Artigo de Pierre Guibentif.
Uma proposta sistemista de resposta à globalização
Na discussão dos processos que conduziram à actual situação de Portugal e da Europa, nos quais nos encontramos envolvidos e sobre os quais procuramos actuar, não podemos desperdiçar nenhuma ferramenta analítica. Gostaria neste ensaio(1) de chamar a atenção para mais uma possível ferramenta: a conceptualização recentemente proposta por Gunther Teubner no seu livro Constitutional Fragments (2012). Vale a pena discutí-la aqui principalmente por quatro razões. Em primeiro lugar, porque já foi aplicada à crise financeira de 2007-2008(2). Em segundo lugar, porque o seu autor é alemão, tendo, portanto, sobre as recentes evoluções, uma perspectiva diferente das nossas. Em terceiro lugar, porque se apoia numa das propostas mais ambiciosas de interpretação da modernidade avançada: a teoria dos sistemas de Niklas Luhmann. Finalmente, porque a confrontação desta conceptualização com a experiência portuguesa faz aparecer potencialidades suas que não foram ainda devidamente exploradas nos comentários que já tem suscitado(3).
Antes de abordar as teses de Teubner vale a pena sublinhar uma característica do debate para o qual este autor pretende contribuir: a estreita interpenetração entre a dimensão cognitiva e a dimensão normativa – o que também caracteriza os debates que se travam aqui nestes tempos. Partindo da experiência da complexidade e da opacidade dos processos que nos afectam, trata-se, por um lado, de identificar o mais precisamente possível os movimentos e as forças que os impulsionam, assim como os seus efeitos; mas trata-se também, por outro lado, de aproveitar os avanços no conhecimento destes movimentos para esboçar estratégias de acção, tirando proveito de certos dos movimentos identificados. Pode então apostar-se na sua força actual e nos seus efeitos julgados benéficos, procurando-se maneiras de os favorecer, para contrariar outros movimentos, cujos efeitos são julgados prejudiciais.
Gunther Teubner formulou a sua “teoria do constitucionalismo societal” em debate com duas concepções da nossa época – defendidas nomeadamente nos domínios do direito, da sociologia e das relações internacionais – nas quais se interpenetram desta maneira conhecimento e opções normativas.
Por um lado, defende-se que, na actualidade, os Estados, apesar de dinâmicas que lhes são exteriores, ainda são actores com uma forte capacidade de intervenção sobre estas. Admite-se que os Estados actuam num contexto internacional cada vez mais estruturado, que condiciona em crescente medida as instituições nacionais, nomeadamente as constituições(4). A evolução deste contexto, no entanto, dependeria essencialmente das iniciativas políticas dos próprios Estados (Kumm, 2004; Thornhill, 2012). A conclusão normativa deste raciocínio é que, nos esforços de controlar as dinâmicas da globalização e limitar os efeitos negativos destas, se deveria apostar na acção dos Estados soberanos.
Por outro lado, considera-se que as formas actuais de cooperação entre os Estados não se teriam revelado eficazes face às dinâmicas económicas da globalização, dinâmicas que teriam efeitos graves sobre as colectividades humanas. Face a estas, e face às limitações na actuação dos Estados, deveria apostar-se nas dinâmicas políticas que se podem detectar além dos Estados. As conclusões normativas, aqui, são de fomentar o mais possível estas dinâmicas: formação de um espaço público transnacional em relação ao progressivo reforço de organizações internacionais ou supranacionais (Habermas, 2005; [2011] 2012); melhor institucionalização das relações de forças que se tecem, à escala transnacional, entre grupos de Estados ou entre classes sociais (Brunkhorst, 2007; 2013; Everson & Joerges, 2012).
Face a estas duas concepções, Teubner sustenta que a esfera política é apenas um componente da realidade social entre outros, e que a globalização consiste principalmente na extensão à escala mundial de actividades que pertencem a outras esferas: a economia, a ciência, a comunicação social, etc. Nem os Estados, nem as instâncias políticas transnacionais, estariam em condição de travar as dinâmicas que se geram no interior de cada uma destas esferas. Pois nem os Estados nem as instâncias políticas transnacionais, enquanto realidades de natureza política, podem actuar eficazmente sobre actividades de outra natureza; apenas as podem perturbar, de uma forma que poderá ser prejudicial também aos outros componentes da realidade social. As dinâmicas das diferentes esferas sociais, no entanto – e com esta tese Gunther Teubner aproxima-se dos cosmopolitas críticos evocados no parágrafo anterior, e afasta-se de posições neo-liberais – podem prejudicar os outros componentes da realidade social. As conclusões normativas são duas. A primeira: dever-se-ia deixar cada esfera social evoluir de acordo com a sua própria lógica. A segunda: face à necessidade de travar dinâmicas sistémicas nocivas, dever-se-ia apostar na capacidade das próprias esferas sociais em auto-limitarem-se.
Estas conclusões apoiam-se na teoria dos sistemas proposta por Niklas Luhmann, tal como reelaborada por Teubner ao longo destes útlimos anos, nomeadamente em Constitutional Fragments.
Recorda-se que o ponto de partida de Luhmann consiste em considerar que a realidade social é tecida por comunicações. É na base deste pressuposto que tem procurado dar conta do fenómeno da diferenciação funcional. Nas sociedades modernas, coexistiriam esferas sociais que teriam adquirido unidade e autonomia umas em relação às outras: a economia, a ciência, o direito, a arte, a religião, a política, a educação, etc. A unidade e autonomia destas esferas resultaria do facto de as comunicações que as tecem terem características que lhes permitiriam, por um lado, relacionarem-se umas com as outras, formando sequências de alguma continuidade; por outro lado, marcar uma diferença em relação a comunicações de outra natureza, dando aqui e agora realidade a um determinado sistema social, distinto dos outros. Por exemplo: as comunicações científicas apoiar-se-iam em comunicações científicas anteriores, e criariam as condições de possibilidade de futuras comunicações científicas; e sempre, especificamente, comunicações científicas. O que possibilitaria ao mesmo tempo a continuidade e a identificação do sistema científico é o facto de cada uma destas comunicações pôr em jogo a distinção característica da ciência: verdadeiro / falso. Desta maneira, são suscitadas contestações – mais comunicações – e, simultaneamente, é actualizada a diferença entre o que é científico e não o é. Mutatis mutandis, esta conceptualização pode aplicar-se a outros sistemas sociais funcionalmente diferenciados, nomeadamente à economia, considerando que um pagamento ou a transmissão da propriedade de um bem consistem, no essencial, em comunicações com características específicas(5).
Pode dizer-se que Luhmann se tem preocupado principalmente com a mecânica destes processos, embora já tenha assinalado que, na realidade social que generam, não existe nenhuma garantia de um desenvolvimento coordenado dos diferentes sistemas. Cada um tem tendência em desenvolver-se de acordo com uma dinâmica própria, o que poderá eventualmente levá-lo a prejudicar o funcionamento de outros sistemas (Luhmann 1997a). Teubner, apoiando-se nas suas observações dos processos de globalização, e inspirando-se em autores cujo pensamento lhe parece de alguma maneira complementar ao de Luhmann, designadamente Jacques Derrida, aborda o funcionamento dos sistemas sociais sob o ângulo das suas dinâmicas. Um fenómeno susceptível de gerar dinâmicas nos sistemas sociais seria o facto de cada sistema ter uma tendência para o que qualifica de “comportamento adictivo”; comunicações de um certo tipo poderiam gerar uma necessidade “compulsiva” em mais comunicações deste tipo (Teubner, 2011, p. 3 s.). O que poderia conduzir a “colisões” de três ordens: “(1) colisão com os imperativos de crescimento de um sistema com a integridade de outros sub-sistemas; (2) colisão com a racionalidade global da sociedade mundo; e (3) colisão entre a aceleração do crescimento do sistema e a própria auto-reprodução deste sistema” (Teubner 2011, p. 11).
Uma vez que se gerou uma dinâmica desta natureza num sistema, apenas poderá ser travada por operações do próprio sistema. Interferências por parte de outros sistemas poderiam destruí-lo ou, pelo contrário, ser simplesmente ignoradas. Em contrapartida, se, no próprio sistema, se tornar patente que as condições da sua subsistência estão em causa, se houver a percepção de que o sistema corre o risco de “tocar o fundo” (“hit the bottom”: Teubner, 2011, p. 4), então poderão gerar-se, no próprio sistema, mecanismos limitadores da dinâmica destruidora. É o que Teubner chama o “momento constitucional”, dando ao termo “constituição” um sentido inspirado na teoria política mas mais geral: processo pelo qual um sistema se auto-limita para garantir a sua subsistência e logo a sua eficácia societal. Este raciocínio inspira-se em particular numa experiência histórica: o reconhecimento, pelos sistemas políticos, no seguimento da segunda Guerra Mundial, da necessidade de se imporem limitações a si próprios – pelos direitos humanos – para prevenir derivas totalitárias.
Este é o raciocínio que Teubner aplicou à crise bancária de 2007-2008, promovendo a organização de um encontro, em Francoforte em Março de 2010, no qual se pretendia abordar a crise financeira numa perspectiva “constitucional” – no sentido que se acaba de introduzir – tratando-se de entender melhor o “lado obscuro da diferenciação funcional” (Kjaer et al. 2011). De facto, a recente crise financeira poderia ser qualificada como resultando de um processo de crescimento patológico do sistema financeiro: um crescimento descontrolado dos créditos concedidos e uma disseminação descontrolada de títulos tóxicos através de produtos financeiros destinados precisamente a facilitar a circulação destes créditos. Estes processos criaram as condições uma repentina contracção, à escala mundial, dos activos bancários na sequência da crise americana dos Subprimes. Temos aqui um caso do processo (3) evocado por Teubner: um crescimento do sistema que, num determinado momento, colide com a auto-reprodução do próprio sistema (os bancos cessam de poder conceder créditos). Por sua vez, a crise das dívidas soberanas que rebenta a seguir poderia oferecer um exemplo do processo (1): os governos, obrigados a intervir em apoio aos bancos ameaçados pelas consequências da crise dos Subprimes, para limitar o impacte desta crise sobre os outros sectores da economia, tiveram que se endividar. Onde este endividamento se veio somar a um importante endividamento preexistente, este tornou-se insustentável e os países nesta situação tiveram de solicitar ajuda externa. Dado que esta ajuda externa foi concedida com a contrapartida de limitações temporárias à soberania nacional, as dinâmicas económicas tiveram um impacte maciço sobre os sistemas políticos. Nos seus textos de 2011 e 2012, Teubner completa este raciocínio sustentando que se podem verificar processos internos ao sistema económico susceptíveis de limitar a sua dinâmica adictiva e destrutiva. Enuncia três destes processos: a “politização dos consumidores”, a “ecologização da governança empresarial”, e o que é convencionado chamar a “plain money reform” (Teubner 2011, p. 17 s.).
No presente ensaio, não será retomada a discussão destas possíveis respostas; pretende-se aprofundar o diagnóstico inicial e a questão de princípio das condições de possibilidade de processos constitucionais susceptíveis de travar as dinâmicas sistémicas.
A aplicação do modelo sistemista ao caso português e o possível desenvolvimento deste modelo
Os dois processos que se acaba de evocar tiveram efectivamente lugar em Portugal. Houve bancos que faliram, o que obrigou o Estado a injectar montantes consideráveis de dinheiro no sistema bancário nacional(6). Com estas despesas, que se acrescentaram a um endividamento já anteriormente agravado pela introdução do Euro(7), a dívida pública tornou-se insustentável e foi necessário negociar uma ajuda externa, a qual foi concedida com a contrapartida de o Estado português se comprometer em adoptar políticas de austeridade e realizar um conjunto de reformas (reforma do mercado de trabalho, reformas da administração pública, privatizações, etc.)(8). Assim, experienciou-se, à escala do país, sucessivamente como uma dinâmica global do sistema financeiro pôs em causa a viabilidade de instituições financeiras nacionais, e como essa dinâmica financeira acabou por prejudicar o funcionamento do sistema político, submetendo este a orientações definidas fora do seu âmbito (Ferreira 2012, p. xxxxx).
Os processos que foi possível observar em Portugal neste recente período de crise e de austeridade não podem, no entanto, ser reduzidos – para retomar a terminologia sistemista – a efeitos de um crescimento compulsivo do sistema financeiro. É verdade que esta qualificação se poderia aplicar, por exemplo, às reduções de salários e pensões, assim como a outras medidas de contenção orçamental. Enquanto medidas destinadas a criar condições financeiras favoráveis ao pagamento dos juros da dívida do Estado, estas medidas poderiam ser qualificadas de resposta directa às pressões dos mercados financeiros. Mas esta qualificação já não se aplica tão facilmente a outras medidas, tais como, por exemplo, a reforma do sistema judiciário(9), a reforma do direito do trabalho(10), ou a implementação do sistema de avaliação do desempenho dos funcionários. É evidente que medidas como estas poderão ter efeitos financeiros, favorecendo uma melhoria da produtividade, e isto explica a importância que revestiram neste período recente. Afigura-se questionável, no entanto, interpretá-las apenas como derivando directamente de pressões dos sistemas económico e financeiro. Aliás, se analisarmos com atenção a história recente do país, veremos que foram desenhadas já antes da crise. Ou seja: a crise deu um novo impulso a processos sociais que poderiam ter as suas causas fora do domínio financeiro.
Como poderíamos qualificar estes processos à luz das teses de Teubner, se não são exclusivamente a consequência directa de processos financeiros? De facto, poderiam ser qualificados de efeitos da intensificação de certas sequências de comunicações – retomando a terminologia deste autor –, mas não – ou não apenas – da intensificação da comunicação financeira. O que se pretende defender aqui é que poderiam ser relacionadas com uma intensificação compulsiva da comunicação organizacional.
É aqui o lugar de recordar, em complemento à introdução esboçada no ponto anterior, um componente crucial da teoria dos sistemas sociais de Niklas Luhmann. Existiriam quatro tipos de sistemas sociais: num extremo, a sociedade-mundo – o conjunto de todas as comunicações humanas –, num outro extremo, as interacções – sequências locais e temporárias de comunicações; e num plano intermédio, dois tipos de sistemas(11) dotados de alguma estabilidade: por um lado, sistemas sociais funcionalmente diferenciados, e, por outro, organizações. Luhmann dá relevo a esta distinção ao dedicar obras diferentes a estes dois tipos de sistemas. E nos livros dedicados a sistemas funcionalmente diferenciados, encontram-se capítulos tratando especificamente das organizações envolvidas no seu funcionamento(12). A reconstituição da evolução societal recente, por este autor, pode ser interpretada como uma explicação simétrica do desenvolvimento destas duas realidades: sistemas funcionais e organizações. São organizações com características prémodernas – instituições da Igreja, corporações – que sustentaram inicialmente o processo de diferenciação funcional, isto é: a emergência de sistemas funcionalmente diferenciados. Reciprocamente, foram sistemas funcionalmente diferenciados – em particular os sistemas da economia, do direito, da política e da ciência – que favoreceram a formação da noção abstracta de organização a que se chegou na modernidade avançada, desligada de contextos específicos de funcionamento. Como resultado desta evolução, a maior parte das operações funcionais – económicas, jurídicas, científicas, etc. – geram ao mesmo tempo, por um lado, economia, direito, ou ciência ou uma qualquer outra actividade social funcionalmente diferenciada, e, por outro lado, uma ou mais daquelas organizações que fornecem as condições materiais necessárias à realização das operações dos sistemas funcionalmente diferenciados (empresas, escritórios de advogados, tribunais, centros de investigação, etc.).
Se admitirmos esta distinção entre organizações e sistemas funcionalmente diferenciados, vale a pena, pelo menos a título de Gedankenexperiment, ensaiar uma generalização do argumento “Hitting the bottom” de Teubner. A compulsão para o crescimento pode afectar sistemas funcionais; este é o tema expressamente tratado por Teubner. Mas também poderia afectar as organizações e, além de organizações tomadas individualmente, o universo hoje formado pelo conjunto das grandes organizações formalizadas, conectadas entre si por processos complexos, plurais, multiníveis de listagem, cooperação, constituição de redes, estandardização, classificação, etc. Neste segundo aspecto, a obra de Teubner é de uma utilidade menos imediata, pois não aprofunda a discussão das articulações entre organizações e sistemas funcionais. Kjaer (2011, 405) toca num ponto sensível quando afirma que “os luhmannianos de esquerda têm uma tendência em negligenciar sistematicamente o aspecto organizacional”.
O tema dos desenvolvimentos indesejáveis das organizações deu lugar a discussões intensas há várias décadas, sob o tema da “burocratização”. A luta contra a burocratização, no sentido restrito de desenvolvimento patológico de certas entidades estaduais, tem estimulado o desenvolvimento da ciência – comparativamente nova – das organizações(13). Este desenvolvimento, por sua vez, inspirou, entre outras dinâmicas, a promoção do chamado new public management. Esta evolução contribuiu para o disembedding das organizações em vários domínios nos quais as entidades existentes tinham sido, desde as suas origens, fortemente marcadas pelas suas missões específicas (saúde, educação, ciência, justiça). Assiste-se a uma diferenciação mais acentuada entre, por um lado, as organizações, e, por outro lado, os sistemas funcionais. Esta evolução poderia ter favorecido a adicção das organizações pela comunicação organizacional. Neste sentido, Kjaer (2011, 421) fala de “estruturas, que adquirem em crescente medida uma vida própria”, mencionando como exemplos os “esquemas de avaliação e os sistemas de auditoria” (ibid., 423). Um exemplo concreto deste tipo de estrutura é o método aberto de coordenação, com as interacções sofisticadas que exige entre entidades nacionais e europeias, centros de investigação, stakeholders, gestão de projectos, etc., método que foi considerado como favorecendo uma abordagem “tecnocrática”, existindo “poucos indícios segundo os quais a estratégia teria tido êxito na estimulação da participação popular no projecto” (Lundvall and Lorenz 2014, 98), ou seja, uma intensificação da comunicação organizacional com impacte sobre comunicações de outra natureza, nomeadamente política.
Mais concretamente, casos de intensificação da comunicação organizacional são: a diferenciação e o reforço das funções de gestão, por exemplo em hospitais, tribunais, ou universidades; a multiplicação de normas organizacionais (como por exemplo as normas ISO) que se sobrepõem às normas jurídicas; a expansão dos mecanismos de de monitorização e avaliação; o aumento da produção de dados sobre todos os aspectos do funcionamento da organização e a intensificação da sua transmissão para as instâncias de gestão; a montagem de novas formas de redes inter-organizacionais, etc. Estas são evoluções que se verificam em Portugal, e que se intensificaram com o “estado de exepção” fáctico que resultou da crise. São particularmente visíveis na universidade e no domínio da investigação(14), mas afectam também domínios como as políticas sociais (Hespanha et al. 2014, 210f.) ou a justiça, onde se tem falado de Managerialization do direito(15).
Existe seguramente uma ligação entre estes desenvolvimentos organizacionais e as dinâmicas económicas e financeiras. Empresas privadas e entidades públicas que têm que despedir parte da sua mão de obra para reduzir custos devem necessariamente redefinir a divisão do trabalho na organização. Se empresas privadas com actividades transnacionais são incentivadas, pela moeda única, em deslocalizar parte das suas actividades e em criar sucursais em países da periferia da Europa como Portugal (Abreu et al. 2013, 38; Boyer 2014, 36; Lundvall & Lorenz 2014, 85, 97), devem instalar mecanismos de monitorização. O ponto importante é que o desenvolvimento destes mecanismos tem uma lógica própria, irredutível à das dinâmicas económicas e financeiras. E esta lógica merece ser captada por ferramentas conceptuais específicas, se quisermos estar em condição de propor um retrato detalhado e pertinente do que se passa na actualidade.
Revisitando a divisão entre componentes organizados e espontâneos dos sistemas sociais – O exemplo da ciência
Admitindo que existem processos que possam ser qualificados de dinâmica compulsiva das organizações, conviria apreciar mais precisamente a sua natureza e os seus efeitos. A maneira como Luhmann aborda o relacionamento entre organizações e sistemas funcionais obriga-nos aqui a fazer uma distinção. As organizações são simultaneamente envolvidas em determinados sistemas funcionais e fazem parte de redes de organizações. Logo, deveremos também admitir a realidade de pelo menos dois tipos de efeitos das organizações sobre o seu contexto social. Os exemplos de efeitos evocados até agora pertencem a uma primeira categoria: os efeitos – que se poderiam chamar externos – do universo das organizações – talvez este universo possa, nas sociedades da modernidade avançada, ser qualificado de sistema funcional sui generis(16)– sobre os outros sistemas funcionais. A sofisticação de medidas organizacionais em domínios como a saúde, a ciência, ou o direito, seria prejudicial a um tratamento apropriado de doentes(17), a uma actividade científica que tenha os ganhos de conhecimento como primeira prioridade, ou a tomada de decisões equitativas sobre os casos submetidos ao sistema judiciário(18). Em todos estes casos, os problemas são devidos (1) às diferenças entre as comunicações organizacionais e as comunicações que geram o sistema funcional em causa; (2) ao facto de organizações que são supostas funcionar principalmente para sustentar uma determinada actividade funcional passarem a ser condicionadas principalmente pelas suas ligações com outras organizações, menos ou nada envolvidas nesta actividade funcional.
Considerando agora o envolvimento de determinadas organizações em particular nas operações de determinados sistemas funcionais, pode enunciar-se a hipótese de um segundo tipo de efeitos – que se poderiam qualificar de internos – os efeitos das organizações, num determinado sistema funcional, sobre os outros componentes deste sistema. Chegámos aqui a uma segunda dinâmica sistémica discutida por Teubner, ao lado da dinâmica de crescimento compulsivo dos sistemas funcionais. Num dos primeiros artigos que dedica centralmente ao tema constitucional, “Global Private Regimes” ([2000] 2004), este autor aborda a diferença, dentro de cada sistema funcional, entre o seu domínio organizado e o seu domínio espontâneo(19). As operações dos sistemas sociais exigiriam uma combinação de organização e espontaneidade. Ora, existiria um risco de as organizações condicionarem excessivamente a espontaneidade, pelo efeito de uma dinâmica organizacional interna a cada sistema funcional. Um momento importante, no desenvolvimento histórico dos sistemas funcionais, teria sido o momento em que estes dois domínios seriam claramente separados e de alguma maneira protegidos um contra o outro.
O componente organizado da realidade social já tem sido objecto de algum debate, como referido no ponto anterior. O que está agora em causa é identificar melhor em que consistem os componentes espontâneos dos sistemas funcionais. Teubner refere os seguintes exemplos concretos: no caso do sistema económico, seria o mercado, no caso do sistema da comunicação social, seria a opinião pública (Teubner 2000, Secção IV; 2012, 23 [44]). Mas não avança na caracterização mais precisa do que é, mais precisamente, o domínio espontâneo.
Se considerarmos o público da comunicação social, é constituído pelas pessoas que recebem as mensagens produzidas por esta. O aspecto societal deste público é feito de comunicações, umas solicitando acesso às mensagens, nos contextos nos quais estas mensagens são distribuídas; outras comentando o conteúdo destas mensagens no âmbito de grupos mais ou menos numerosos de pessoas que tiveram acesso às mesmas mensagens. É a procura agregada destas pessoas, e uma combinação difusa de comentários, que poderão ter um efeito sobre a redacção de mensagens futuras, que poderá esforçar-se em antecipar as expectativas e os interesses do público. O que alimenta estas comunicações, no entanto, são indivíduos, que tomaram conhecimento das mensagens, que as relacionaram com recordações ou com projecções compostas a partir de percepções anteriores. Estas percepções são aliás um tema na comunicação social: os interesses e as emoções dos membros da audiência são abordados em editoriais, em cartas de leitores e respostas a estas, ou ainda em códigos de conduta. A dinâmica comunicacional do público relaciona-se com um sem número de processos psíquicos. O que faz a espontaneidade do domínio espontâneo é – numa grande medida – gerado por estes processos psíquicos.
Para que os sistemas psíquicos possam contribuir para a dinâmica de um determinado sistema funcional, duas condições devem ser realizadas. Em primeiro lugar, são necessários mecanismos específicos de acoplamento entre estes processos psíquicos e a comunicação, pois percepções e comunicações são operações de natureza diferente, participando na reprodução de sistemas de natureza distinta: sistemas sociais, por um lado, consciências individuais, por outro(20). Entre estes mecanismos, temos, nomeadamente, papéis sociais de alguma maneira personalizados (o tal leitor / espectador de quem se presume que tenha interesses e opiniões). Mas este tipo de acoplamento poderia ter, a longo prazo, o efeito de condicionar excessivamente as consciências envolvidas, conduzindo a uma certa padronização dos processos psíquicos interessando o sistema social, o que seria precisamente o contrário da espontaneidade. Daí que tenha que ser preenchida também uma segunda condição: a existência de mecanismos, no plano dos sistemas e das estruturas sociais, que criem alguma distância entre os processos psíquicos e os processos comunicacionais que têm lugar nas organizações que desempenham um papel central no sistema. Esta distância favorece processos psíquicos susceptíveis de irritar a comunicação. No caso do público da comunicação social, esta distância é o resultado de separações entre organizações: de um lado, as empresas da comunicação social; do outro, individualidades, com as suas esferas privadas, ou então envolvidos noutras organizações, onde se espera deles que se mantenham informados do que a comunicação social produz. As estimulações experienciadas pelos sistemas psíquicos nestes outros contextos poderão gerar reacções comunicacionais dos leitores, susceptíveis de surpreender ou desafiar a comunicação que circula no sistema da comunicação social.
Tomando este exemplo como ponto de partida, vale a pena tentar dar mais substância ao conceito de domínio espontâneo, aplicando-o a outros sistemas funcionais. O candidato mais óbvio para este exercício é a ciência, pois na discussão deste sistema funcional podemos tirar proveito da nossa própria experiência de investigadores.
Aqui também, um componente a ter em conta é o público, que desempenha um papel comparável ao que desempenha no caso da comunicação social. Existem revistas e outras publicações, produzidas por organizações que sustentam a actividade científica. As reacções das audiências destas revistas e publicações podem ter algum efeito sobre a actividade científica(21).
Mas existem pelo menos mais dois mecanimos a ter aqui em conta. Um é a abertura pelas organizações, no seu interior, de espaços reservados a interacções menos formalizadas. É um lugar comum, entre cientistas, considerar que encontros informais, organizados na ocasião de conferências mais formais, são uma fonte importante para novas sequências de comunicação científica. Um outro mecanismo é a criação de situações formalizadas nas quais os participantes devem responder a fortes exigências de originalidade (para retomar o exemplo do congresso: as expectativas dirigidas aos autores das comunicações apresentadas). Estes dois mecanismos combinam-se quando se criam comissões compostas por pessoas escolhidas na base das suas qualidades científicas pessoais. Encontros de comissões desta natureza criam um espaço no qual estas pessoas se sentirão desafiadas em (1) interagir com algum grau de espontaneidade; (2) interagir na sua qualidade de personalidade científica(22).
O que se verifica, em Portugal, nestes tempos de crise, no domínio científico, é uma redução dos espaços de interacção (com a redução das instâncias de governo das instituições de ensino superior, pela individualização dos esquemas de avaliação, pela automatização de certos momentos da comunicações científica: composição de programas de congressos, contratação de peritos para blind peer reviews, etc.), pelo desmantelamento de públicos (pela marginalização das revistas científicas nacionais), e pela desqualificação do conteúdo das contribuições pessoais (pelo carácter quase exclusivamente quantitativo dos esquemas de avaliação). A estas evoluções acrescenta-se um impressionante desenvolvimento de mecanismos organizacionais – para o financiamento e a avaliação dos projectos, das equipas e dos investigadores individuais; para a racionalização das ligações com a comunidade; para a certificação dos centros de investigação e dos programas de formação, etc.
Processos similares estão em curso noutros países europeus. No entanto, as características semiperiféricas de Portugal(23) poderiam favorecer um reforço da preponderância do componente organizado sobre o componente espontâneo na ciência. É permitido admitir que audiência das revistas científicas é proporcionalmente mais reduzida do que nos países do centro da Europa; e hábitos de interacção colegial tiveram menos tempo para gerar uma cultura de cooperação, nomeadamente nas ciências sociais, cujo desenvolvimento efectivo arrancou apenas depois da Revolução de 1974. Nestas condições, processos que, noutras regiões da Europa, ainda têm consequências limitadas, poderão ter aqui efeitos já mais acentuados.
Dados que confirmam, para além do sistema científico, a hipótese de uma pressão crescente, nestes últimos anos, das organizações sobre os indivíduos são os que que resultam de uma análise quantitativa da evolução das condições de trabalho na Europa, baseada numa tipologia derivada de uma análise de clusters das formas de organização do trabalho (Lundvall & Lorenz 2014). Esta investigação identifica quatro sistemas de organização do trabalho, de acordo com as suas potencialidades em termos de aprendizagem no local de trabalho: aprendizagem discricionária, produção lean, organização taylorista, organização tradicional (discretionary learning, lean production, Taylorist organization, traditional organization). A categoria que interessa principalmente aqui é a “produção lean”: reúne uma maioria de trabalhadores que indicam “que o seu ritmo de trabalho é determinado por objectivos quantitativos de produção”; e que, encontrando-se sob o desafio de aprender e de solucionar problemas, enfrentam “problemas que parecem ser mais restritivamente definidos, sendo o leque das possíveis soluções também menos amplo. O ritmo de trabalho é mais constrangido, nomeadamente por constrangimentos ligados ao uso de objectivos quantitativos dizendo respeito à produção ou às prestações dos empregados” (Lundvall & Lorenz 2014, 84). Os países com as proporções mais elevadas de trabalhadores submetidos a condições de produção lean são a Irlanda e o Reino Unido (40.9% and 45.1%, face a uma média europeia de 28.2%). Embora a proporção em Portugal seja mais baixa (22.4%), este país tem em comum com os dois que se acaba de referir a seguinte característica: a produção lean é claramente mais frequente do que a “aprendizagem discricionária” (18.9%) (Lundvall & Lorenz 2014, 85). Uma questão crucial aqui é de saber como estas proporções evoluíram recentemente. Os números apresentados por Lundvall e Lorenz (2014, 92) correspondem à hipótese de uma pressão crescente do componente organizado sobre o espontâneo (aqui no caso do sistema económico): na Europa, entre 2000 e 2010, a aprendizagem discricionária teria descido de 35.1% para 31.8%, enquanto a produção lean teria subido de 28.2% para 31.3%.
Para concluir esta secção: o domínio espontâneo de um sistema funcional seria constituído por um universo heterogéneo de pequenas organizações e de indivíduos que participam nas operações do sistema em paralelo a grandes organizações, e por espaços, instituídos no seio de grandes organizações, destinados a acolher interacções mais ou menos informais e prestações individuais originais, estruturas estas que têm como vocação garantir o acoplamento entre o sistema funcional em causa e uma pluralidade de processos psíquicos não estandardizados e tão intensos quanto possível; dispositivos que jogariam, para retomar uma formulação radical inspirada por Foucault, com a “tensão entre a subjectividade humana (irracionalidade) e o poder da racionalidade” (Everson 2013, 112). A tendência actual vai no sentido de uma progressiva redução deste domínio espontâneo em benefício do domínio organizado. E esta tendência, em sistemas sociais como o sistema científico, acrescenta-se às pressões sofridas pelo efeito das dinâmicas financeiras.
Que estratégias de resposta face às dinâmicas organizacionais?
A interpretação sistemista das evoluções actuais proposta por Teubner, completada para dar conta de fenómenos observáveis em Portugal, sugere, em primeiro lugar, que, na análise das dinâmicas societais cujos efeitos actualmente sofremos, não nos devemos limitar à discussão das dinâmicas económicas(24), mas devemos, também, procurar captar melhor a natureza e os efeitos de dinâmicas organizacionais. Voltando aos questionamentos normativos evocados no princípio deste ensaio, isto levanta a questão das outras dinâmicas que se poderiam aproveitar para as conter.
Podem enunciar-se dois efeitos principais. O primeiro é, pela redução dos domínios de espontaneidade nos sistemas funcionalmente diferenciados, uma redução generalizada das margens de manobra deixadas aos indivíduos, e um menor aproveitamento da sua capacidade de acção. Neste sentido, para utilizar a terminologia sistemista, as dinâmicas de expansão organizacional participam na degradação do meio ambiente humano dos sistemas sociais. O segundo efeito é de prejudicar o desempenho dos sistemas funcionalmente diferenciados. Pode fazer-se apreciações diversas destes dois efeitos. As reflexões conclusivas que se seguem partem de uma apreciação fundamentalmente negativa. Não é inimaginável uma sociedade sem sistemas funcionalmente diferenciados, mas existem boas razões de prognosticar um risco de tendências totalitárias. E uma sociedade que exporia muitas pessoas a experiências de desconsideração e de não reconhecimento tem que lidar com as reacções a estas experiências, que podem ser violentas.
Face a estes dois efeitos, a resposta mais óbvia consiste em procurar favorecer, dentro dos diferentes sistemas funcionalmente diferenciados, dinâmicas que possam reforçar os seus domínios espontâneos. Estratégias com esta orientação teriam o potencial, simultaneamente, de reforçar globalmente os sistemas funcionalmente diferenciados, limitando os prejuízos que lhes pode causar uma predominância do seu componente organizado, e de ir ao encontro das necessidades de reconhecimento dos indivíduos. Neste sentido, pode pensar-se em primeira linha em três dinâmicas internas aos sistemas funcionais:
(1) A afirmação de identidades profissionais. Numa época na qual os indivíduos são em crescente medida convocados a título de agentes de organizações, deveriam ser favorecidos os mecanismos que lhes permitam identificar-se directamente com a actividade especializada para a qual se formaram. Isto é: que facilitem sinergias entre aspirações e projectos individuais, por um lado, e criatividade no desempenho societal da actividade especializada, por outro. Nesta matéria, as associações, enquanto organizações especializadas na representação de pessoas, ocupam uma posição estratégica.
(2) O surgimento de novas formas de organização não ou pouco formalizada. É favorecido tanto pelas evoluções nas tecnologias de comunicação como pela democratização das actividades nomeadamente científicas e artísticas. Na medida em que forem expressamente reconhecidas como estruturas legítimas de uma determinada actividade funcional, são susceptíveis de favorecer a conjugação e logo o reforço de iniciativas individuais.
(3) Os debates transnacionais. Facilitados também pelas evoluções nas tecnologias de comunicação, podem ser poderosamente estimulados pela experiência do contraste entre as tendências transnacionais de racionalização organizacional e os modos de reacção face a estas tendências, que podem variar muito em função de culturas profissionais locais ou nacionais.
No domínio da ciência, estas três dinâmicas poderiam beneficiar da valorização de dispositivos reflexivos, isto é: de dispositivos comprometendo a ciência em tomar-se a si própria como objecto. Tais mecanismos reflexivos também abririam um espaço para a discussão das próprias dinâmicas organizacionais, e favoreceriam a mobilização, nesta discussão, além de dados recolhidos através da observação, das experiências acumuladas pela participação directa na actividade científica.
Além disto, poderá apostar-se nas sinergias entre as dinâmicas internas a um determinado sistema funcional e dinâmicas que atravessam outros sistemas. No caso da actividade científica, pode pensar-se em particular em sinergias de dois tipos:
(1) As sinergias entre a ciência e as outras actividades funcionalmente diferenciadas que se poderiam qualificar, no sentido lato, de culturais: a arte, o direito, a educação, a comunicação social, assim como – sob reserva de particularidades que exigiriam uma discussão que não cabe no presente ensaio – a religião. Uma outra maneira de jogar a “convergência das periferias” (Pureza 2015: 206). Todos estes domínios experienciaram, nestas últimas décadas, pressões racionalizadoras que reforçam o papel de grandes organizações formalizadas. O confronto entre estas experiências poderá beneficiar as dinâmicas reflexivas nos diferentes sistemas, e inspirar modos inovadores de restabelecer o equilíbrio entre componentes organizados e espontâneos dos sistemas.
(2) As sinergias entre os debates científicos e os debates políticos. Aqui deve referir-se o que se apresenta hoje como um exemplo de sinergia conseguida: a afirmação, nestes últimos anos, em Portugal como noutros países, de movimentos de economistas – em Portugal: “Economia com futuro” – reivindicando uma prática da ciência económica alternativa à economia neo-clássica que tem inspirado as principais escolhas de política económica das últimas décadas. A oposição política a estas escolhas tem fortemente estimulado a vontade, no domínio científico, de defender concepções alternativas da economia. Reciprocamente, os trabalhos inspirados por estas concepções alternativas têm inspirado discursos políticos de oposição ao modelo político-económico actualmente dominante.
Face a este exemplo, impõe-se a pergunta seguinte: não se poderia gerar uma sinergia comparável entre ciência e política face às dinâmicas organizacionais? De facto, os sinais neste sentido ainda são poucos. O surgimento do tema da confiança dos cidadãos nas instituições, que está recentemente a atrair as atenções tanto de investigadores como de políticos, poderia ser considerado como revelador de efeitos destas dinâmicas. Mas o relacionamento entre as duas problemáticas ainda resta por aprofundar.
Do lado da investigação científica, no entanto, começa a manifestar-se alguma tensão entre dinâmicas de trabalho viradas para o estudo das organizações na perspectiva do seu melhor funcionamento, e outras incidindo sobre a experiência individual na modernidade avançada. Não é de excluir que esta tensão venha a corresponder, num próximo futuro, a uma clivagem entre forças políticas apostando na racionalização das organizações e outras apostando na defesa dos indivíduos face às organizações. Este último tema está hoje, aliás, já presente no discurso político. A ciência tem uma responsabilidade particular nas iniciativas susceptíveis de facilitar uma evolução neste sentido. Tem contribuído poderosamente, há algumas décadas, para o fortalecimento do fenómeno organizacional. Experiencia directamente os problemas societais que derivam desta evolução, e está em posição de os identificar mais globalmente. E talvez goze, neste momento, de condições mais favoráveis do que o sistema político para os abordar e para ensaiar na prática modalidades inovadoras de acção colectiva, que saibam ao mesmo tempo defender-se da racionalização organizacional e aproveitá-la. Nos sistemas políticos, que se tornaram – não podendo aliás deixar de se tornar – organizações formalizadas de organizações formalizadas (Freire 2015: 53), repensar o lugar das pessoas representa, como se pode verificar nestes anos, um desafio muito mais árduo.
Notas:
[1] Este texto retoma elementos de Guibentif (no prelo), uma proposta de análise do caso português redigida como contributo para um debate sobre os processos que se tem designado de autoconstitucionalização na Europa (Přibáň, no prelo).
[2] Kjaer et al. 2011. Em Portugal, esta obra é referida por Medeiros (2014), que se apoia na contribuição de Teubner para defender uma concepção restritiva do papel do Tribunal Constitucional.
[3] Ver, entre outros, Přibáň 2012; Kumm 2013; Thornhill 2013; Přibáň no prelo.
[4] Um fenómeno do qual Neves (2009) pretende dar conta através do conceito de “transconstitucionalismo”.
[5] Esta análise da diferenciação funcional é apresentada na sequência de volumes que Luhmann tem dedicado aos diferentes sistemas funcionais (1988; 1990; [1993] 2004; [1995] 2000; 2000a; 2000b; 2002).
[6] O custo da intervenção do Estado no caso do Banco Português de Negócios elevarseia a aproximadamente 3.400 milhões de euros (Costa & Caldas 2014, 92).
[7] Sobre esta evolução económica, ver nomeadamente Mamede (2015, 61 s.).
[8] Sobre este processo, ver nomeadamente Costa & Caldas (2014) e Pedroso (2014). Para uma discussão do conjunto dos documentos que constituem o que se costuma designar por Memorando de Entendimento, assim como das revisões posteriores destes documentos, Abreu et al. (2013, 63s.). Estes documentos encontramse disponíveis no site oficial da União Europeia (http://ec.europa.eu/economy_finance/assistance_eu_ms/portugal/index_en.htm, consultado em Outubro de 2015) e no site do Governo de Portugal (http://www.portugal.gov.pt/pt/ostemas/memorandos/memorandos.aspx, consultado em Outubro de 2015). Para uma discussão recente do impacte deste dispositivo, ver Almeida (2015).
[9] Sobre esta ver Santos (2014).
[10] Sobre esta, ver Leite et al. (2014).
[11] Sobre os sistemas funcionalmente diferenciados, ver as obras referidas supra, na nota xxxx; sobre as organizações, ver principalmente [1964] 1994 e 2000c.
[12] O tema da complementaridade entre sistemas funcionais e organizações é destacado em Luhmann (1988, 308), num capítulo sobre “Medium e Organização”. A sua discussão é menos claramente isolada em Luhmann (1990, 1993 and 1995). Em contrapartica, tornase quase num leitmotiv nos volumes que foram publicados mais recentemente e que, provavelmente, foram também redigidos mais recentemente: ver os seguintes capítulos: Luhmann (2000a, 228): “Organizações políticas”; Luhmann (2000b, 226): “Organizações religiosas”; Luhmann (2002, 142): “Reespecificações: organização e professionalização”. Ver também Luhmann (1997b, 840 f.). Para algumas referências complementares ver Guibentif (2010, 112 f.).
[13] Para uma breve síntese deste desenvolvimento, ver, Friedberg (2006, 836); ver também Pimentel (2012, 29).
[14] Sobre a recente reforma das universidades em Portugal, ver Gonçalves (2012). Para uma apreciação do recente exercício de avaliação dos centros de investigação em Portugal, ver “The flawed evaluation of Portuguese research units conducted by the ESF and FCT,” Blog De Rerum Natura. August 29 de 2015. http://dererummundi.blogspot.pt/2014/08/factsaboutfctesfscienceevaluation_29.html.
[15] Edelman et al. 2001; para um exemplo de uma investigação empírica sobre a “managerialização” da justiça penal em França, ver Bastard and Mouhana (2007); para uma referência a esta evolução em Portugal: Dias (2012, 439).
[16] Teubner sugere a existência de um sistema desta natureza quando se refere à “Matrix anónima” (Teubner 2012, [215f.] 142f.). Valeria a pena relacionar esta noção com a de “Nebulosa” recordada por Pureza (2015: 136).
[17] Para investigações empíricas precisamente sobre este tema, ver Correia (2012) e Ginsbourger & Terral (2014).
[18] Ver a crítica, por Koskenniemi (2006), do “managerial mindset” em direito internacional.
[19] Esta diferença é também discutida em Constitutional Fragments (2012, 22 [44], 88f. [139f.]), mas uma das introduções mais convicente a esta temática ainda é a que se pode encontrar no artigo de 2000.
[20] Além de muitos outras referências, ver Luhmann ([1995] 2000), chapítulo 1. Para algumas referências suplementares, ver Guibentif (2011, 181 s.) e Guibentif (2015, 18 s.).
[21] Este efeito tem sido recentemente reforçado – ao mesmo tempo que se alterou a sua natureza – pela tomada em conta dos factores de impacto das revistas e dos índices de citações, nas classificações dos investigadores individuais e das organizações que participam na investigação científica.
[22] Para alguns elementos de análise sociológica das comissões públicas, ver Bourdieu ([198992] 2012, 47f., 61f.). Esta obra apoiase num quadro conceptual diferente, mas corresponde em vários pontos à análise aqui esboçada: o autor realça a independência demonstrativamente exibida da comissão; a relevância do estatuto pessoal dos seus membros; a ausência de uma ligação directa entre os interesses particulares das pessoas envolvidas e os argumentos apresentados nos debates da comissão. E prossegue o mesmo objectivo sociológico: entender como este tipo de entidade gera certas forças sociais.
[23] A qualificação de Portugal como país semiperférico é proposta, como se sabe, por Santos ([1985] 1990). Para uma discussão deste conceito e a sua aplicação a Portugal, ver Guibentif (2015).
[24] Discussão para a qual pretende contribuir, nomeadamente, Mamede (2015).
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