E ainda: o OE2016 promove ou não uma melhor redistribuição de rendimentos?

Artigo de Ricardo Paes Mamede.


Eu sei que já cansa, mas o tema não está esgotado.

O DN volta hoje à carga num artigo com um título nada inocente, “Orçamento distribui mais dinheiro a quem ganha mais”. O argumento, basicamente, é este: a devolução de salários na função pública e o corte da Contribuição Extraordinária de Solidariedade em 50% beneficiam rendimentos mais elevados, que foram aqueles que foram mais prejudicados no passado. Logo, são estes os escalões de rendimentos que mais beneficiam.

Isto é verdade e não é.

Como tenho escrito, o OE cumpre várias funções, uma delas é melhorar a redistribuição de rendimentos, outra é repôr a normalidade constitucional. A reposição dos salários da função pública tem mais a ver com o segundo objectivo do que com o primeiro. Mas isto não significa que o OE2016 não beneficie os rendimentos mais reduzidos.

Vejam a tabela abaixo, construída com base nas simulações publicadas no Jornal de Negócios do passado dia 10/2. As simulações têm em conta várias medidas previstas ou já em vigor: Reposição dos salários da Função Pública de forma gradual; Eliminação total ou parcial da sobretaxa de IRS; Aumento do salário mínimo nacional de 505 para 530 euros; Reforço do Rendimento Social de Inserção; Aumento do abono de família; Aumento do Complemento Solidário de Idosos para os reformados muito pobres; Actualização em 0,4% das pensões abaixo de 600 euros; e Redução da Contribuição Extraordinária de Solidariedade.

A variável “vencimento público equivalente”, que acrescentei, divide o valor total dos vencimentos brutos pelos membros da família (com cada adulto a valer um e cada filho a valer 1/2), de modo a aproximar-se das necessidades de cada família. O quadro mostra-nos que os maiores benefícios, em termos propocionais, vão para agregados de baixos rendimentos (que tipicamente estão no sector privado ou são reformados).

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Em geral, o impacto das medidas adoptadas pelo governo beneficia mais os rendimentos inferiores. Mas há excepções que saltam à vista. Sem surpresa, entre os agregados com rendimentos mais elevados aqueles que mais beneficiam são os funcionários públicos – o que traduz o facto de terem sido os principais afectados pelos cortes dos últimos anos. Entre os rendimentos mais baixos são também de funcionários públicos os agregados menos beneficiados pelas medidas agora propostas, por razões semelhantes às que referi.

Com base nestes dados (que são apenas exemplificativos) a conclusão que parece emergir é esta: a orientação geral do OE parece a correcta, tendo em conta os objectivos a atingir. Ainda assim, poderão ser introduzidos no OE2016 alguns ajustamentos pontuais, em sede de debate na especialidade na Assembleia da República, de modo a torná-lo um instrumento mais coerente e eficaz.