Obrigados a intervir e obrigados a vender?

Artigo de João Galamba.


As regras europeias para a recuperação e a resolução bancárias (diretiva DRRB) partem do pressuposto de que a intervenção pública no sector bancário é uma anomalia, um desvio a corrigir. A frase “não podem ser os contribuintes a pagar os desvarios da banca” faz todo o sentido quando pretende dizer que não podemos ter privatização dos ganhos e socialização dos custos. Mas já faz menos sentido quando se pretende dizer que temos de arranjar maneira de eliminar a inteiramente a responsabilidade do Estado e dos contribuintes em relação à banca, pressupondo que lucros e perdas do sector devem ser necessária e desejavelmente privados.

Faz menos sentido por três razões: porque a socialização dos custos nunca pode (nem deve) ser totalmente eliminada; porque esta só é um problema se insistirmos no dogma da privatização dos ganhos; porque a privatização dos ganhos não pode ser um dogma.

A socialização dos custos nunca pode ser totalmente eliminada porque a atividade bancária não é possível sem uma garantia implícita do Estado e dos contribuintes. Ou melhor, possível até é, mas não é desejável, porque viver sem garantia de depósitos e sem uma garantia estatal de último recurso em caso de falência sistémica não deu bons resultados. Por alguma razão o mundo evoluiu desse estado. Sugerir que devemos voltar a ele não é uma opção, por muito que alguns (poucos) o defendam.

A socialização dos custos só é um verdadeiro problema porque se está a socializar custos depois de ganhos privados. No caso de bancos públicos, como a Caixa Geral de Depósitos, a socialização das perdas foi precedida por uma socialização dos ganhos, pelo que o problema não se coloca. Só estamos a discutir a socialização dos custos como um problema porque tivemos uma crise bancária e financeira que obrigou o Estado a intervir em bancos privados.

Podemos e devemos discutir se a banca deve ser pública ou privada. Mais útil, e sobretudo mais urgente, é discutir o que fazer com a banca que temos, no contexto em que vivemos, isto é, na sequência de uma crise bancária e financeira sem paralelo e que exigiu uma forte intervenção do Estado (e dos contribuintes).

Em Portugal, há bancos privados, há um banco público e há um outro banco que era privado e que agora é temporariamente público. Sobre os bancos privados que tenham condições para continuar a sê-lo, nada a dizer. Sobre os bancos que eram e são públicos, apenas que, se o Estado desejar manter a sua propriedade, então deve poder fazê-lo, comportando-se como qualquer acionista, isto é, recapitalizando o banco e assegurando que este é bem gerido. Sobre os bancos temporariamente públicos, apenas que estes devem ser tratados como bancos públicos e vendidos apenas se e quando o Estado os quiser vender.

A existência de um sistema bancário composto essencialmente por bancos privados criou um problema. Convém evitar que as regras europeias criem novos problemas, obrigando a uma espécie de privatização forçada (do que resta) do sistema. Se o Estado for obrigado a vender, então as regras deixarão de ser apenas sobre recuperação e resolução bancária, passando a constituir uma forma inaceitável de penalização da propriedade pública. No caso de venda forçada, teríamos a privatização dos ganhos original, seguida de uma socialização dos custos na sequência da crise, seguida novamente de uma privatização (forçada) dos ganhos. O Estado pode não ter alternativa a intervir, mas tem de ter alternativa a vender.


Artigo publicado no Expresso online