Artigo de João Rodrigues.
“No meio do processo de venda foi ferido na alma de qualquer banco, a confiança dos depositantes.” Helena Garrido perscruta a alma da banca. Camilo Lourenço, também no Negócios, fala da banca como o sector mais “sensível” de uma economia, uma sensibilidade que só os políticos perturbariam, claro. Tudo para concluírem que o Estado português terá de aceitar perder dinheiro que injectou no Banif, sem entretanto ter exercido cabalmente o poder que vem com o capital, em mais um banco dito privado que caiu, com a “alma ferida”, dada a sua “sensibilidade”.
A verdade é que a banca é realmente especial, dado que o crédito é um bem público que tem de ser bem tratado, com a confiança que, em última instância, só o soberano pode dar. Não pode por isso ficar entregue à lógica da míope concorrência mercantil ao serviço de banqueiros ávidos de dinheiro e de poder. É evidente que isso Garrido e Lourenço nunca dirão. Ficam-se pelo moralismo imoral, incluindo a defesa da transferência dos custos para baixo por via de mais austeridade.
Mas sabem que mais? O Estado pode mesmo ter de suportar custos financeiros e a desonestidade do anterior governo foi não assumir isso, empurrando o problema com uma barriga cada vez maior. A banca é um problema de todos e a sua propriedade terá simplesmente de reflectir essa realidade. O Estado terá de procurar minimizar os custos, fazendo pagar muitos dos que estão financeiramente envolvidos no Banif, incluindo, se necessário for, depositantes com mais de cem mil euros. O banco terá provavelmente de ser “resolvido”, como agora se diz, e o que sobrar integrado e diluído com tempo num pólo bancário público revigorado, que passará a incluir também os restos do antigo novo banco. Sem clarificações radicais, esta crise bancária em câmera lenta não terá fim, com os custos associados.
Só com uma propriedade maioritariamente pública da banca é possível uma regulação pública deste bem público, dirigindo-o para os sectores economicamente mais promissores, sem pressões míopes para a especulação ou para o crédito improdutivo. Tudo muito bonito, mas quem manda não deixa, Frankfurt e Bruxelas não deixam. Dizem que o Estado fica com demasiado poder de mercado. O mito da concorrência não morre por lá, impondo vendas apressadas, servindo para dificultar as soluções por cá.
Pois é, precisamos de um Banco que seja de Portugal e que não se limite a ser o que é: uma sucursal do estrangeiro, ao serviço do capital financeiro, perdão, da “estabilidade financeira”.
Publicado no blogue Ladrões de Bicicletas.