Artigo de Francisco Louçã.
Escreve João Vieira Pereira no Expresso: “Sempre que ouço a palavra nacionalização sofro um reflexo automático que se expressa por uma forte náusea”. Não sei se devo elogiar a candura, pois é raro que o preconceito ideológico se exprima de forma tão eloquente e até tão fisiológica, ou se manifestar alguma surpresa, porque afinal um jornalista com responsabilidades prefere colocar-se de fora do debate que considera suficientemente importante para merecer a sua atenção.
Vieira Pereira é um adepto da espanholização da banca portuguesa e defende mesmo, de modo mais geral, que a concessão da economia nacional é uma vantagem, porque, com a bancarrota da burguesia lusa, é preferível termos outros donos: “A espanholização da banca pode ser um problema se acharmos que numa situação limite a gestão vai apoiar os interesses espanhóis em vez dos portugueses. Tendo a concordar com esta leitura. Mas isso é mau? Nos últimos anos os interesses estrangeiros têm feito muito mais por Portugal do que os interesses nacionais”. Era difícil ser mais claro, venham os espanhóis para comprar o Novo Banco e para expandir os seus “interesses”, são quem nos acode em hora amarga.
Aplaudo sempre quando não se discute em termos das banalidades tradicionais: é indiferente quem explora, porque explora, dizia um argumento esquerdista de velhos tempos, e isso parece-me ter tão pouco sentido agora como antes. Vejamos o caso concreto da banca. Se a banca nacional for dominada por interesses que escapam à capacidade de condicionamento e de deliberação dos poderes públicos, o funcionamento concreto do negócio bancário vai sempre favorecer a selecção e aquisição de empresas por capitais com estratégias inexpugnáveis. É uma escolha possível, mas não vale queixar-se depois.
O facto é que a banca vai colapsar – está a colapsar. Nicolau Santos fez este fim de semana um inventário impressionante sobre o Novo Banco, que declarou 981 milhões de prejuízo, depois de ter o conta-quilómetros a zero, como dizia o governador do Banco de Portugal (que fez escrupulosamente as contas para a resolução competente, foi o que se viu). Para tanto obteve um reforço de capital inicial de 4900 milhões e a limpeza dos passivos; conseguiu agora a anulação de mais 1900 milhões de divida sénior; teve um ano e meio para recompor as operações e ainda anuncia prejuízos de quase mil milhões, que continuarão no próximo ano. Houve testes de stress, há a colecção das obras completas do governador a garantir que o sistema sempre foi sólido, o futuro ex-presidente confirmou, o governo de então assentiu, tudo estava bem, quando tudo estava mal tudo foi bem corrigido e, afinal, o balanço é tóxico e os prejuízos continuam. O resultado é o colapso. Uma náusea, para usar o termo de Vieira Pereira.
Diz-nos isto que foi a portuguesidade dos gestores ou dos capitais que tramou o banco? Parece difícil de acreditar, até porque foram os mais considerados profissionais, a melhor ciência, os grandes especialistas, a coligação de apoiantes no Banco de Portugal e no BCE, todos juntos de Lisboa a Frankfurt. Falharam todos, simplesmente porque o seu sistema era falhar. Assim sendo, vender agora a espanhóis, ou seja, ao Santander ou ao La Caixa, vai resolver este sarilho? Como, se o Santander está em risco, como aqui demonstrei há dias, e os meus colegas de blog têm evidenciado com tanto detalhe?
Talvez o problema não seja então da nacionalidade dos capitais, que aliás são bastante indiferentes a essa mesquinhez. É da natureza da banca e da finança em tempos de crise: joga-se, perde-se, endivida-se, paga-se, pagamos. O controlo público procura simplesmente restabelecer as condições para decisões coerentes sobre o bem comum, como o sistema bancário. E a capacidade de controlo soberano exerce-se de modo diferente quando enfrentamos Ricardo Salgado e Carlos Costa ou Ana Botin e Mario Dragui, como é bom de ver.
Não será então uma náusea continuar esse triste fado de crises e resgates?
Artigo publicado no blogue Tudo Menos Economia.