Artigo de Ricardo Cabral.
Mais de 7 meses decorridos sobre a privatização da TAP afigura-se pertinente avaliar, com um módico de distância, se o resultado conseguido com a sua privatização satisfaz o interesse nacional.
O consórcio vencedor – a Atlantic Gateway – é um parceiro sólido para a companhia de bandeira (e maior exportador) do país?
Se se considerar que:
– A companhia aérea brasileira Azul (que tem como presidente e um dos seus principais accionistas David Neeleman, líder do consórcio vencedor da privatização da TAP) de menor dimensão que a TAP, enfrenta sérios desafios económicos e financeiros e não tinha conseguido concretizar, nos últimos anos, o reforço de capital que desejava (já após a Gateway ter ganho a privatização da TAP, a Azul foi finalmente capaz de realizar dois aumentos de capital de 550 milhões de dólares, em Junho e Novembro de 2015, sendo que o último tinha como condição a injecção de parte desse capital na TAP);
– Existem dúvidas sobre se o consórcio cumpre a legislação europeia, uma vez que David Neeleman não possui nacionalidade de um dos países da União Europeia; se a decisão final for negativa, poderá ser retirada à TAP a licença para operar no espaço europeu;
– A economia brasileira, principal mercado da Azul, está em crise;
– O consórcio vencedor não financiou uma injecção de capital significativa na TAP, nem apresentou as garantias financeiras necessárias para refinanciar a dívida da TAP junto da banca;
– O consórcio vencedor aparenta, assim, não ter uma exposição financeira suficientemente grande à TAP uma vez que, a acreditar na conferência de imprensa após a resolução do Conselho de Ministros relativa a um anexo contratual que não é do conhecimento público, a dívida da TAP à banca é implicitamente garantida pelo Estado. Tal significa que os interesses do consórcio vencedor não estão suficientemente alinhados com o interesse da TAP: se a TAP for à falência, o consórcio vencedor da privatização pouco terá a perder porque injectou muito pouco capital na TAP (é até, em teoria, possível que já tenha retirado uma parte desse capital através de transacções com empresas relacionadas, tema que se aborda mais à frente).
Face a estes factos, afigura-se que a resposta à questão inicial só poderia ser uma: o consórcio vencedor do processo de privatização da TAP, escolhido pelo XIX Governo, não satisfaz. Foi um enorme risco a aventura de conceder a privatização de uma TAP descapitalizada a tal consórcio, nessas condições.
Entretanto, as notícias que circulam sobre a TAP e sobre a Azul são preocupantes. Em particular, um e-mail e uma petição da Associação Peço a Palavra e um pdf anónimo – que circula na internet -, identificam vários aspectos problemáticos na operação da TAP desde que foi privatizada.
As referidas notícias dão conta de transacções entre partes relacionadas (a TAP, a Azul e a HNA, estas últimas futuras accionistas da TAP)[1] o que constitui sempre um tema que deve chamar a atenção de credores, de accionistas e do conselho de administração da empresa porque tais operações, em teoria, embora não se tenha qualquer informação que seja o caso na TAP, podem ser utilizadas para aumentar artificialmente os custos de uma das companhias, dessa forma retirando fundos e descapitalizando-a. Não se compreende como foi possível que, no contrato de privatização da TAP, não tenham sido colocadas fortes restrições a transações entre partes relacionadas.
As notícias que circulam sugerem, nomeadamente, que:
– A Azul transfere para a TAP aviões novos e usados que, aparentemente, tinha em excesso e de que não necessita, à TAP ou à White, a qual posteriormente os freta à TAP, ficando a dúvida sobre se esses aviões são mesmo necessários à TAP e se as condições a que são cedidos são as melhores condições possíveis no mercado;
– A TAP encerra rotas e inicia novas rotas, possivelmente em função do excesso de capacidade da Azul, ou das necessidades da Azul (em relação a Nova York, JFK e a Campinas no Brasil), que é accionista indirecta da TAP através da Atlantic Gateway e possivelmente também em função da HNA ou suas subsidiárias (Aigle Azur);
– A TAP desiste da compra dos A350 (uma das razões apontadas para privatizar a companhia), numa negociação aparentemente (e incompreensivelmente) realizada pessoalmente por David Neeleman, segundo o próprio, sem que seja claro o que ocorreu às mais valias, estimadas em algumas centenas de milhões de euros, que decorriam das opções de compra (“slots”) da TAP e alterando de forma radical a estratégia de médio prazo da companhia. Como é possível que uma decisão desta natureza seja tomada sem a aprovação prévia da Assembleia Geral de Accionistas e do Governo? E como é possível que um accionista, que na perspectiva da lei europeia e nacional, não possui o controlo maioritário da empresa, conduza e determine o resultado dessa negociação? Neeleman assegura que as mais valias do negócio com os A350 ficaram todas na TAP. Será que a palavra de Neeleman basta ao Governo e ao País?
– A TAP aparentemente desiste de iniciar uma ligação directa de Lisboa para a China, na sequência de declarações de Neeleman à imprensa nesse sentido[2], mas a futura nova accionista da TAP, a chinesa HNA, que é também accionista do consórcio vencedor da privatização, a Atlantic Gateway, conseguiu o apoio do Governo, para iniciar ligações directas entre a China e Lisboa, no que poderá constituir também uma forma de transacção entre partes relacionadas.
Parece-me, por conseguinte, que os próximos doze meses serão críticos para a companhia…
Publicado no blogue Tudo Menos Economia