O início do Semestre Europeu para 2016 e a situação portuguesa

Artigo de Fernando Marques.


O ciclo anual da chamada governação económica europeia inicia-se com a publicação da Análise Anual do Crescimento. Este documento tem um carácter estratégico na medida em que contém as linhas orientadoras das políticas económicas, orçamentais e estruturais da UE. É com base neste documento que os Estados-Membros irão elaborar, no início de cada ano, os Programas Nacionais de Reforma bem como os Programas de Estabilidade e Convergência. A Comissão analisa estes documentos e dirige recomendações específicas aos países, as quais serão aprovadas na Cimeira de Junho. Tais recomendações vão ter consequências designadamente na elaboração das próximas Propostas de Orçamento de Estado dos Estados-Membros.

A Análise Anual do Crescimento não é o único documento económico orientador. Por exemplo, a 26 de novembro passado a Comissão apresentou também, entre outros textos, o Relatório do Mecanismo de Alerta sobre os desequilíbrios macroeconómicos e o Projecto de Relatório Conjunto sobre o Emprego. Mas é de facto o mais importante. Justifica-se pois o seu exame com vista a salientar os seus conteúdos essenciais e se perceber o modo como é condicionada a política económica nacional(1).

Embora a Análise Anual do Crescimento para 2016 (AAC2016) assente, tal como em 2015, nos três pilares do relançamento do investimento, das reformas estruturais e da responsabilidade orçamental, a ênfase é posta nas reformas estruturais, como eufemisticamente se rotula a liberalização da economia, a desregulação do trabalho e o enfraquecimento ou mesmo desmantelamento dos Estados sociais nacionais, ou do que deles resta.

1. Crescimento económico e barreiras ao investimento

O crescimento económico, sobretudo na zona do euro, tem-se mantido baixo, desequilibrado e aquém do verificado noutras regiões do mundo. Neste quadro, afigura-se surpreendente a falta de ênfase no crescimento económico face a um contexto onde, tendo como referência a zona do euro, a taxa de desemprego está em 10,7%, sendo de 22,3% para os jovens (Outubro de 2015), o nível de vida médio é inferior ao verificado em 2007, a dívida pública está acima de 90% do PIB e a inflação se situa pouco acima dos 0%, mesmo com o programa de compra de títulos de dívida pública lançado este ano pelo Banco Central Europeu.

É certo que, segundo as previsões económicas de Outono da Comissão Europeia, o crescimento poderá passar de 1,6% em 2015 para 1,8% em 2016 na área do euro. Trata-se de uma recuperação modesta apesar de factores favoráveis como a baixa do preço do petróleo, que terá sido responsável por 0,5% do total (OFCE e outros, 2015), a política monetária expansionista – que contribui para uma baixa do euro com impactos na melhoria da competitividade – e uma política orçamental menos restritiva.

Mas a Comissão chama a atenção para os fortes riscos na evolução da economia mundial devido à desaceleração nas economias emergentes e em particular na China (European Commission, 2015a). A continuação do crescimento não está ameaçada, segundo as previsões actuais, mas há riscos e vulnerabilidades. A situação presente deveria pois levar a que na AAC para 2016 fosse sublinhado o papel da procura interna (consumo e investimento) para o crescimento.

A Comissão alerta para os desequilíbrios macroeconómicos existentes na maioria dos países, de acordo com o Relatório sobre o Mecanismo de Alerta para 2016 (Comissão Europeia, 2015b). Os desequilíbrios apontados são de natureza muito diversa como a fraqueza na capacidade de crescimento, o endividamento (interno ao externo), a subida dos preços dos activos nalguns países, a acumulação de crédito mal parado no sector bancário e a própria existência de elevados excedentes nas balanças correntes nalguns países, como é o caso, sobretudo, da Alemanha.

No caso de Portugal, a Comissão conclui, como já em Fevereiro o fizera, por um desequilíbrio macroeconómico excessivo, apontando “nomeadamente, a posição líquida do investimento internacional, a dívida do sector privado, a dívida pública, o desemprego, bem como a diminuição da taxa de actividade, o aumento do desemprego de longa duração e o desemprego juvenil” (Comissão Europeia, 2015b: 35). Não deixa de ser curiosa tal conclusão, sabendo-se ter Portugal saído de um programa de assistência que supostamente era dirigido à superação de alguns dos problemas identificados e de a Comissão ter feito parte da troica.

Em suma, a retoma, iniciada em 2014, é frágil e não resulta tanto de uma dinâmica interna e de um crescimento auto-sustentado como de factores voláteis e geralmente temporários (OFCE, 2015: 39). Seria antes preciso contar mais com a procura interna, incluindo o crescimento salarial e a dinamização do investimento (público e privado), e ter políticas orçamentais que melhor apoiassem o crescimento.

Dir-se-á que a presente Comissão tem posto o foco no investimento, através do Plano Juncker, embora não haja indicação de financiamentos adicionais para aumentar o investimento em 2016. Promover o investimento é uma medida adequada, mas será que irá resolver os problemas que Portugal enfrenta?

Têm sido feitas observações críticas ao Plano Juncker nas quais se salientam: a dimensão, considerada modesta pela Confederação Europeia de Sindicatos; o “esquecimento” do investimento público; a falta de realismo na relação prevista entre o investimento inicial, proveniente do orçamento europeu e do Banco Europeu de Investimentos (BEI), e o investimento total mobilizado. Aponta-se também que os investimentos do BEI não têm privilegiado os países com mais necessidade ou mais atingidos pela crise, desde logo a Grécia, podendo o mesmo vir a acontecer com o Plano Juncker (OFCE e outros, 2015: 46-47).

A AAC2016 põe a ênfase na remoção das barreiras ao investimento. Tanto este documento como o Relatório de Alerta reconhecem que o elevado endividamento privado, sobretudo das empresas, constitui uma barreira ao investimento. Mas aponta-se para “modernos e efectivos regimes de insolvência e de falência de empresas”. Porém, o endividamento privado em Portugal é tão elevado (227% do PIB em Setembro de 2015) que não se vê como é que tal medida poderia resolver este problema, para além dos potenciais efeitos no aumento do desemprego.

Em nossa opinião, o que se exige é um quadro de políticas que, a todos os níveis, apoie o desenvolvimento e o crescimento económico. Doutro modo, a situação no sector bancário conduzirá à substituição de dívida privada por dívida pública, como tem vindo a acontecer. De resto, o sector financeiro não pode estar bem se a economia o não estiver. Neste contexto vale a pena salientar o elevado rácio de crédito vencido (21,6% em Setembro, sendo de 16,4% das empresas não financeiras e 5,2% dos particulares) e a tendência de persistente aumento desde 2008.

Em matéria de política orçamental o único ajustamento que consta da AAC 2016 é a afirmação de que a Comissão terá em conta o influxo de refugiados. E mesmo que a política orçamental europeia não venha a ser mais rigorosa em 2016, não há uma qualquer mudança de rumo; pelo contrário, está prevista a publicação de um relatório pela Comissão sobre a incorporação do Tratado Orçamental(2) na legislação dos países no início deste ano. E continuará a ser exigido que Portugal alcance em 2016 um défice público de 2,7% do PIB, um valor bem mais baixo face aos que países mais desenvolvidos anunciaram. Tudo indica para a continuação de uma política em que as autoridades europeias são brandas com os fortes e implacáveis com os fracos.

2. Mercado de trabalho e salários   

Ao longo de todo o texto repete-se, dir-se-ia obsessivamente, a expressão reformas estruturais. Esta é de facto, a nosso ver, a real prioridade à qual as outras se submetem. A expressão é equívoca: seria mais simples e verdadeiro falar na liberalização da economia (como se a falta de regulação não tivesse provocado uma crise global que ainda não findou), mercados de trabalho flexíveis (isto é, desregulados) e o enfraquecimento ou mesmo desmantelamento de Estados sociais nacionais que foram profundamente atingidos pela crise.

No discurso da Comissão, mercados de trabalho flexíveis traduzir-se-ão na criação de empregos e na redução de um desemprego que seria estrutural. Ignora-se, deliberadamente a nosso ver, a responsabilidade das políticas macroeconómicas, a crescente precariedade de emprego e a incidência das condições do mercado de trabalho no agravamento da pobreza, incluindo da pobreza laboral. Nesta perspectiva, há três aspectos fundamentais da AAC2016 que importa considerar: a regulação do emprego, a contratação colectiva e os custos com o trabalho.          

O primeiro respeita às consequências da flexibilidade do emprego nos direitos dos trabalhadores, isto é na legislação protectora do emprego. A AAC2016 contém uma afirmação que, na aparência, parece contradizer o argumento de que a Comissão visa uma desregulamentação do trabalho que conduz a maior precariedade: “estáveis e previsíveis relações de trabalho e em particular tipos de contratos mais permanentes induzem os empregadores e os trabalhadores a investir mais na qualificação e na aprendizagem ao longo da vida”(3). Refere a seguir o aumento dos empregos flexíveis, o que diz não ser de estranhar na fase inicial da recuperação, para concluir que este movimento no sentido de mercados de trabalho mais flexíveis deve facilitar a criação de emprego e de contratos permanentes de trabalho. Está aqui implícito o argumento usual de que se a legislação de protecção de emprego tender a ser idêntica para todos os trabalhadores então não haverá razão para os empregadores preferirem os contratos não permanentes. Ou seja, no limite se todos formos precários ninguém o é. Não seria de esperar que o texto fosse tão nu e cru, recorrendo antes à esperada, porque habitual, formulação de que a legislação de protecção de emprego deve continuar a ser “modernizada e simplificada”.    

O segundo respeita à contratação colectiva, onde a Comissão tem sido acérrima defensora da descentralização da negociação colectiva, ou seja a sua deslocação para a empresa. Desta vez, o acento é posto na diferenciação salarial (o que objectivamente significa incentivar o aumento das desigualdades) e na coordenação salarial o que exigirá que “a representação dos trabalhadores seja bem assegurada”, não sendo explicado o porquê desta estranha observação, que é, além disso, apenas dirigida a uma parte na negociação (os trabalhadores). A Comissão não explica porque é que uma “análise anual do crescimento” exige este tipo de interferência, para mais numa matéria que corresponde a um direito fundamental e que é da estrita competência nacional.

No caso português, e sem fazer aqui o balanço do que foi o ataque dirigido pela troica (ver a este respeito: Campos Lima, 2015), relembrem-se apenas posições recentes. No relatório dirigido a Portugal sobre os desequilíbrios macroeconómicos excessivos a Comissão, após ter concluído ter o país procedido a “um conjunto exaustivo de reformas do mercado de trabalho”, constata a diminuição “substancial” da cobertura convencional; refere novas medidas restritivas (como a redução do prazo de sobrevigência das convenções caducadas e a possibilidade de suspensão temporária de convenções colectivas sectoriais); pressiona a descentralização do sistema de contratação colectiva; critica algum alargamento das convenções, após um período de quase congelamento (“a generalização potencial das extensões de convenções colectivas poderá constituir um obstáculo a um ajustamento eficiente dos salários a nível de empresa”; ver Comissão Europeia, 2015d: 33-35). Nas Recomendações dirigidas a Portugal, no âmbito do anterior Semestre Europeu, aprovadas em Junho de 2015, o Conselho insiste no alinhamento dos salários pela produtividade, preconiza que as empresas possam derrogar os contratos sectoriais e critica o aumento verificado no salário mínimo (Conselho Europeu, 2015).

         Quadro 1: Instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho publicados

2009

2010

2011

2012

2013

2014

2015

Convenções colectivas

259

234

183

94

97

161

138

– De sector (CCT e ACT)

164

166

115

45

45

72

82

– De empresa (AE)

22

25

22

9

18

23

50

Portarias de extensão

101

116

17

12

9

13

50

Trabalhadores (milhares)*

1303

1295

1203

306

187

247

475

Trabalh. (total) (milhares)

3775

3766

3719

3453

3458

3611

3723

       Fonte: DGERT e INE; 2015: Janeiro a Novembro; Total de trabalhadores em 2015 = 2º trimestre

       * Não inclui PCT Trabalh. administrativos

       

O terceiro respeita aos custos com o trabalho. No domínio dos salários, a Comissão volta a insistir em que os salários não podem crescer mais do que a produtividade. É certo que, tal como no ano passado, se especifica que o alinhamento respeita a salários reais e não nominais, o que subentende que os salários podem crescer na soma da inflação com a produtividade. A questão, porém, é que os salários reais têm crescido menos que a produtividade, o que significa que a parte salarial na distribuição do rendimento tem diminuído na generalidade dos países. Por exemplo, em Portugal as remunerações no PIB diminuíram 3,7 pontos percentuais entre o terceiro trimestre de 2009 e o terceiro trimestre de 2015 (calculado a partir de: INE, 2015).

A pressão sobre os salários é também patente na proposta de criação em cada país de Conselhos de competitividade. A Comissão Europeia publicou em 21 de Outubro uma Recomendação nesse sentido, na sequência de idêntica proposta feita no designado Relatório dos 5 presidentes de Junho de 2015 sobre a conclusão da UEM, onde se previa uma interferência directa das, então propostas, Autoridades de Competitividade nas negociações salariais. A proposta da Comissão prevê que esses Conselhos sejam independentes e invoca a necessidade de providenciar informação sobre a evolução e os mecanismos de definição de salários com vista a acompanhar e dar parecer sobre as políticas no domínio da competitividade (Comissão Europeia, 2015 c).

A fundamentação refere que a ausência de regimes de câmbios flexíveis torna a medida necessária para fazer face a choques económicos que afectem os países. Está pois subjacente a ideia de que os salários constituem, em tal situação, a variável de ajustamento. Porém, analisando a AAC no seu conjunto, e o que tem sido a experiência do Semestre Europeu, podemos generalizar dizendo que se concebe o sistema social como variável de ajustamento.

3. Segurança social pública e Estado Social

Há uma terceira dimensão da pressão feita sobre os custos com o trabalho, para além da referida interferência nos sistemas de contratação colectiva e na autonomia na fixação dos salários pelos sindicatos e empregadores nos Estados-Membros: a carga fiscal sobre o trabalho, a qual deve ser reduzida a fim de, diz a Comissão, criar emprego e fomentar o empreendorismo.

A expressão (carga fiscal sobre o trabalho) esconde mais do que revela, porque o que está em causa não é a diminuição dos impostos sobre o rendimento do trabalho mas antes as contribuições para a segurança social. Estas contribuições representam, aliás, mais de 2/3 da designada carga fiscal sobre o trabalho (Eurostat, 2014). O financiamento da segurança social pública de natureza previdencial é posto em causa.

O tema não é novo. Em 1993, Jacques Delors, no Livro Branco Crescimento, Competitividade e Emprego, advoga a redução das contribuições sociais como instrumento da competitividade das empresas. Esta posição de um alto representante da social-democracia europeia e presidente da Comissão vai facilitar o ataque sistemático dos meios neoliberais à segurança social pública previdencial. Em 2012, a Comissão Europeia preconiza no Livro Branco sobre as pensões o aumento da idade da reforma e o desenvolvimento de pensões em regime de capitalização.

Nos últimos anos, a Comissão Europeia tem insistentemente preconizado a redução da carga fiscal sobre o trabalho. A ideia subjacente é que as empresas europeias não são competitivas face às americanas porque têm custos com o trabalho mais elevados, ignorando todos os outros factores, desde logo a existência de um modelo social diferente que antes era valorizado. Seguindo esta orientação, diversos países procederam a diminuições nas contribuições sociais. Vários governos gostariam de ter ido mais longe e se não o fizeram foi, a nosso ver, menos por comprometimento com a segurança social e mais por motivo de escassez de financiamento alternativo. Em suma, se as ideias não são novas a pressão é agora maior no contexto do Semestre Europeu.

A AAC 2016 invoca as decisões do Eurogrupo (um grupo que não é seguramente o mais favorável à segurança social pública) no sentido da aplicação dos princípios definidos em Setembro de 2014, com vista à redução da carga fiscal sobre o trabalho. Neles se afirma que a redução da carga fiscal sobre o trabalho (que deve ser efectiva) constitui uma clara prioridade política. Admite-se que os países tenham pouco espaço orçamental pelo que a perda de receitas deve ser compensada ou pela redução da despesa (a “não produtiva”, sem se dizer qual seja) ou pela deslocação fiscal para impostos que seriam menos prejudicais ao crescimento, desde que no cumprimento do Pacto de Estabilidade e de Crescimento.

Sem deixar de observar que esta política se insere no quadro mais geral da mudança dos sistemas fiscais a pretexto de serem favoráveis ao crescimento, a questão de fundo está na transformação da natureza dos sistemas de segurança social de natureza previdencialista. Um eventual “financiamento alternativo” da segurança social (por impostos e não por contribuições sociais) tornaria os orçamentos da segurança social dependentes dos Orçamentos de Estado. Recorde-se que em Portugal as transferências para o cumprimento da Lei de Bases da Segurança Social tiveram, desde 2010, um corte de 17% em termos nominais. Acresce não ser indiferente financiar a segurança social contributiva por impostos ou por contribuições sociais(4). Nesta há uma relação salários-contribuição-prestação que, ao ser rompida, incentiva a fixação de prestações básicas. Estas duas razões favoreceriam o encaminhamento dos sistemas previdenciais para o assistencialismo.

Na AAC para 2016 a Comissão refere que as reformas nos Estados-Membros se têm orientado no sentido da “racionalização” dos esquemas de pensões públicas (mas sem dizer que tem preconizado tais reformas) e aponta a necessidade de prosseguir esta via através do aumento da vida de trabalho e de esquemas de pensões complementares assentes em poupanças individuais.

Nas Recomendações dirigidas a Portugal, no âmbito do anterior Semestre Europeu, insiste-se na necessidade de reforma das pensões: “registaram-se progressos limitados no desenvolvimento de novas medidas abrangentes como parte integrante da reforma das pensões em curso”. Será difícl desligar esta posição do corte permanente sobre as pensões que foi previsto no Programa de Estabilidade apresentado pelo Governo em Abril de 2015. Isto significa que as autoridades europeias estão a substituir a troica através das recomendações específicas por países.

Não é apenas a segurança social (as pensões em particular), que está em causa, mas a despesa social. A política de austeridade levou a um forte aumento da nossa dívida pública (130,6% em Setembro), com consequências em termos de despesas económicas e sociais: o investimento público tem diminuído e as despesas com juros relativas à dívida pública ultrapassam as despesas com o Serviço Nacional de Saúde.

          Quadro 2: Indicadores de finanças públicas (% do PIB)

2010

2011

2012

2013

2014

2015

Défice orçamental

-11,2

-7,4

-5,7

-4,8

-7,2

-3,0

Dívida pública

96,2

111,4

126,2

129,0

130,2

128,2

Juros

2,9

4,3

4,9

4,8

4,9

4,9

Investimento público

5,3

3,5

2,5

2,2

2,0

2,1

SNS (transferência do orçamento do Estado)

4,8

4,7

4,6

4,6

4,5

4,4

Fontes: INE, Comissão Europeia (previsões para 2015) e, no tocante ao SNS (Serviço Nacional de Saúde), as Propostas de Orçamento do Estado.

A questão está em como se responde a este problema. A nosso ver, sem mudanças ao nível da estrutura produtiva nacional cairemos na lógica da obtenção (imposição de facto, no quadro da política orçamental da UE) de elevados excedentes primários com efeitos no enfraquecimento ou mesmo desmantelamento do nosso sistema social, pelo menos com as características que o fundam.

4. Considerações finais

A conclusão principal, que é legítimo retirar, é a da continuação de aspectos fundamentais da política de austeridade imposta pela troica e pelo governo PSD-CDS no quadro da chamada nova governação económica da UE, na qual se insere o Semestre Europeu, mesmo que a intensidade desta política não seja a mesma num período e noutro. Mas, insiste-se, a natureza das políticas não foi alterada, o que é particularmente claro no domínio do trabalho e das políticas sociais.

A lógica essencial da política seguida assenta na ideia de promover (ou mesmo de impor) as chamadas reformas estruturais, assente na ideia de uma “economia de mercado livre”; “livre” também dos sindicatos, devendo ser recordada a insistência da troica (da qual fez parte a Comissão Europeia) na negociação de convenções colectivas por organizações não sindicais. Não foi por a troica desconhecer a Constituição portuguesa, a qual atribui aos sindicatos este direito fundamental. Mas sim, a nosso ver, por se tratar de uma medida inserida num ataque sem precedentes desde o 25 de Abril ao trabalho e aos direitos sociais.   


Notas:

1 – Este texto tem sempre como referência este documento (Comissão Europeia, 2015a), a menos que se especifique um outro.

2 – Tratado sobre Estabilidade, Coordenação e Governação na União Económica e Monetária.

3 – Apesar disso, na Recomendação da Comissão para uma Recomendação do Conselho dirigida aos países da zona euro (European Commission, 2015b), igualmente publicada a 26 de Novembro, prevê-se a aplicação de reformas sobre contratos de trabalho “flexíveis e fiáveis”.

4 – Não está em causa financiar por impostos a segurança social não contributiva.


Referências principais

Campos Lima, Maria da Paz (2015), “A reconfiguração do regime de emprego e das relações laborais na óptica laboral”, CES – Observatório sobre Crise e Alternativas / Cadernos do Observatório. Disponível em: www.ces.uc.pt .

Comissão Europeia (2015a), Análise Anual do Crescimento para 2016. Reforçar a retoma e fomentar a convergência, Comunicação, Bruxelas, 26.11.2015. Disponível em: http://ec.europa.eu/europe2020 .

Comissão Europeia (2015b), Relatório sobre o Mecanismo de Alerta 2016, Bruxelas, 26.11.2015. Disponível em: http://ec.europa.eu/europe2020 .

Comissão Europeia (2015c), Recomendação de recomendação relativa à criação de conselhos nacionais da competitividade na área do euro, COM(2015) 601 final, Bruxelas, 21.10.15. Disponível em: http://eur-lex.europa.eu .

Comissão Europeia (2015d), “Relatório relativo a Portugal 2015 que inclui um apreciação aprofundada sobre a prevenção e correção dos desequilíbrios macroeconómicos”, SWD (2015) 41 final, Bruxelas 26.2.2015. Disponível em: http://ec.europa.eu/europe2020

Conselho Europeu (2015), “Recomendação de 14 de julho de 2015 relativa ao Programa Nacional de Reformas para 2015 de Portugal e que formula um Parecer do Conselho sobre o Programa de Estabilidade para 2015 de Portugal, (2015/C 272/25)” Jornal Oficial de 18.8.2015. Disponível em:  http://ec.europa.eu/europe2020 .

Eurogroup (2014), “Eurogroup statement, Stuctural reform agenda – thematic discussions on growth and jobs – Common principles for reforms reducing the tax burden on labour”, 12.9.2014, Press. Disponível em: http://www.consilium.europa.eu .

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European Commission (2015 a), European Economic Forecast Autumn, 2015. Disponível em: http://ec.europa.eu/economy_finance .

European Commission (2015 b), Recommendation for a Council Recommendation on the economic policy of the euro area, COM(2015) 692, final, 26.11.2015. Disponível em: http://ec.europa.eu/europe2020

Eurostat (2014), Taxation trends in the European Union, 2014 edition. Disponível em: www.ec.europa.eu.

INE (2015), “Capacidade de financiamento da economia manteve-se em 1,3% – 3º trimestre de 2015”, Destaques, 23.12.2015. Disponível em: htpps:// www.ine.pt.

OFCE e outros (2015), iAGS 2016, Give Recovery a Chance, 25.11.15, disponível em www.ofce.sciences-po.fr.