Artigo de Ricardo Cabral.
Em Portugal vivemos recentemente os dramas do “bail-in” – eufemismo que significa que depositantes e credores seniores participam no resgate a um banco em dificuldades no âmbito da aplicação de uma medida de resolução – com o Banif e Novo Banco. Mas os dois bancos apresentavam rácios de capital relativamente sólidos mesmo antes da intervenção. Em particular, os seus rácios de alavancagem eram de 5,9% e cerca de 8%, respectivamente, muito acima do mínimo legal exigível (3%). Após o “bail-in” de credores seniores realizado a 29 de Dezembro, os rácios de alavancagem do Novo Banco serão de cerca de 10%, mais de 3 vezes o mínimo legal exigível.
A aplicação parcial das novas regras da União Bancária em Portugal no final de 2015, embora fora do mapa da agenda mediática europeia, provavelmente contribuiu para o clima de pré-crise que se vive nos mercados financeiros europeus e também internacionais, com as acções de grandes bancos europeus, como o Deutsche Bank, a sofrer quedas acentuadas ao mesmo tempo que se regista uma subida acentuada dos preços dos “seguros” contra o incumprimento da dívida bancária (CDS).
O rácio de alavancagem do Deutsche Bank era de 3,6% no terceiro trimestre de 2015, com analistas a discutir a necessidade de capital que o banco enfrenta para subir esse rácio para 5%. O rácio de alavancagem do Santander era de 3,7% no terceiro trimestre de 2015 e outros grandes bancos europeus também apresentam baixos rácios de alavancagem, a ponto de se discutir a alteração das regras de supervisão bancária para eliminar o requisito mínimo de 3% e de um analista do Deutsche Bank sugerir que é necessário abolir o dinheiro em espécie.[1]
Uma fonte próxima do governo alemão não teve pejo em dizer que o governo alemão interviria se alguém procurasse adquirir o Deutsche Bank. Mas a verdadeira questão é se se aplicariam ou não as novas regras da União Bancária a um banco demasiado grande para falhar (do inglês, TBTF ou “Too Big To Fail”) e ainda por cima a um TBTF alemão. É provável que não.
O certo é que o problema bancário da Europa não está nos pequenos bancos, mas sim nos TBTFs. O balanço médio (total de activos) dos 15 maiores bancos da Europa é de 1,3 biliões de euros, cerca de 7,3 vezes o tamanho da economia portuguesa.
Portanto, o problema do BCE é o que fazer com estes TBTFs. As regras da União Bancária – ao representarem uma alteração radical da forma de intervenção pelas autoridades, ao serem regras demasiado rígidas que só contemplam uma resposta possível, e ao serem aplicadas, de forma arbitrária, em Portugal e, em menor grau, na Itália – contribuíram para o pânico que agora se vive.
É importante seguir de perto os desenvolvimentos neste sector. E esperemos que o governo português, a partir da prática de outros governos, como o alemão e o italiano, repense a sua estratégia para o Novo Banco. Porque se nada fizer, se não defender vigorosamente o interesse nacional, o Novo Banco será “comido” por um destes TBTFs e todo o dinheiro público lá metido servirá para colmatar as lacunas de capital desses bancos demasiado grandes para falhar, ou para sequer salvar.
Artigo publicado no blogue Tudo Menos Economia.
[1] Se todos os pagamentos forem realizados através de transferências bancárias electrónicas, deixa de ser necessário dinheiro público. Em particular, os grandes bancos internacionais deixariam de estar obrigados a converter os seus depósitos (i.e., a sua moeda privada) em moeda pública. Por conseguinte, essa tese significaria, na prática, a eliminação da moeda pública e sua substituição por moeda privada, i.e., moeda criada pelos (grandes) bancos privados. Nessas circunstâncias, esses bancos não estariam sujeitos a corridas bancárias, porque poderiam sempre “imprimir” mais moeda privada (desde que continuassem a ter o apoio de outros grandes bancos privados).