Aumentar o salário mínimo como parte de uma estratégia global – e avaliar os resultados

Artigo de Ricardo Paes Mamede.


O salário mínimo nacional foi criado na Nova Zelândia no final do século XIX. Desde então tornou-se um dos temas mais polémicos no debate público em vários países e dos mais analisados na investigação económica. O seu objectivo primordial consiste em proteger a parte mais fraca da relação laboral – os assalariados – evitando que haja quem trabalhe por montantes que não chegam para satisfazer necessidades básicas. No entanto, as suas implicações a outros níveis não são óbvias – desde logo, no que respeita aos impactos no volume geral de emprego na economia em causa.

Os resultados da investigação económica não são inteiramente conclusivos a este respeito. Poucos estudos concluíram que o aumento do salário mínimo tem impactos substanciais no volume de emprego. Muitos apontam para um pequena destruição de emprego, outros para alguma criação, outros ainda para efeitos nulos. Não sabemos quantos estudos não chegaram sequer a ser publicados por chegarem a resultados que não são estatisticamente significativos.

Em termos teóricos, são vários os argumentos a favor da existência e de um aumento gradual do salário mínimo nacional. Incluem-se aqui, em qualquer circunstância, uma mais justa repartição do rendimento entre assalariados e empregadores, a dignificação do trabalho e dos trabalhadores (na maioria dos casos, das trabalhadoras) e a redução da pobreza entre os assalariados. No caso de economias menos avançadas, o salário mínimo funciona também como pressão para a melhoria da eficiência dos processos produtivos e para a transformação estrutural das economias no sentido de actividades geradoras de maior valor acrescentado. Quando as economias estão a produzir abaixo do potencial, o aumento do salário mínimo pode contribuir para estimular a procura e para contrariar riscos de deflação (ou inflação demasiado baixa). Qualquer um destes argumentos joga a favor de um aumento do salário mínimo em Portugal neste momento.

Em qualquer caso, importa ter presente os vários riscos habitualmente referidos na literatura sobre este tema. A saber, o aumento do salário mínimo pode: levar a uma menor criação de emprego; criar dificuldades acrescidas para trabalhadores menos qualificados; aumentar as desigualdades de rendimento entre empregados e desempregados (ou inactivos involuntários); conduzir à perda de competitividade das empresas mais expostas à concorrência internacional; ou aumentar o défice externo também por via de um aumento das importações. Qualquer um dos riscos listados é relevante no caso português, ainda que com variações.

Por exemplo, a principal fonte de desigualdades em Portugal na actualidade é a inserção precária de mais de um milhão de activos no mercado de trabalho, muitas vezes associada às baixas qualificações, o que torna particularmente graves os primeiros três riscos referidos. Quanto aos impactos na competitividade, eles tendem a ser diminutos por vários motivos: em geral, o efeito de um aumento do salário mínimo nos custos salariais totais é marginal (e os custos salariais são uma pequena parte dos custos totais das empresas); a maioria dos indivíduos que auferem o salário mínimo trabalha em sectores que não estão expostos à concorrência internacional; os preços das exportações têm crescido mais rapidamente do que os salários, o que significa que as empresas que exportam têm mais margem para suportar os aumentos salariais (já de si modestos).

Em suma, podemos esperar impactos positivos de um aumento do salário mínimo, mas também existem riscos. A preocupação dos responsáveis políticos deve ser a de maximizar os primeiros e de minimizar os segundos. Isto faz-se de diversas formas: investindo na melhoria das competências de gestão das empresas; reforçando o esforço de qualificação das pessoas, em particular daquelas que estão mais expostas à exclusão do mercado de trabalho; mantendo uma política sistemática de desenvolvimento tecnológico e inovação; reduzindo os custos de criação de novas empresas (nomeadamente, em termos fiscais e burocráticos); desincentivando as importações menos estratégicas por via fiscal e da alteração dos padrões de consumo; etc.

Alguns destes tipos de medidas podem ter efeitos imediatos, outros só produzem resultados no longo prazo. Todos eles são indispensáveis. Seja como for, para que as vantagens potenciais do aumento do salário mínimo se realizem e os seus riscos sejam evitados é fundamental ter uma estratégia global de desenvolvimento para o país. E não só: como os resultados das políticas públicas nunca são inteiramente antecipáveis, é recomendável que elas sejam implementadas de forma gradual e que os seus efeitos sejam continuamente monitorizados e devidamente avaliados. É isto que espero de um acordo da Concertação Social sobre o aumento do salário mínimo nacional até 2019.


Artigo publicado no blogue Ladrões de Bicicletas.