A falácia da relação entre salários, competitividade e crescimento económico

Artigo de Ricardo Paes Mamede.


O recente vídeo publicado no site do Expresso sobre o papel das exportações para o crescimento económico presta um mau serviço ao debate sobre as estratégias de desenvolvimento do país. Ao confundir causas com consequências, curto prazo com longo prazo e exportações com balanças externas, o vídeo baralha mais do que esclarece, dando a entender que foi mais motivado por uma qualquer irritação pessoal dos seus autores do que por ideias claras sobre os temas em questão.

Subjacente ao vídeo do Expresso está uma falácia que, a julgar pela amostra, continua presente em muitos discursos sobre a situação económica em Portugal e sobre as políticas mais adequadas para lhe fazer face. Em termos simples, o raciocínio é este:

1) para a economia portuguesa crescer é necessário que as exportações aumentem;
2) para que as exportações aumentem é preciso que o seu preço baixe;
3) para que o preço das exportações diminua é necessário baixar os salários.

É este raciocínio que continua a levar muitos a defender que os salários em Portugal têm de descer para que a economia cresça. Inversamente, sugerem que qualquer política que favoreça o crescimento dos salários está condenada a gerar mais desemprego. Acontece que qualquer um dos passos do raciocínio atrás referido é falacioso.

Primeiro, a descida dos salários não é condição necessária nem suficiente para que os preços das exportações se reduzam. Por exemplo, este estudo mostra que os custos salariais têm vindo a reduzir-se nos países do sul da UE sem que isso se tenha reflectido inteiramente nos preços dos bens produzidos (a razão é simples: a redução dos salários foi absorvida pelo aumento dos lucros). Por sua vez, este trabalho estima que nos países referidos os custos do trabalho são responsáveis por apenas 1/6 dos preços dos produtos. Ou seja, há factores muito mais relevantes para a determinação dos preços do que os custos do trabalho.

Segundo, a redução dos preços não é condição necessária nem suficiente para o aumento das exportações. Para além dos preços relativos, a evolução das exportações depende também de factores de competitividade não-preço (qualidade, inovação, serviços aos consumidor, acesso aos canais de distribuição, etc.), bem como das dinâmicas de procura dos produtos em questão e do crescimento dos mercados de destino. Por exemplo, ao contrário do que muitas vezes se diz, o sucesso das exportações alemãs na última década não resulta da compressão salarial que se verificou naquele país desde finais da década de noventa, mas antes do crescimento verificado nos mercados de destino dos produtos germânicos. Inversamente, o fraco desempenho das exportações dos países do sul da UE têm menos a ver com o crescimento dos salários do que com o padrão de especialização das suas economias.

Por fim, o aumento das exportações não é condição necessária nem suficiente para o crescimento das economias. O crescimento da economia pode ser induzido pela procura externa ou pela procura interna. Na esmagadora das economias avançadas, a procura externa representa apenas 1/5 da procura dirigida à produção nacional. Isso significa que seria necessário um crescimento extraordinário das exportações para compensar uma redução da procura interna. O problema agrava-se quando a procura internacional é fraca e se tenta assegurar o aumento das exportações por via dos baixos salários – pois isso significa que a procura interna vai diminuir, penalizando fortemente o crescimento. Não é, pois, surpresa que alguns estudos mostrem que as políticas de desvalorização interna – visando promover o crescimento por via do aumento da competitividade – conduzam, pelo contrário, a um crescimento mais fraco.

Em suma, por estranho que pareça, nem a redução dos salários conduz necessariamente à redução do preço dos produtos, nem a redução dos preços conduz necessariamente ao aumento das exportações, nem o aumento das exportações conduz necessariamente ao crescimento económico (principalmente se for obtido à custa de baixos salários). Nada disto significa que devamos ser indiferentes às relações entre salários, competitividade e crescimento económico. Mas, como sempre, as coisas são mais complicadas do que parecem.