Artigo de Ricardo Cabral.
“As democracias são raramente destruídas por um choque externo súbito ou por decisões impopulares. O processo é geralmente mais mundano e insidioso. O que acontece é que as sociedades são lentamente drenadas do que as torna democráticas, por um processo gradual de decadência interna e de crescente indiferença, até que de repente nos apercebemos que se tornaram em algo diferente, como as constituições republicanas de Atenas ou de Roma ou as cidades-estado italianas do Renascimento.”
Retirado da palestra “Os Limites da Lei”, por Lord Sumptiom, juiz do Supremo Tribunal do Reino Unido, proferida em Kuala Lumpur, a 20 de Novembro de 2013.
Ambrose Evans-Pritchard, colunista do The Telegraph que regularmente escreve sobre temas da (macro)economia da União Europeia e da Zona Euro, em artigo recente, fundamenta o seu sentido de voto no referendo do Brexit.
Defende a saída do Reino Unido da União Europeia sobretudo com base na falta de democracia e na falta de respeito pelo Estado de direito que caracteriza as instituições da União Europeia: o referendo Brexit, afirma no título da sua coluna, é acerca da supremacia do parlamento (britânico) e “nada mais”.
Além dos argumentos sobre a falta de legitimidade democrática da União Europeia invocando a citação acima de Lord Sumption, o colunista salienta, em particular, que: nunca ninguém foi responsabilizado pelas falhas na arquitectura do euro, pela política económica que transformou uma recessão numa depressão e pelo elevado desemprego jovem que assola um “grande arco” da Europa, que nunca ninguém pensou seria de novo possível numa sociedade civilizada.
Critica ainda a forma – um quase coup d’etat – como as instituições de governo da União Europeia substituíram na Grécia e na Itália líderes políticos democraticamente eleitos por tecnocratas, bem como as cartas secretas que o BCE escreveu a Espanha e a Itália em 2011, chantageando esses países e exigindo alterações à lei laboral e à política orçamental.
Afigura-se que a complexidade da governação da União Europeia se tem revelado “excessiva” para as instituições de governo da União Europeia que têm respondido de forma cada vez mais centralizadora, mais autoritária e menos fundamentada. Aparentam não ter a noção nem se interessar pelas consequências das suas decisões nas vidas de milhões dos seus concidadãos.
Por isso a União Europeia, como aponta Evans-Pritchard, está num processo de desintegração que já é dificilmente revertível. Mas é igualmente difícil conceber um regresso aos Estados-Nação exclusivamente preocupados com o interesse nacional e que se degladiam com regularidade. Afinal de contas, o passado não volta mais …
Artigo publicado no blogue Tudo Menos Economia.