Revisitando tentativas de introdução do plafonamento das pensões

Artigo de Maria do Carmo Tavares.


Na recente campanha eleitoral para as legislativas, a discussão sobre o plafonamento (tecto no valor das pensões e nas contribuições) voltou a estar presente, e consta do programa eleitoral da coligação de Direita. Aliás esta matéria ciclicamente tem estado em discussão, atingindo o seu auge aquando do Livro Branco da Segurança Social no final dos anos 90 mas, a luta da CGTP e as convergências construídas levou, felizmente, à derrota das teorias que pretendiam instituir o plafonamento.

Apesar de várias vezes esta questão ter sido levantada ainda há em geral um grande desconhecimento das pessoas sobre esta matéria.

Foi durante a governação de Cavaco Silva, que se iniciou um ataque severo ao regime Contributivo da Segurança Social, o que promoveu uma insegurança geral nos trabalhadores.

Chegou-se ao ponto de se afirmar que só era possível assegurar o pagamento das pensões de reforma por velhice durante 5 anos, dado que preconizavam a falência do Sistema de Segurança Social.

Argumentavam que o Regime vigente (de repartição) não podia pagar as pensões futuramente aos trabalhadores com rendimentos mais elevados e, por isso, se deveria limitar o seu valor (plafonamento), devendo para isso os trabalhadores acautelarem pensões de reforma complementares em regimes de capitalização. Por outro lado, o Governo de Cavaco propunha-se realizar uma reforma no cálculo das pensões, tendo em vista a sua redução e a unificação do Regime da Caixa Geral de Aposentações com a Segurança Social e, nesta altura, aumentaram a idade de reforma das mulheres.

A discussão em torno do plafonamento obrigou a expor as razões políticas, filosóficas e sociológicas sobre a Reforma do Estado Providência e as suas linhas de fractura. Os que defendiam o regime de repartição, entretanto construído após o 25 de Abril com aperfeiçoamentos nomeadamente no financiamento; e os que queriam desmantelar o Regime de Repartição e substituí-lo em parte por uma capitalização individual mercantil.

A publicação do D.L. 205/89 de 27 de Junho no 2º Governo de Cavaco Silva que estabeleceu pela primeira vez o regime de poupança reforma e do fundo de poupanças reforma, no seu preâmbulo é claro quando refere que se trata de uma orientação estratégica nas políticas macro económicas e de Segurança Social. Este diploma veio introduzir no nosso regime jurídico planos individuais de reforma privados.

Ou seja, todas as sociedades gestoras de fundos de investimentos, de fundos de pensões autorizadas por decretos leis, também eles dos Governos de Cavaco Silva, assim como as companhias seguradoras que exploravam no nosso país o ramo de vida eram, segundo o diploma, competentes para gerir os fundos de poupança reforma.

Assim o mercado financeiro tinha instrumentos e podia lançar-se nesta área de negócio.

Desde 1986, havia vários fundos de pensões constituídos mas que geriam regimes complementares profissionais de empresa, previstos nos instrumentos de regulamentação colectiva ou em regulamentos internos, nomeadamente das empresas públicas, os chamados regimes fechados. Estes regimes complementares têm como objectivo acrescer um montante determinado às pensões do regime contributivo da Segurança Social que os trabalhadores têm direito em resultado da sua carreira contributiva.

Voltando aos planos individuais consagrados por Cavaco Silva, para os implementar e proporcionar uma adesão substancial de determinados extractos sociais, o D.L. 205/89 prevê no seu art. 8º o regime fiscal a aplicar “para efeitos de IRS é dedutível ao rendimento colectável e até à concorrência deste, o valor aplicado no respectivo ano em PPR, com o limite máximo do menor dos valores seguintes: 20% do rendimento total bruto englobado e 500 contos”.

A despesa fiscal foi tão elevada face à adesão que levou o Ministro das Finanças Eduardo Catroga a ter de baixar para 250 contos, por outro lado provocou uma significativa regressão no nosso sistema fiscal.

Depois da queda de Cavaco Silva, a discussão sobre este assunto, assim como o combate contra a privatização de parte das pensões continuou, tanto mais que havia vulnerabilidades no financiamento da Segurança Social, que serviam aos adversários dado que não havia uma separação como se impunha entre o financiamento do regime contributivo e o não contributivo que devia ser suportado na integra pelo Orçamento de Estado, acabando por serem as contribuições dos trabalhadores a suportar tais despesas, o que era de todo inaceitável.

Na Comissão do Livro Branco da Segurança Social criada em 9 de Março de 1996 parte dela deu continuidade ao pensamento anterior, de que o regime previdencial não tinha viabilidade e é introduzida ainda a questão demográfica.

Durante meses o debate incidiu em redor da constituição de um tecto nas contribuições enviadas para a Segurança Social e do valor do tecto das pensões futuras.

O Presidente da Comissão, Correia de Campos refere no relatório dos trabalhos que havia divergências entre os membros da Comissão em várias matérias, umas de natureza ideológica e outras de natureza técnica.

Nesta Comissão havia um forte grupo ligado ao sector financeiro que defendeu um plafonamento horizontal a aplicar a todos os novos beneficiários a partir do ano 2000 e quem tivesse menos de 50 anos de idade facultativamente. O valor proposto variou entre 5 e 8 salários mínimos da altura, porém no relatório pode ver-se que houve propostas de 2 a 3 SMN, para abranger o maior número de trabalhadores.

Para os que não estão lembrados o debate atingiu uma amplitude nacional e foi violento, com os bancos a fazerem eles próprios anúncios nos jornais diários crucificando o futuro da Segurança Social, desacreditando-a para gerar insegurança.

As propostas apresentadas por parte da Comissão foram derrotadas. Os trabalhadores discutiram-nas amplamente nas empresas e rejeitaram-nas.

Foram criadas alianças que projectaram uma alternativa “Uma Visão Solidária da Reforma da Segurança Social” subscritas por Maria Gomes Bento, Boaventura de Sousa Santos, António Maldonado Gonelha e Alfredo Bruto da Costa, elementos da Comissão dado o amplo apoio que obteve tal alternativa levou a que fossem derrotados os que pretendiam abrir a porta à privatização.

Nos trabalhos da Comissão, subscrito por estes quatro elementos pode ler-se entre outros aspectos que entre as matérias que suscitaram maior controvérsia no seio da Comissão, contam-se a introdução do plafond e a institucionalização de uma 2º pensão obrigatória.

    1. «Relativamente ao plafond, alguns de nós, por nos termos debruçado há muito tempo sobre a problemática da Segurança Social e, por isso, temos acompanhado, na medida do possível, as experiencias de outros países, defenderam que a introdução de um plafond das remunerações sujeitas a contribuições levantava diversas questões entre as quais salientamos as seguintes. O “plafonamento”:

reduz a solidariedade operada pelo sistema, opondo-se a todo o verdadeiro efeito de solidariedade da segurança social;

induz a diminuição das receitas, pelo que”para obter uma dada soma de recursos a taxa contributiva sobre os salários deve ser mais elevada. A parte do trabalhador numa contribuição (sujeita a plafond é evidentemente regressiva).»

Em 2001, no Governo de António Guterres, depois de longos meses de negociação foi firmado no CPCS um Acordo de Modernização da Protecção Social, que foi muito importante nomeadamente em matéria do financiamento da Seg. Social, tendo sido assegurada uma diversificação das fontes financiamento, assim como novo cálculo das pensões.

Os partidos de direita, com assento na Assembleia da República PSD e CDS contestaram este acordo assim como a lei de bases nº 17/2000, e comprometeram-se a mudá-la se viessem a ser governo. O Governo de Durão Barroso assim o fez e propôs à Assembleia da República a alteração da Lei de Bases existente, tendo vindo a ser aprovada a Lei nº 32/2002. Na regulamentação do seu sistema complementar quantificaram os limites contributivos previstos e assim o Ministro Bagão Félix apresentou um projecto que esteve em discussão pública fixando em 6 e 10 SMN, os limites contributivos, geridos em capitalização individual e de contribuição definida.

Havia intenções de há muito mas foi a primeira vez que foi redigido um projecto-lei sobre o famigerado plafonamento.

Todos os trabalhadores com remunerações mensais superiores a 6 SMN (na altura 2190 €) uma parte dos seus descontos (2/3 do valor dos seus descontos referente à parcela da sua remunerações que ultrapasse os 6 SMN) poderiam ser aplicados em fundos privados, e os trabalhadores com remunerações superiores a 10 SMN da altura, a totalidade dos descontos ultrapassasse os 3650 € deixariam obrigatoriamente de entrar na Segurança Social.

A contestação foi tão grande que o projecto não foi por diante, mas se este regime fosse aplicado a Segurança Social perderia imediatamente receitas cujo valor aumentaria todos os anos pondo em causa a sua sustentabilidade, só se verificando uma eventual redução das despesas quando os trabalhadores se reformassem daí a 25 ou mais anos.

Num documento apresentado pelo governo de então, é referido que impacto financeiro resultante da adesão ao sistema complementar “é positivo a partir do momento em que a diminuição das despesas com pensões é superior à diminuição das receitas com contribuições”.

Concluem que só a partir do 12º ano de pagamento das pensões plafonadas a diminuição das despesas com pensões é superior à diminuição das receitas com contribuições.

Os autores já referidos do livro “Uma Visão Solidária da Reforma da Segurança Social” argumentavam a determinado passo que “como é evidente a criação da segunda pensão, ao pressupor a introdução de um plafond não contribuirá para o aumento da sustentabilidade da Segurança Social. Na verdade o plafond irá determinar uma redução imediata de receitas (maior ou menor conforme o nível a que o mesmo for fixado), enquanto as despesas constituídas em medida importante por pensões, permanecerão em nível equivalente ao actual não só nos curto e médio prazo mas também no longo prazo por força do princípio da garantia dos direitos adquiridos. Diversos estudos demonstram, a introdução do plafond não só não aumentaria a sustentabilidade do sistema, como, pelo contrário, iria antecipar eventuais situações de crise que, atenta à actual situação financeira e à adequada rentabilidade dos saldos poderiam nunca ocorrer”.

As propostas do plafonamento e da constituição de uma segunda pensão ao longo do tempo não diferem muito, o mesmo se pode dizer da proposta apresentada pelo PSD e CDS na campanha eleitoral. A única coisa que tem “divergido” é o valor do tecto a aplicar, mas houve economistas de direita que se encarregaram de defender a aplicação a dois ou três SMN para poder abranger um alargado universo de trabalhadores.

A capitalização individual não constitui alternativa, uma vez que o nosso regime previdencial (contributivo) tem a missão de substituir os rendimentos do trabalho e a pensão de velhice resulta de um cálculo, onde entram dois factores, a saber:

(i) Anos de contribuições pagos para a Segurança Social; (ii) e respectivas remunerações (que são revalorizadas anualmente por portaria), podendo-se afirmar que no Sistema de Repartição, tanto as contribuições a pagar como as pensões são definidas.

No Sistema de Capitalização em nome individual a contribuição a pagar é definida, mas a prestação não é definida.

A pessoa é que vai arcar com os riscos de investimento por parte da instituição financeira, ou seja, as pessoas contribuem, mas não sabem qual vai ser o montante a receber. Nesta crise, o resultado esteve à vista: os PPR chegaram a ter quebras de 30%. Este nicho de mercado para o sector financeiro é muito apetecível porque não oferece qualquer risco.

Estamos certos que os argumentos e as propostas que existem da CGTP-IN e dos Partidos de Esquerda sobre o financiamento do regime contributivo e que a melhoria da economia e a criação de emprego, bem como o aumento dos rendimentos dos trabalhadores, vão permitir continuarmos a ter uma Segurança Social Pública Universal e Solidária e derrotar mais uma vez os ditames da privatização.