se a tanto atrevimento chegar a violência das instituições europeias agora imbuídas de um novo espírito de missão desesperada, só poderemos então concluir que a absoluta discricionariedade tomou conta da política europeia, que a falta de soberania se paga com a vulnerabilidade da democracia.
O sonho acabou. A União Europeia é um projeto falhado.
Artigo publicado em publico.pt em 24 de junho de 2016