Algumas notas soltas sobre o Banif

Artigo de Ricardo Cabral.


1. Em contraste com casos anteriores, não há promessas vãs de recuperar o dinheiro dos contribuintes e são quantificados de forma aparentemente mais realista os custos com a resolução bancária. Esperemos que as estimativas dos custos do resgate não venham ainda a subir;

2. A transparência do processo (em Portugal) melhorou um pouco e, “aleluia”, o Parlamento é chamado (indirectamente) a aprovar o resgate ao Banif. Deveria ser assim, sempre que estivessem em causa dinheiros públicos de elevado montante;

3. A Direcção Geral da Concorrência (DG-Comp) está a ser ridicularizada em alguns círculos internacionais por ter, na prática, obrigado a uma resolução bancária em que o Estado português injecta entre 2,3 e 3 mil milhões de euros (numa intervenção que irá beneficiar o Santander e resultará numa diminuição da concorrência), porque o Banif não devolveu ajuda estatal de 125 milhões de euros. E a injecção de 3 mil milhões de euros não é ajuda estatal ao Santander?

4. A intervenção do BCE e da DG-Comp nos bastidores não é transparente e deixa dúvidas sobre as motivações e o modus operandis dessas instituições, e sobre o seu grau de responsabilização nas decisões que implicam má utilização de dinheiros públicos;

5. A carta da DG-Comp ao governo português enviada em 24 de Julho de 2015 é muito interessante:

– O Estado português dispunha de um mês para responder, mas as partes interessadas dispunham também de um mês para contestar a decisão a partir da data de publicação no Jornal Oficial da União Europeia, que ocorreu a 18.12.2015.

– Nas conclusões da carta é referido que “A Comissão conclui que, com base na informação disponível à data da presente decisão, tem dúvidas quanto à compatibilidade com o mercado interno do auxílio estatal recebido pelo Banif” (sublinhado do autor);

6. Ou seja, oficialmente hoje, 23.12.2015, a Comissão “tem dúvidas” e ainda não há decisão final sobre se os 125 milhões de euros de CoCos que o Estado aplicou no Banif (e que não foram devolvidos) podem ser considerados ou não como auxilio estatal indevido (ilegal) do Estado português ao banco.

– Mas face à divulgação da notícia na TVI a 13.12.2015 que se iria aplicar uma medida de resolução bancária ao Banif e especialmente às repercussões que a notícia causou – corrida aos depósitos, em especial, no Funchal – o governo viu-se forçado a agir.

– Isto é, a DG-Comp pode argumentar que não tem nenhuma responsabilidade na resolução do Banif, porque aguardava ainda as alegações das partes interessadas para tomar a decisão final sobre se o Banif beneficiou, ou não, de ajudas estatais indevidas;

– Não se percebe que uma decisão (carta) da DG-Comp de 24 de Julho de 2015 seja somente publicada a 18 de Dezembro de 2015 no Jornal Oficial da União!

– No limite, o Banco de Portugal e o Governo correm o risco (diminuto) da Comissão Europeia chegar ao fim do procedimento e, face às observações recebidas de outras partes interessadas, considerar que a ajuda estatal ao Banif cumpria as regras europeias.

7. O passa-culpas (“pass the buck”) já começou há algum tempo. Mas é peculiar a defesa e argumentação do governador do Banco de Portugal: “as consequências de uma provável declaração de ilegalidade do auxílio de Estado ao Banif pela Comissão Europeia que criaria uma gravíssima insuficiência de capital;

– Ou seja: não há decisão final, o Banif cumpre os rácios de capital, mas se a decisão fosse desfavorável o Banif teria, posteriormente, de devolver 125 milhões de euros ao Estado – e só quando tal viesse a ocorrer, é que se concretizaria uma “gravíssima insuficiência de capital”. Note-se que o governo poderia ainda contestar uma decisão desfavorável (mantendo no entretanto o Banif capitalizado). Por isso, o melhor mesmo, é gastar já 3 mil milhões de euros de dinheiros públicos numa resolução bancária – “just-in-case”…

8. Por último e mais importante ainda, é quase certo que as perdas no Banif não eram de 2,2 a 3 mil milhões de euros. Uma parte dessas perdas resulta da forma apressada e sob pressão como foi tomada a decisão e como o banco foi vendido, num mau “remake” do que ocorreu no caso BES!


Artigo publicado no blogue Tudo Menos Economia