A ópera bufa em torno dos contratos de associação

Artigo de Nuno Serra.


O que ficará a pensar quem aterre subitamente no debate e se depare com artigos de opinião que asseguram estar em curso «um ataque soviético» aos contratos de associação, «o maior ataque dos últimos anos» contra a presença da Igreja Católica na sociedade? O que pensará quem acreditar que está em marcha uma campanha radical, movida por uma «extrema-esquerda» preconceituosa e obstinada? Julgará, muito provavelmente, que o governo se prepara para proibir o ensino privado em Portugal, encerrar escolas e colégios e, quem sabe, dizer até aos professores que emigrem, pois aqui não há lugar para eles. Tal como será levado a supor, com maioria de razão, que os contratos de associação serão liminarmente dizimados, varridos do mapa, de norte a sul do país.

No processo de dramatização, manipulação despudorada e instigação do pânico e da revolta, junto das famílias e das comunidades locais, há quem não tenha escrúpulos em falar de «deportação» dos alunos destas escolas privadas para as escolas públicas no próximo ano lectivo. Ou quem não hesite em convencer os pais que o tal «ataque ideológico» aos contratos de associação vai levar tudo a eito, «desde o berçário até ao ensino secundário, passando pelos alunos da Escola de Música, com ensino artístico especializado, e da Escola de Teatro». Desinformação sem limites, que chega a fazer sentir vergonha alheia.

Não, o ensino privado não vai ser proibido em Portugal. Não, nenhum aluno inscrito numa turma com contrato de associação vai ter que abandonar a sua escola no próximo ano lectivo. Sim, está assegurado o financiamento público da sua permanência na escola até à conclusão do respectivo ciclo. Sim, é verdade, não serão abertas novas turmas de início de ciclo com contrato de associação (5º, 7º e 10º ano), onde exista redundância de oferta. Isto é, onde exista capacidade instalada e desaproveitada na rede pública, seguindo-se assim a mais elementar regra de boa gestão orçamental. Sim, estão a ser e serão cumpridos os contratos em vigor, resultantes do concurso de 2015 (que fixou o número de turmas a apoiar, numa lógica plurianual). Se estas medidas constituem um «ataque soviético» aos contratos de associação, então à direita só sobra mesmo, como alternativa e proposta ideológica, a cultura do desperdício e do favorecimento injustificado e obscuro de interesses instalados.

O que está em causa é simples, muito simples. Sobre os fundamentos dos contratos de associação, é de leitura imprescindível o recente artigo de Paula Santos, no Expresso: os contratos de associação asseguram, mediante contratualização com privados, a complementaridade da rede pública em áreas onde esta se revele insuficiente ou inexistente. E por isso nada têm que ver com a tão aclamada como ilusória «liberdade de escolha» (debate que verdadeiramente nunca se fez entre nós), desde logo porque o apoio é concedido às escolas e não às famílias (como aliás o João Galamba já assinalou no post anterior). Nos casos em que não se justifica a sua existência, os contratos de associação são hoje, na verdade, um modelo obsoleto de ensino privado. Um modelo em que os verdadeiros liberais não se reconhecem e que apenas os liberais de pacotilha acarinham, talvez por a mais não aspirarem que conseguir continuar a viver à sombra do Estado, à custa do dinheiro dos contribuintes.

Defender a celebração de contratos de associação em contextos socioeducativos onde a sua celebração não se justifica, como o PSD e o CDS-PP pretendem, significa defender que as verdadeiras «gorduras» do Estado em educação são para manter e alimentar, ficando assim demonstrado, como diz o Pedro Sales, que «o afinco com que a direita se bate pelo financiamento público a colégios privados prova como o seu discurso contra a dependência do Estado começa e acaba nas prestações sociais».


Publicado no blogue Ladrões de Bicicletas.