Artigo de João Galamba.
Desde 2011, o Estado português foi forçado a intervir em quatro bancos, três privados – BCP, BPI e Banif – e um público, a Caixa Geral de Depósitos, e a resolver dois – BES e Banif.
Depois de anos de distribuição de milhares de milhões de euros de dividendos aos accionistas privados, eis que o Estado é transformado em accionista de último recurso. Apesar de todas as vicissitudes dos últimos anos, que envolveram perdas de milhares de milhões de euros para o Estado, este processo ainda se encontra longe de estar resolvido. E 2016 promete ser um ano determinante para a banca portuguesa.
Na ausência de capital privado, e enquanto os bancos punham em prática planos de reestruturação que assegurassem a sustentabilidade da sua actividade, foi o Estado a garantir os níveis mínimos de capital exigidos pela regulação. Apesar de todas as diferenças*, a intervenção pública seguiu sempre a mesma lógica: a “ajuda de Estado” seria excepcional e temporária, não alterando a natureza essencialmente privada do sector financeiro. Uma vez ultrapassados os “tempos difíceis”, tudo voltaria ao normal: uma banca essencialmente privada e dependente apenas dos seus próprios recursos para funcionar.
Três anos depois de iniciado este processo, verificamos que nenhum banco foi capaz de reembolsar o Estado através de recursos gerados pela sua própria actividade. BPI e BCP não se tornaram subitamente rentáveis, limitaram-se a fazer aumentos de capital com o objectivo único de reembolsar o Estado. A Caixa, como tem o próprio Estado como único accionista, ainda não reembolsou nada, e só poderia fazer o que fizeram o BCP e o BPI se fosse privatizada, permitindo a entrada de capital privado, ou se os Cocos fossem convertidos em capital. O Banif não arranjou accionista privado que reembolsasse o dinheiro que o Estado lá havia injectado e teve de ser resolvido e posteriormente vendido ao Santander, implicando perdas superiores a 2.000 milhões de euros para os contribuintes. E o BES — que dispensou a ajuda pública inicial, sendo apresentado como um modelo de virtudes da gestão e propriedade privadas — teve de ser resolvido, o que implicou uma ajuda pública de 4900 milhões de euros. Os custos de litigância ainda não são conhecidos, mas devem ser avultados e serão imputados ao fundo de resolução, isto é, ao Estado.
Fruto da intervenção decidida no final de 2012, o Banif tornou-se num banco público. Ao decidir intervir num banco que as autoridades europeias (sabemos agora) consideravam inviável, o governo anterior comprometeu, de forma irresponsável, o património do Estado e dos contribuintes. Ao nada fazer durante três anos, o governo anterior agravou ainda mais o problema, porque o enquadramento regulatório foi-se tornando mais restritivo com a passagem do tempo, estreitando as opções existentes. No final, restavam apenas a liquidação do Banif, que era ruinosa para o Estado, ou a sua resolução e posterior venda, que também era ruinosa, mas menos que o cenário de liquidação.
Se o governo anterior deve ser responsabilizado pela gestão dos últimos três anos, a Direcção-Geral da Concorrência também não pode escapar às críticas. Em primeiro lugar, pela sua conivência com o executivo anterior, o que permitiu ocultar o problema até às eleições. Em segundo lugar, pela solução que acabou por impor que, mais do que implicar perdas excessivas para o Estado, implicou ganhos excessivos e injustificados para o Santander, que recebeu um banco limpo de todos os seus problemas a preço de saldo.
Se as regras europeias em matéria de ajuda de Estado determinam que o Estado tem obrigatoriamente de abrir mão do banco que foi obrigado a resgatar, então, essas regras têm forçosamente de ser revistas. Não faz sentido considerar a intervenção do Estado necessária em termos de estabilidade sistémica e, depois de assumidas todas as perdas pelos contribuintes e pelo Estado, considerar também necessário que os bancos intervencionados sejam liquidados ou vendidos a privados. O simples facto de isto decorrer das regras constitui um subsídio inaceitável a accionistas privados de bancos, que ficariam a saber que o Estado não só tem de intervir, porque os custos de falência do sistema são incomportáveis, como também tem de vender, seja a que preço for. Sabendo que os Estados só podem escolher entre a falência de um banco e a sua privatização forçada, não há negócio de venda que possa ser rentável para o Estado: os accionistas privados sabem que enfrentarão sempre saldos significativos na compra.
Não há nenhuma justificação para que estes processos decorram desta forma. Os Estados deviam ter a opção de ficar com bancos nos quais detêm ou passam a deter a maioria do capital. Devia ter sido assim no Banif. Deve ser assim no Novo Banco. E tem de ser assim na Caixa.
No Banif devia ter existido a opção de integrar o banco na Caixa, porque a venda forçada ao Santander beneficia apenas o banco espanhol. No Novo Banco, depois de uma injecção de capital de 4.900 milhões de euros e de necessidades adicionais de capital superiores a 1.500 milhões de euros, o Estado deve vender se quiser ou se for rentável fazê-lo, nunca podendo existir uma obrigação de venda forçada que desvaloriza o banco e lesa os contribuintes em benefício dos privados.
O Estado não pode ser forçado a desempenhar um papel de garante sistémico de negócios privados. Se o Estado intervém em nome do interesse público, então, deve ser o interesse público, e não uma ideia dogmática de economia privada e de concorrência, a presidir a todo o processo. Não se trata de defender a nacionalização da banca, mas apenas de combater a sua privatização forçada. Depois de uma crise financeira criada essencialmente por privados, parece-me uma ideia do mais elementar bom senso.
* De todos os bancos que receberam capital público, o Banif foi um caso singular, porque foi o único que recebeu injecções directas de capital público; todos os outros foram recapitalizados via obrigações convertíveis, os chamados Cocos. Isto só reforça a tese de que a intervenção decidida no final de 2012 devia ter sido de outra natureza.
Artigo publicado no Diário Económico